Guardião de inúmeras histórias, o museu do bordado se despede silenciosamente de Belo Horizonte -  (crédito: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 27/03/2007)

Guardião de inúmeras histórias, o museu do bordado se despede silenciosamente de Belo Horizonte

crédito: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 27/03/2007

 

O Museu do Bordado, no bairro Cidade Nova, Região Nordeste de Belo Horizonte, que por 22 anos foi guardião de inúmeras histórias entrelaçadas pelas mais diversas e tradicionais técnicas de bordado, se despede silenciosamente da cidade. O espaço foi fundado pela artista plástica, Beth Lírio, em 2000. Após uma série de doações de suas amigas bordadeiras, começou a colecionar as peças antigas e registrou, em 2006, o primeiro e único Museu do Bordado do Brasil, que deixa agora um vácuo cultural devido ao seu fechamento.


A fundadora, Beth Lírio, nascida em Aimorés, Minas Gerais, filha de uma tapeceira e professora de bordado, desde cedo aprendeu a arte de bordar, e por anos resgatou a memória do bordado e a ligação deste ofício com a história da mulher e do Brasil. Em 2004, depois de um tempo cuidando diretamente de peças raras, a artista desenvolveu desenhos, pinturas e objetos esculturais tendo como referência o crochê e acabamentos bordados. Seu rico trabalho, capaz de transformar linha e tecido, faz uma releitura dessas técnicas milenares.

 


Criado com paixão e devoção, o museu era um farol de tradição e criatividade. O acervo de mais de duas mil peças feitas à mão, desde toalhas, lençóis, fronhas, camisolas a vestidos de noivas, alguns datando de 1790, atraíram um público de idade e localidades variadas. “No princípio eram as bordadeiras, mas depois vinham todo tipo de público do mundo inteiro. Crianças, pessoas ligadas à arte e a moda, universitários...”, relembra a fundadora.

 

Beth Lírio dedicou 22 anos de sua vida para reunir uma coleção única, destacando não só a técnica, mas também a história por trás de cada peça. Ela conta que o museu também recebia muitas doações, e para isso era solicitado que a pessoa escrevesse a história da peça doada. “As pessoas o faziam porque acreditavam que o museu era importante para a história delas e do Brasil”. Graças a iniciativa corajosa, a artista plástica conseguiu cuidar de um talento cultural passado de geração em geração.

 


O efeito das peças no público

 

Ao longo dos anos, Beth também testemunhou a transformação que essas peças proporcionavam às pessoas, e isso a motivou a manter o museu. “Eu sentia que às vezes, muitos visitantes, ao entrarem mal, encontravam no bordado uma espécie de regressão ao passado, recuperavam memórias, relembrando situações vividas com as peças em suas famílias, se sentiam melhor”.

 


Entretanto, o museu era instalado em sua própria casa, e por isso a fundadora encontrou dificuldades para mantê-lo. Durante os 22 anos, ela buscou - incansavelmente - o auxílio de autoridades para tentar garantir recursos e encontrar uma residência para abrigar a estrutura do acervo, mas, suas tentativas foram frustradas. Em 2020, ainda sem nenhum retorno, a artista recebeu a oferta de uma casa do prefeito de Paracatu, e doou metade das peças para o município.

 


Ao não conseguir garantir uma casa definitiva em BH, Beth decidiu compartilhar a história do museu por meio da escrita. O livro "Beth Lírio e o Museu do Bordado", disponível na Amazon, apresenta fotografias do acervo e uma narrativa detalhada de todas as batalhas enfrentadas ao longo dos anos, e trás um debate acerca da preservação do patrimônio cultural.

 


A parte que resta dos materiais, apesar do não funcionamento do museu, continua guardada com a fundadora. Ela afirma que se conseguir encontrar alguém que tenha uma casa para instalar o museu, ela não se importa de ficar sem ele. “O que eu quero é que o material do museu cumpra a finalidade dele: levar para as pessoas a história do Brasil através dos bordados”.

 

*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Oliveira