"Meu irmão lidava com bandidos. Mas ele foi morto por um colega de farda." A frase dita com a voz trêmula é de Verônica Cardoso, de 42 anos, gestora hospitalar e irmã mais nova do policial penal Wallysson Alves dos Santos Guedes, de 44, morto a tiros na madrugada de segunda-feira (26/2) por um subtenente reformado do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG). Neste domingo (3/3), a gestora, com a família, colegas e amigos de Wallysson se juntaram em missa e passeata pedindo paz.

O subtenente reformado do CBMMG, suspeito do crime de homicídio, não teve a identidade revelada. Sua prisão em flagrante foi convertida em preventiva (em vez de 24 horas pode se tornar uma detenção de até 180 dias prorrogáveis) na terça-feira (27/2) pela juíza Juliana Beretta Kirche Ferreira Pinto. O fato de se tratar de um bombeiro militar de quem se espera salvar vidas pesou contra ele, pois na visão da magistrada, ele deveria ter "um comportamento mais ponderado". A juíza considerou a gravidade dos fatos e circunstâncias agravantes, como o acusado ter deixado o local após a discussão com a vítima e ido em casa para buscar a arma utilizada no crime.



Na madrugada de segunda-feira (26/2), dia do crime, Wallysson foi se encontrar com o filho Guilherme, de 21 anos, na porta do trabalho do jovem, no Bairro Santa Tereza, Região Leste de Belo Horizonte. Os dois foram comer cachorro-quente em uma lanchonete, quando ouviram uma música ao vivo tocando em um barzinho em frente.

"Meu irmão gostou da música e convidou o filho dele: Olha, Gui, está rolando um som legal ali. Vamos lá? O meu sobrinho se animou e aceitou ir. Quando terminaram o cachorro quente, os dois subiram juntos as escadas para ver como era (o barzinho com música). Foram atraídos pela música", conta a irmã da vítima.

Segundo Verônica, foi lá que o policial penal encontrou com o subtenente bombeiro da reserva, que ele não conhecia e que questionou o fato de o policial estar armado.

Ele logo apresentou o porte de armas e disse que era da casa, que ele era policial penal. Ainda assim o homem não se deu por satisfeito. "Acho que ele pensou que o meu irmão não tinha o perfil de policial e o questionou. Talvez até por ele ser negro. Se teve alguma dúvida, ele poderia ter acionado a polícia. Desse batalhão, logo ao lado do Santa Teresa. Isso resolveria qualquer dúvida que tivesse, mas não. Ele provavelmente julgou e sentenciou meu irmão", disse. 

Após a discussão sobre o porte de arma do policial penal no estabelecimento, o subtenente bombeiro saiu do bar e foi em casa para buscar um revólver. Ele disparou várias vezes contra o policial penal, que estava ao lado do filho, e depois fugiu em uma moto, sendo preso na sua residência.

Ferido pelos disparos, Wallysson foi levado para o atendimento no Hospital de Pronto-Socorro Joáo XXIII. "Meu filho chegou na maca e ainda tentou se sentar. Estava preocupado com o filho dele, preocupado com a família. Ele ficou tentando falar uma coisa agonizando lá. Queria tanto saber o que ele queria falar. Naquele último momento. Será que era para mim? Será que era um recado para esposa dele, a Adriana. Será que era para o Guilherme, o filho, ou para os irmãos? Nunca vou saber. Mas sei que Deus vai guardar o espírito dele para sempre", disse a mãe do policial, a aposentada Rute Alves dos Santos, de 65 anos.

Segundo a mãe da vítima, o apoio após a morte de Wallysson foi grande principalmente de familiares, vizinhos, amigos e colegas do policial. "O meu menino era muito bom. Foi muito confortante ver no cemitério, no enterro dele, o tanto que ele era querido. Vizinhos que eu já não via há quanto tempo foram lá. Os parentes e amigos de tanto tempo. Tanta gente viu as notícias e não acreditou. Nos procuraram para consolar. Agradeço a todos demais e agradeço a Deus por ter tido o privilégio de ficar ao lado de uma pessoa de caráter e tão querida para todos por 44 anos. O (bairro) Paraíso está de luto", desabafou a mãe, amparada por familiares e amigos.

