O pequeno município de Divinésia (5 mil habitantes), na Zona da Mata de Minas, tem o privilégio de abrigar um bem cultural único no país. Ocupando um casarão da década de 1940, está aberto à visitação o Museu da Charola, inaugurado há pouco mais de um ano, em 19 de fevereiro de 2023. No acervo, podem ser vistos os andores fechados para transporte de imagens, principalmente a de Nosso Senhor dos Passos, durante as cerimônias da Semana Santa.

 

“A palavra charola significa ‘carro pequeno’, então, nesses andores, era conduzida a imagem do santo. A tradição portuguesa se adaptou bem em nossa cidade, mas, infelizmente, caiu em desuso. Hoje, encontramos charolas apenas no museu”, conta o professor de história e filosofia Marco Aurélio Furiatti Filho, autor do livro “A história de Divinésia”.



A ideia de criar o equipamento cultural partiu do padre Antônio Carlos Martins, hoje trabalhando em Viçosa, também na Zona da Mata. “Ele tinha o objetivo de fazer um museu em Divinésia até que encontrou duas charolas guardadas na sacristia da Matriz do Divino Espírito Santo. Pesquisando mais a fundo a história, soube, por meio de antigos moradores, que se tratava de um tipo de peça sacra muito comum aqui, em outros tempos”, conta Marco Aurélio.

 

“Interessante que não eram peças usadas apenas nas igrejas. Nas casas das famílias, também havia charolas, que transportavam os santos para fazendas e capelas. Na terça-feira (19/3), foi Dia de São José, então as pessoas usavam esse andor fechado com a imagem indo de casa em casa. Se a pessoa, por exemplo, era devota de Santa Luzia, também levava a protetora da visão na charola”, diz o historiador.

 

Além das duas charolas encontradas na igreja, o museu recebeu, em doação, mais oito peças das mãos de família locais. “Há muitas outras guardadas em residências, mas nem todos quiseram integrá-las ao museu, que é um orgulho para a cidade”, afirma Marco Aurélio. Pertencente à Paróquia do Divino Espírito Santo, vinculada à Diocese de Mariana, o equipamento cultural tem apoio da Prefeitura de Divinésia.

 

CASA HISTÓRICA

Localizado na rua mais antiga de Divinésia, chamada por muitos de Rua Velha, o imóvel que abriga o Museu das Charolas foi construído em 1945 para ser o Albergue São Vicente, destinado a pessoas desamparadas, e, desde então, teve várias serventias. A iniciativa pioneira do padre Nélson Tafuri encontrou apoio financeiro no benemérito José Veríssimo Alves. “Funcionou como albergue durante 40 anos até que, desativado por um tempo, o casarão se tornou pousada com renda revertida para a paróquia”, explica Marco Aurélio.

 

Fechada novamente por um período, a construção reabriu em 2002, dessa vez para atender, por ação do padre Jorge Luiz de Miranda Vieira, uma unidade da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Com a saída da escola do lugar, o prédio foi reformado para acolher o Museu da Charola.

 

Segundo informações da prefeitura local, o padre Antônio Carlos buscou recursos, junto à população, para concretizar seu plano de fazer o museu. Em suas viagens, comprava imagens de santos e outras peças que se encontram expostas.


SEM CATALOGAÇÃO

A presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Divinésia, Gerlayne Aparecida da Silva, também funcionária da prefeitura local, informa que, além das charolas, o museu expõe oratórios e imagens de santos, dispõe de uma sala dos papas e uma capela, já existente antes da abertura do equipamento.

 

“O padre Antônio Carlos abriu o museu e depois saiu da cidade, indo para outra paróquia. O acervo precisa de catalogação, pois não há especificações sobre cada uma das peças. Com estudos e informações, ficará melhor”, afirma Gerlayne, que é formada em história e trabalha na área do patrimônio cultural do município.

 

Visitantes de primeira viagem à cidade, que fica a 297 quilômetros de Belo Horizonte e 20 quilômetros de Ubá, podem conhecer um pouco da história de Divinésia, que se originou de um povoado chamado Divino, surgido por volta de 1850.

 

Divinésia foi elevada a distrito do município de Ubá em 1911 com o nome de Divino de Ubá. A emancipação ocorreu em 1962, recebendo a cidade o nome atual.

 

DISTRITO HISTÓRICO MANTÉM CORTEJO COM AS CHAROLAS

Se em Divinésia, na Zona da Mata mineira, as charolas estão presentes apenas no museu, há, em outras localidades do estado, cortejos que vêm do século 18. No distrito histórico de Morro Vermelho, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, elas percorrem áreas rurais apenas durante a Quaresma, convidando as comunidades para as celebrações da Semana Santa.

 

No distrito distante 10 quilômetros da sede municipal, a charola leva a imagem de 30 centímetros de altura de Nosso Senhor dos Passos. Hoje (22/3), última saída nesta temporada, haverá o cortejo às 18h, com as crianças levando a charola até a Igreja Nossa Senhora do Rosário. Com os tempos são outros, a peregrinação será apenas dentro do distrito.

 

A imagem de Nosso Senhor dos Passos é da década de 1960 – a antiga, que percorria fazendas e povoados, foi queimada. Aconteceu o seguinte: depois de uma reza numa fazenda, os “cuidadores” esqueceram uma vela acesa, o fogo se alastrou e consumiu toda a charola.

 

Segundo pesquisas, a charola não podia entrar em cidades e grandes concentrações urbanas. Assim, onde pernoitava, em lugarejos, havia rezas, cantorias, e renovação da fé cristã. Depois da peregrinação, o andor retornava ao distrito às vésperas da Semana Santa. Nos tempos atuais, a peregrinação fica restrita aos fins de semana da Quaresma, quando a imagem é conduzida por crianças a casas do distrito e a pequenas povoações vizinhas.

 

Conforme reza a tradição, as famílias que recebem, em casa, a Charola do Senhor dos Passos, e fazem doações, garantem graças especiais e proteção durante um ano. No cortejo, a charola é ornamentada com flores e ramos que as famílias retiram para fazer chás ou “benzeções” contra males e doenças. n

l SERVIÇO
l Museu da Charola, em Divinésia, na Zona da Mata de Minas Gerais
l Endereço: Rua João Rodrigues de Andrade, no Centro.
l Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 7h às 11h e das 12h às 16h (não abre nos finais de semana)
l Entrada: franca

 

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