Brumadinho e Nova Lima - Construídas para suportar e dar vazão a chuvas de até 400 milímetros (mm), mais de duas dezenas de barragens de rejeitos de mineração do Quadrilátero Ferrífero mineiro sofreram danos, de pequenos a severos, com praticamente a metade disso, em janeiro de 2022, quando a Grande BH registrou recorde de precipitação, com 209,6 mm. A situação, que chegou a provocar incidente grave em mina da Vallourec, com interdição de uma das principais rodovias que cortam o estado, serve de alerta diante do quadro de aquecimento do planeta, com previsões de chuvas mais volumosas e concentradas em períodos mais curtos.
Essa combinação, com risco de fortes chuvas no período de um dia, coloca ainda mas em xeque a segurança de barragens, diques, pilhas, cavas e estruturas que retêm milhões de metros cúbicos de rejeitos acima de habitações, estradas, plantações, criações, indústrias e reservatórios de água. Uma questão tida como urgente para ambientalistas e especialistas, apoiados por dados científicos de órgãos ligados à ONU, como mostra levantamento da reportagem do Estado de Minas.
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As chuvas intensas de 24 horas de duração poderão ter seus volumes amplificados de 9,4% a 32,8%, em média, em áreas de barragens, pilhas, diques e minas do Quadrilátero Ferrífero se a temperatura global aumentar entre 2°C e 4°C (veja quadro na página seguinte). É o que indicam modelagens entre dezembro e janeiro – período mais chuvoso – do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, usadas pela reportagem do EM sob orientação de especialistas.
Para esse levantamento, foram considerados os municípios de Barão de Cocais, Brumadinho, Congonhas, Itabira, Itabirito, Itatiaiuçu, Mariana, Nova Lima, Ouro Preto, Sabará e Santa Bárbara, somando 187 barragens, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM). Só na última década (2010 a 2020), o IPCC considera que a temperatura do planeta já subiu em média 1,1°C. Em caso de aquecimento de mais 2°C, Barão de Cocais, Itabira, Sabará e Santa Bárbara podem sofrer com tempestades em média 10% mais intensas. Se a alta nos termômetros chegar a 4°C, Brumadinho e Itatiaiuçu experimentarão chuvas em média 32,8% mais concentradas, sob a forma de temporais.
“É uma situação que causa extrema preocupação. Principalmente porque as projeções do IPCC se referem a aumentos médios dos volumes das pancadas de chuvas. Não sabemos qual o máximo que as chuvas poderão atingir nessas condições”, alerta o presidente do Instituto Fórum Permanente São Francisco (FPSF), engenheiro Euler Cruz.
Antes mesmo desse aumento, estragos já causados por chuvas fortes são citados na Nota Técnica 6/2023, enviada ao poder público e mineradores pelo presidente do FPSF, instituto para a defesa, preservação e conservação do meio ambiente. “Uma pancada de chuva considerável, com erosividade muito forte, pode não apenas erodir o talude de uma barragem, mas também as encostas nas margens do reservatório da barragem e as pilhas de rejeitos e estéreis. Pode ocorrer o desabamento de uma pilha ou das encostas das margens sobre o reservatório da barragem, e essa massa gerar uma onda capaz de galgar a barragem. Uma onda provocada pela queda de encosta ou de pilha pode ter até o poder de romper a estrutura”, salienta o engenheiro e ambientalista.
O incidente da Vallourec
São situações que já ocorreram, gerando grande prejuízo, ou estiveram prestes a acontecer, exigindo uma mobilização sem precedentes em Minas Gerais, como descreve a nota técnica. Em 2022, por exemplo, as chuvas de janeiro causaram estragos em barramentos, que chegaram a causar ameaça de uma tragédia no caso da Mina Pau Branco, da Vallourec, entre Brumadinho e Nova Lima.
No dia 8, uma parte do talude da Barragem Cachoeirinha, no complexo desabou durante a tempestade. A massa de rejeitos mergulhou na estrutura abaixo, chamada Dique de Lisa, provocando uma enorme onda de lama, pedras e água que passou por cima do barramento e engoliu trecho da BR-040 próximo ao trevo de Ouro Preto, interditando por mais de um dia a via que faz ligação de Minas com o Rio de Janeiro e dá acesso a várias cidades pelo caminho.
Na estação meteorológica do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, que fica a cerca de 10 quilômetros da Mina Pau Branco, foram computados 209,6 mm de chuva naquele dia. Porém, as duas estruturas – Barragem Cachoeirinha e Dique Lisa – são dimensionadas para aguentar precipitações superiores e manterem suas vazões sem rompimento, teoricamente suportando entre 300 mm e 400 mm de precipitação. Mesmo assim, acabaram sofrendo danos severos com cerca da metade desse volume.
Já em Barão de Cocais, os riscos de desabamentos das encostas da cava da Mina de Gongo Soco provocarem ondas de choque capazes de atingir a Barragem Sul Superior e provocar rompimento, atingindo e depois rompendo o barramento de baixo, chamado Sul Inferior, estão entre os elementos que elevaram a estabilidade do reservatório ao patamar mais crítico, o chamado nível 3, que representa risco iminente. A situação em 2019 levou a Vale, que opera a mina, a evacuar a comunidade de Socorro e a criar sistemas de alerta, até conseguir erguer uma barreira de concreto e aço (estrutura de contenção de rejeitos ou ECJ) para o caso de ruptura e avalanche de rejeitos, até que o barramento seja desmanchado.