Na mg-430, caminhões carregados enfrentam obstáculos e agravam condição do piso de terra -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)

Na mg-430, caminhões carregados enfrentam obstáculos e agravam condição do piso de terra

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press

 

Igaratinga, Itabirito, Moema, Nova Serrana, Pará de Minas, Perdigão, Rio Acima, São Gonçalo do Pará – A nuvem de poeira deixada para trás pelo caminhoneiro Geraldo Francisco Silva, de 74 anos, o alcança novamente à frente, quando precisa deixar a cabine para fechar com lona a carroceria carregada. “É promessa e mais promessa de asfaltar a estrada.

 

Enquanto isso, cai ponte, poeira entope a gente todo. A chuva faz lama e a gente não consegue trabalhar atolado”, reclama, enquanto tosse dentro da nuvem de pó que seu próprio veículo levantou, na MG-430, em Igaratinga, no Centro-Oeste mineiro.

 

É um retrato que se repete em todas as regiões: enquanto muitos lutam pela duplicação de rodovias perigosas, como a BR-381, outras estradas importantes de Minas Gerais, como a percorrida por Geraldo, ainda não têm algo mais elementar: asfalto. São trechos onde a pavimentação, promessa certa nas campanhas eleitorais, acaba virando poeira logo depois.

 

 

 

Há uma semana, o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB-AL), prometeu a publicação dos dois editais para a duplicação da BR-381, no trecho que inclui a chamada “Rodovia da Morte”, até o fim de maio. Já na quinta-feira (11/04), o Consórcio Infraestrutura MG venceu leilão para administrar a BR-040 de BH a Juiz de Fora.

 

Enquanto isso, segundo dados do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DER-MG) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), 9,5% das rodovias federais que cortam o estado estão em leito natural, enquanto 17% das estaduais são estradas de chão.

 

 

Das que não têm asfalto, o percentual de vias que se encontram atualmente em pavimentação é de apenas 3,6% nas federais e de 9,5% entre as rodovias do estado, cuja malha viária sob responsabilidade do DER-MG é mais de quatro vezes maior que a do Dnit (veja arte na página ao lado).


Para mostrar a situação de muitas dessas rodovias de terra exposta, que trazem dificuldades e prejuízos desde regiões altamente urbanizadas e perto de Belo Horizonte até os municípios mais afastados, na divisa com a Bahia, a equipe de reportagem do Estado de Minas percorreu quase 900 quilômetros, em meio a poeira, buracos e muitos solavancos.

 

Veículos pesados, poeira e atoleiros

 

Entre duas das maiores cidades do Centro-Oeste mineiro, Divinópolis (MG-050) e Pará de Minas (BR-262), a MG-430, ainda que importante para diversas atividades da região, tem 19 de seus 30 quilômetros em leito de terra. Um problema sobretudo na região de Igaratinga, onde olarias extraem argila do Rio São João para produzir tijolos e telhas que abastecem o mercado de construção civil regional.

 

As montanhas de argila e pilhas de madeira para queima nas fornalhas vão sendo alimentadas pelos caminhões que fazem também o escoamento dos tijolos. As viagens que eles fazem são difíceis mesmo no trecho urbano e pavimentado da MG-430, que já não é muito regular, com tráfego em pista simples, asfalto esburacado e sem acostamento. O movimento de veículos pesados de transporte de cargas é intenso e castiga ainda mais o pavimento, ladeado por mato alto que encobre a sinalização.

 

Assim que a cidade de Igaratinga some no retrovisor, o asfalto desaparece junto, rareando até sumir totalmente e dar lugar ao fino pó da mesma terra usada para fabricar tijolos e telhas. Os solavancos e a trepidação do trecho de asfalto, onde ele resiste, são ruins. Mas dão saudade quando os ocupantes dos veículos experimentam saltos e um chacoalhar interminável no piso de terra. No rastro de cada automóvel fica uma nuvem densa de pó em suspensão, que por vezes tira completamente a visibilidade dos motoristas, trazendo ainda grande perigo de colisão.

 

Mesmo os grandes caminhões, pesados de argila e madeira, desaparecem nessa tempestade de poeira em pleno sertão mineiro, em meio à qual surgem de repente motociclistas, motoristas locais em carros e até uma valente Kombi de transporte escolar. Tudo isso disputando a via, estreita, delimitada pelo matagal alto das encostas.

 

Mais adiante, a ponte de concreto sobre o Rio São João aparece em escombros, partida ao meio e mergulhada nas águas escuras do leito. Não resistiu às chuvas intensas de 15 de janeiro de 2024, e desabou, interrompendo a ligação entre Igaratinga e Divinópolis. Um desvio foi improvisado com uma ponte de madeira e vigas de metal sobre uma cabeceira de sacos de areia e pedras, ancorado por um cabo de aço ligado a um dos pilares ainda inteiros da ponte que ruiu.

 

Carretas trafegam sobre o improviso

 

A travessia provisória sobre o Rio São João na MG-430 permite a passagem de um veículo por vez, e é por onde circulam os pesados caminhões e carretas carregados com montes de argila e pilhas de toras de madeira.

 

No monitoramento do DER-MG, o trecho consta como interrompido e em fase de projeto para nova ponte. “Aqui é uma buracada. Quando chove, é barro puro. Não tem nem jeito de andar. Na última água que deu, levou a ponte. Aí fizeram aquela lá, mas nem todo mundo confia. Quem tem de vir de lá para cá precisa arriscar. Na outra chuva que deu enxurrada, precisaram tirar a ponte e puseram de novo. Mas só arrumar a ponte não adianta, precisa do asfalto”, analisa o caminhoneiro Geraldo da Silva.

 

Além da ponte, no sentido Divinópolis a pista se estreita ainda mais e os buracos se multiplicam. Trechos de estrada de barro vermelho traçados pelas valas escavadas por pneus que deslizaram tentando passar na época das chuvas são como cicatrizes das batalhas diárias dos motoristas contra o barro, até chegar ao esburacado asfalto que leva à MG-252.

 

Problemas mesmo próximo à capital

 

Até mesmo em trechos de rodovias importantes, dentro do aglomerado metropolitano da Grande BH ou na vizinhança, motoristas e passageiros aguardam que a promessa de asfalto se concretize. Um caso emblemático é o da MG-030, uma das mais movimentadas e conhecidas da região, por dar acesso a condomínios de luxo e empreendimentos de alto padrão entre BH e Nova Lima. Mas a via se estreita ao deixar os limites novalimenses e vira estrada de terra em Rio Acima, onde as condições são precárias, mesmo sendo a melhor opção para quem segue para Ouro Preto e para a BR-356, sem ter de voltar mais de 30 quilômetros até a BR-040, na capital mineira.

 

Ainda que asfaltada, a situação da MG-030 se deteriora depois do Bairro Alto de Gaia, em Nova Lima. São mais 14 quilômetros em asfalto com remendos irregulares e deteriorados, sem acostamento e com poucos pontos de ultrapassagem. Para completar, a via tem muitos quebra-molas e vários trechos que são rotas de fuga de áreas de influência de barragens de mineração.

 

Nas margens, os problemas persistem: pontos de ônibus e placas foram engolidas pelo mato alto, que serve de pastagem para cavalos que ficam soltos ou amarrados à margem da rodovia, representando um risco a mais. Até no solo se encontram placas de sinalização que foram quebradas em acidentes, largadas à espera de serem novamente instaladas no nível de visão dos motoristas.

 

Na chuva ou na seca, Problemas só mudam

 

Nesse segmento da MG-030, o trecho de terra começa depois das estreitas vias em curvas fechadas que passam beirando barrancos no Bairro Vila Nova, já em Rio Acima, e segue por 18 quilômetros até Itabirito. Percurso sinuoso, que segue o traçado dos cânions e precipícios na Bacia do Rio das Velhas, muitas vezes perto demais das ribanceiras para que dois veículos passem ao mesmo tempo.

 

No ritmo que a suspensão permite a passagem sobre a buraqueira, os motoristas enfrentam ondulações, valas criadas pelas rodas dos próprios carros que passaram pelo barro que secou e depressões que testam a resistência dos veículos. Na seca, a poeira acompanha os viajantes; na chuva, a terra vermelha se torna atoleiro em vários pontos.

 

Moradores locais, muitos deles agricultores, perderam as contas de quantas vezes a pavimentação já foi pedida, mas sabem que seguirá como promessa frequente das campanhas de políticos, como ocorre desde a década de 1980. Enquanto isso, sobretudo nas épocas de chuvas mais intensas, criações ficam sem receber ração e vacinas, as plantações, sem adubação e as pessoas perdem dias de trabalho na cidade, aulas nas escolas e consultas com médicos.

 

“Aqui, sofremos com poeira, falta de manutenção. Quando chove, os carros ficam atolados, dependendo de um vizinho ou conhecido com um carro maior ou trator para desatolar. Às vezes, quando o escolar agarra, as crianças vão para a casa dos motoristas e a gente tem de dar jeito de buscar. Quando chove muito, é melhor faltar à aula. Tenho medo que aconteça alguma coisa com as crianças e com todos. Já aconteceu de a pessoa passar mal e a gente estar ilhado aqui. Se cair barranco ou árvore ou formar atoleiro, não tem jeito. O doente tem de esperar”, detalha a produtora rural Luciene Cláudia Aparecida, de 47 anos.

 

Pela estrada, pontos de ônibus com abrigos de concreto são invadidos por lama e vegetação alta. A poeira encobre todas as superfícies, mostrando ser uma tarefa árdua e insalubre aguardar pela condução de passageiros até na época da estiagem.

 

Vários segmentos são áreas de risco para rompimento de barragens de mineração, com placas indicativas das rotas de fuga e pontos de encontro. Quedas de árvores devido a tempestades também são riscos e impedem a passagem, estreitando ou bloqueando completamente a rodovia estadual, a poucos quilômetros da capital.

 

Pouco asfalto para resolver quilômetros de problemas

 

Moema, Perdigão e São Gonçalo do Pará – Quando a pavimentação sai da esfera das promessas e toma forma de máquinas e operários na pista, transformando percursos de terra de incertos a transitáveis, um certo alívio chega para a população. Ainda assim, fica uma sensação de dúvida, já que em vias importantes, como a MG-252, nem todos os segmentos recebem obras e alguns que as receberam já voltam a ter problemas. Atualmente, o equivalente a apenas 9,5% das estradas de chão sob responsabilidade do estado e 3,6% da União passam por obras de pavimentação.

 

Mesmo as partes recém-asfaltadas limitam muitas das vias a estreitos corredores sem acostamento, com deslizamentos de terra das encostas entupindo as pequenas drenagens em valas que seguem marginalmente e deveriam ter a função de escoar a água das chuvas. Muitas dessas canaletas já se encontram, inclusive, quebradas e inutilizadas.

 

A estimativa do governo de Minas é de que a pavimentação que vem ocorrendo na MG-252 beneficie uma população estimada em 38 mil pessoas, impulsionando a economia da região, com destaque para as fábricas de tecidos, de fogos de artifícios e produção agrícola.

 

“A MG-252 se encontra em execução de obras de melhoramento e pavimentação dos segmentos Araújos e Santo Antônio do Monte, no trecho entre os Km 53,0 a 69,5, com investimento de cerca de R$ 6,9 milhões, e no trecho entre o Km 87,3 (entroncamento da MG 170 em Moema) e o Km 70 (entroncamento com a MG-164), com investimento de R$ 5,4 milhões”, informa o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-MG).

 

O DER também de informações sobre a situação da MG-430, no trecho Igaratinga a Divinópolis. “Com 20 quilômetros não pavimentados, no momento (se) prepara documentação para lançar o processo licitatório que visa à contratação de empresa que vai detalhar o projeto e executar a obra da ponte, que se encontra interditada. