Enquanto a epidemia de dengue ainda castiga o estado, superando 1 milhão de casos prováveis, Minas Gerais olha apreensiva para o futuro. Após três semanas de redução na quantidade de infectados, a elevação de casos, que chegou a 30% por semana entre o fim de fevereiro e o início de março, caiu para 9,3%. Agora, na descida da curva epidemiológica, a preocupação se volta para o que está por vir, com incertezas sobre os padrões futuros da virose e os desafios que podem surgir diante das mudanças climáticas. Por outro lado, a vacinação desponta como um recurso valioso na luta futura contra a doença.
A dengue é uma doença cíclica, que apresenta picos a cada três ou cinco anos. Este ano, no entanto, Minas Gerais enfrenta não só o segundo período consecutivo de epidemia, como aquele que é assinalado como o pior da história do estado. No fim da semana, o Ministério da Saúde anunciou que a maioria dos estados, inclusive Minas Gerais, vive cenário de queda ou estabilidade nos casos da virose. Porém, o território mineiro ainda responde por um a cada três registros da doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti no país, batendo na marca de 1.014.033 casos prováveis, segundo boletim mais recente.
“Dois mil e vinte e quatro é um ano que a gente não quer experimentar de novo. Mas, prever como será a situação da dengue no próximo ano é uma tarefa desafiadora, com variáveis complexas. Dois mil e vinte e três foi um ano de epidemia, mas teve menos gravidade do que o atual, por causa das várias mudanças, inclusive de temperatura, que deixaram um cenário muito favorável ao mosquito transmissor”, afirma o infectologista Leandro Curi.
As confirmações de casos desaceleraram na última semana, mas Minas Gerais ainda está na incômoda posição de registrar a segunda maior incidência da doença (4.729,2 por 100 mil habitantes, segundo boletim mais recente) no Brasil, atrás apenas do Distrito Federal (7.358,9/100 mil). Até sexta-feira, havia 277 mortes confirmadas no estado e outras 677 em apuração. No ano, Minas Gerais acumula 419.267 casos confirmados de dengue.
A circulação de novos sorotipos da dengue – existem quatro no total –, como ocorre em 2024 com os tipos 1 e 2, pode desencadear surtos mais intensos, especialmente em áreas onde a população não tem imunidade prévia contra o tipo específico do vírus, adquirida justamente ao contrair a doença. O sorotipo 3, por exemplo, não causa epidemias há mais de uma década. “Se daqui a três anos, o sorotipo 3 entrar, as pessoas estarão vulneráveis, porque tem muito tempo que não circula por aqui”, afirma o infectologista Dirceu Greco.
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Também como parte dessa lógica, a expectativa dos especialistas é de um arrefecimento de casos no próximo ano. “Se o mesmo sorotipo continuar circulando, não teremos o mesmo cenário de 2024, pois a maioria da população estará imune”, completa.
Mas, ainda é difícil estabelecer previsões. Por trás da explosão de casos, há uma combinação de fatores, que também envolve o papel das mudanças climáticas na proliferação do Aedes aegypti, e acende o alerta diante de recorrentes ondas de calor. “O que vai influenciar esse ciclo são as condições climáticas e a disponibilidade do vetor (o Aedes). As altas temperaturas aumentam a atividade biológica do mosquito, o que se traduz em mais insetos circulando, em mais locais e picando mais pessoas”, diz o infectologista Leandro Curi.
Prevenção o ano todo
Embora seja difícil prever com certeza qual será o quadro da dengue no próximo ano, é crucial que tanto sociedade quanto governos permaneçam vigilantes e investindo em medidas de controle e prevenção. Especialistas veem uma falha nas campanhas de conscientização, deixadas de lado nos períodos de estiagem. “A gente só fala nisso naquele desespero, quando já está a UPA cheia, todo mundo já está passando mal. Faltam campanhas para incentivar a população o ano todo”, alerta Leandro Curi.
A negligência em relação ao combate ao Aedes aegypti fica evidente quando os casos de doenças transmitidas pelo mosquito atingem níveis críticos. Quase 90% dos focos do mosquito estão nas residências, conforme dados do levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa). O ovo do vetor pode se manter viável por mais de um ano sem água. “Quando o verão chega, o Aedes já está no ar, já está reproduzindo e com um número grande de insetos. Temos que nos livrar de criadouros o ano inteiro. No verão, já é tarde demais”, adverte o especialista.
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Vacinação traz novas expectativas
Esperança a longo prazo para conter o caráter cíclico da doença, observado desde o primeiro caso registrado no país, em 1980, a vacinação contra a dengue está aquém do esperado, na avaliação dos especialistas ouvidos pelo Estado de Minas. Menos de 30% do público-alvo – crianças e adolescentes de 10 a 14 anos –, foi vacinado nos 22 municípios mineiros em que o imunizante foi disponibilizado. No início deste mês, Minas recebeu mais de 37 mil doses, distribuídas no dia seguinte para Betim, na Grande BH, além de Uberaba, Uberlândia e Araguari, no Triângulo Mineiro.
Mesmo com a vacinação em curso, ainda há um longo caminho até que o efeito da imunização na população seja suficiente para reduzir os novos casos da doença. “A vacina não impede a transmissão, ela impede o adoecimento. Com o avanço da vacina nos próximos anos, teremos casos menos catastróficos do que no início de 2024”, explica Dirceu Greco.
A baixa cobertura vacinal também é destacada pelo secretário estadual de Saúde, Fábio Baccheretti, em coletivas de imprensa desde o início da imunização no estado. Além da procura abaixo do esperado pela vacina Qdenga, vale lembrar que a proteção que ela oferece está restrita à dengue. O imunizante não atua contra outras doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, como a chikungunya, que também apresenta índices alarmantes em Minas Gerais este ano.