Uma longa história de fé e respeito às tradições culturais conduz às cerimônias da Semana Santa em Oliveira, na Região Centro-Oeste de Minas, onde há uma personagem de destaque. Em 120 anos que se completam agora, a figura de Maria Madalena se faz presente nos ritos da Paixão de Cristo. “O documento mais antigo que temos é de 1904, mas pode haver registro de muito antes, afinal, só a imagem do Senhor Morto, que saiu aqui na primeira procissão da Paixão de Cristo, é de 1802”, conta o tesoureiro da Confraria das Dores e presidente do Conselho Municipal de Cultura de Oliveira, Antônio Carlos Barcelos. “Nossas tradições estão cada vez mais vivas, e há muita procura, entre as jovens, para ser a Maria Madalena nas cerimônias religiosas.”
A fila de jovens na faixa etária de 18 a 30 anos, para ser Maria Madalena na Semana Santa, é extensa. “Temos uma lista com nomes até 2030”, revela o tesoureiro da confraria responsável pela Capela dos Passos, na qual ficam as imagens de Nossa Senhora das Dores e Senhor dos Passos. Neste ano, a estudante de ciências contábeis Marina César Machado Ribeiro de Barros, que completará 20 anos no sábado (23), sairá nas procissões encarnando a personagem bíblica que esteve ao lado da Virgem Maria até o momento da crucificação de Jesus. Mãe de Marina, a empresária Gabriela César Machado saiu nas procissões há três décadas, o mesmo acontecendo com a tia, Marilda Machado da Silva, há 60 anos.
“Maria Madalena era uma mulher rica, e, após se encontrar com Jesus, mudou radicalmente de vida. Mas a tradição, na cidade, se mantém com a jovem vestindo roupas caras e joias. Antigamente, esse papel era das filhas dos coronéis, e, com o tempo, foi ficando com as moças de famílias tradicionais de Oliveira. Muitas fazem promessas para sair na procissão, daí aparecerem algumas com mais de 30 anos. Temos uma galeria com as fotos de todas”, informa o confrade.
FIGURADO BÍBLICO
Com dezenas de figurados bíblicos (pessoas da comunidade que se vestem como personagens do Antigo Testamento e do Novo Testamento), as cerimônias em Oliveira, distante 162 quilômetros de Belo Horizonte, enchem de orgulho seus moradores e encantam os visitantes, especialmente pelas imagens de Nossa Senhora das Dores e Nosso Senhor dos Passos. “São peças de grande beleza, datadas de 1875, vindas da cidade do Porto, em Portugal. Chegaram aqui em carro de boi”, diz Barcelos.
A Maria Madalena estará nas procissões do Encontro, das Dores, do Enterro e do Triunfo, no Domingo de Páscoa (ver o quadro). “Ela sempre sai na frente do andor de Nossa Senhora das Dores e entre um rapaz representando São João Evangelista e um convidado, geralmente da família. É tudo muito solene e feito com fé e cuidado”, afirma o tesoureiro da Confraria das Dores.
As roupas e joias são bancadas pela jovem que representa a personagem bíblica nas procissões. Barcelos faz questão de destacar dois nomes importantes nessa história: Múcio Lo-Buono, falecido há cinco anos aos 90 anos, e dedicado à Capela dos Passos e, por mais de oito décadas, a todas as atividades, e a modista Maria do Carmo Araújo Cardoso, a Mariinha, responsável por mais de 40 vestes para as ‘madalenas’. “Todos se envolvem muito para não deixar essa tradição acabar”, afirma o confrade.
EMOÇÃO E FÉ
Três mulheres de uma mesma família de Oliveira se sentem “honradas” por terem sido Maria Madalena, nas celebrações da Semana Santa. “Senti uma grande emoção, principalmente pela firmeza da nossa fé católica”, conta a professora aposentada Marilda Machado da Silva, de 80, residente no Centro de Oliveira. “Fui a primeira da nossa família, exatamente nos cortejos de 1964, portanto há 60 anos”, afirma, ao lado da sobrinha Gabriela Machado e da sobrinha-neta Marina.
Gabriela, de 50, Madalena de 1994, quando tinha 20 anos, observa sobre o intervalo de três décadas na participação de cada uma da família, com a mesma idade: “Acredito em um momento de renovação da nossa fé, pois a conexão com a religiosidade se torna muito forte nesse período”. E explica que, nas quatro procissões em que Madalena está presente, fica posicionada na frente do andor de Nossa Senhora das Dores. Ao lado, estão a figura de São João Evangelista e de um convidado, que carrega uma vela, cercado de crianças vestidas de anjo.
“Comigo estiveram, em dias alternados, um tio, meu pai, meu namorado e meu irmão. O namorado, Eduardo Henrique Ribeiro de Barros, com quem me casei e é o pai da Marina, faleceu há dois anos”, conta Gabriela. Feliz pela oportunidade de cumprir a tradição, Marina saiu nas procissões apenas quando criança, vestida de anjo. “Penso que será uma oportunidade de participar de uma celebração importante de Oliveira e mostrar aos mais jovens um pedaço da história sagrada”, reflete a jovem, com entusiasmo e fé. Mesmo com o cabelo grande, Marina vai usar um aplique para compor melhor a personagem. “Na época, usei um peruca emprestada pela igreja”, conta a mamãe Gabriela.
AOS PÉS DE JESUS
Em abril de 2012, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), em pesquisa, destacou a participação da Maria Madalena na Semana Santa de Oliveira: “Apesar de ser descrita, no Novo Testamento, como umas das discípulas mais dedicadas e fiéis de Jesus, sendo inclusive quem recebeu a notícia de que Cristo havia ressuscitado, Maria Madalena, por muitos séculos, foi lembrada somente como a prostituta arrependida que lavou os pés de Jesus com as próprias lágrimas. Não se sabe ao certo, porém, se essa Madalena é a mesma que quase foi apedrejada por ter cometido adultério.”
Diz o texto da publicação “Bem Informado”, do Iepha: “Pois é essa personagem bíblica que, em Oliveira, passou a ser representada por moças das famílias locais como rainha, com suas vestimentas, joias e diadema.” Segundo Heraldo Laranjo, arquiteto e morador da cidade, “essa rica representação pode ter sido inspirada na tradição que atribui a Madalena uma condição de riqueza, ‘por ela experimentada antes de sua conversão e não quando se tornou discípula e companhia de Cristo”.
Trecho do livro “História de Oliveira” (1942), de Luiz Gonzaga de Fonseca,mostra que a tradição pode ter surgido na cidade ainda no século 19, sendo registrada somente a partir de 1904 de acordo com o documento encontrado no arquivo da Igreja de Passos, que contém os nomes de todas as jovens que representaram a personagem.
Conforme a evolução de costumes e da moda, durante mais de 100 anos ininterruptos em que as procissões contaram com a representação de Madalena, a vestimenta e os penteados sofreram alterações. “Disse Laranjo: “Há fotos da década de 1920 em que se notam os figurinos “art-nouveau” ou da “belle époque”, assim como há jovens da década de 1960 que seguiram os penteados e vestidos armados próprios daquela geração. Já as madalenas da década de 1950 aderiram aos figurinos inspirados nos filmes épicos de Hollywood, bem ao gosto daquela fase da indústria cinematográfica."
Alguns itens são comuns a todas as madalenas de Oliveira. O vestido branco bordado de cauda e mangas largas, a capa azul de veludo, também bordada, e a longa cabeleira, que, no passado, era natural e bem mais longa. Outro atributo da figura, segundo Laranjo, é a naveta que Madalena leva nas mãos, nas procissões, e que, no interior da Igreja Matriz, é usada para ungir com perfume os pés do crucificado e a imagem de Nosso Senhor Morto”. A naveta é um objeto litúrgico, em forma de barco, para uso em cerimônias nas igrejas.
PROGRAME-SE
Semana Santa em Oliveira, na Região Centro-Oeste de Minas
l Dia 26/3, terça-feira, às 20h – Procissão do Encontro
l Dia 27/3, quarta-feira, às 20h – Procissão das Dores
l Dia 29/3, sexta-feira, às 20h – Procissão do Enterro
l Dia 31/3, Domingo de Páscoa, às 20h – Procissão do Triunfo