Caminhada pela paz e por justiça feita pelos familiares do policial penal Wallysson Alves

Edésio Ferreira/EM/D.A.Press

Ato pela paz

Sob salvas de palmas e o clamor por justiça, a família e os amigos do policial penal Wallysson Alves dos Santos Guedes, de 44 anos, morto a tiros na segunda-feira (26/2) por um subtenente reformado do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) se reuniu na Praça Duque de Caxias, no Bairro Santa Tereza, Região Leste de Belo Horizonte. Com blusas brancas para simbolizar a paz e uma fotografia de Wallysson eles fizeram uma caminhada em volta da praça para sensibilizar a população.

"A ideia de unir a todos após a missa foi para trazer um pouco de conforto para família e até mesmo para as pessoas conhecerem quem foi meu irmão. uma pessoa tão querida. Um trabalhador honesto que estava no momento de descanso ao lado do filho e que teve a sua vida arrancada da gente. A família está dilacerada. Pensamos que assim poderemos trazer um pouco de conforto para a gente. É importante que saibam que por de traz daquela vida, tinha toda uma família, uma história que foi destruída", disse a irmã da vítima, a gestora hospitalar Verônica Cardoso, de 42 anos, .

A missa na Igreja Nossa Senhora Medianeira Santa Luzia reuniu uma multidão, pois o policial pertencia àquela comunidade. "Ele foi batizado aqui. Fez a sua primeira comunhão e crismou aqui. Cantou tanto e fez parte do grupo de jovens. Quando a gente ia para a igreja, ele vinha na frente com os irmãos para cantarem juntos na missa. Estar aqui é estar com ele. Aqui meu coração se torna uma pedra, uma rocha para poder me despedir", disse a mãe de Wallysson, a aposentada Rute Alves dos Santos, de 65 anos.

Verônica Alves, a irmã do policial penal morto por bombeiro recebe a solidariedade de amigos e familiares

Edésio Ferreira/EM/D.A.Press
"É muito triste. A gente está buscando forças nem sabemos de onde para poder continuar. Vai ser muito difícil essa caminhada da vida sem ele. Nós estamos abalados. O filho dele de 21 anos que estava do lado e viu a morte do próprio pai, está arrasado também", disse a irmã dele, Verônica Cardoso.

Sobre o assassino, a mãe da vítima não teceu ataques. "Que Deus tenha piedade dessa pessoa que tem uma raiva dessa dentro de si. Não deu tempo de sentir raiva do meu filho, que ele nem conhecia. Essa raiva só pode ser dele. Meu filho deve ter sido a válvula de escape para alguém que já estava com isso dentro de si. Não consigo entender. Dar tantos tiros. Matar alguém tão importante para tantas pessoas. E o motivo?", indagou a mãe da vítima.

Em nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) lamentou a ocorrência envolvendo os dois profissionais da segurança pública. A pasta informou que acompanha os desdobramentos da investigação iniciada pela Polícia Civil e as providências adotadas pelo Corpo de Bombeiros para a elucidação dos fatos.

"A Sejusp se solidariza com os familiares da vítima e com todos os profissionais da Polícia Penal de Minas Gerais e, por meio do Departamento Penitenciário de Minas Gerais, prestará o suporte necessário à família de Wallyson Alves dos Santos", concluiu a Pasta na nota.

Também em nota, a Polícia Civil informou que, por meio da Central Estadual do Plantão Digital, ratificou a prisão em flagrante delito do suspeito, de 61 anos, pelo crime de homicídio qualificado por motivo fútil praticado em desfavor da vítima, de 44 anos.

"A PCMG informa que o investigado foi ouvido e, após a conclusão do procedimento de polícia judiciária, ficou à disposição da justiça para as medidas legais cabíveis. Cumpre salientar que a vítima foi atingida por disparos de arma de fogo e, em seguida, encaminhada ao hospital para receber o devido atendimento médico-hospitalar, mas foi a óbito. O rabecão foi acionado para providenciar a remoção do corpo ao IML para ser submetido ao exame de necropsia."

Bombeiros também se manifestaram por nota. "Em relação ao fato envolvendo o bombeiro militar da reserva que resultou na morte do policial penal na madrugada desta segunda-feira (26), informamos que o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) está adotando as medidas cabíveis, junto aos demais órgãos de Segurança Pública. O militar foi preso em flagrante e segue sob custódia, à disposição da Justiça. Reforçamos nosso compromisso com a ética e a transparência, e refutamos veementemente os atos incompatíveis com os valores institucionais."

Em nota, a Polícia Federal disse que "o inquérito foi relatado e encaminhado ao Poder Judiciário".

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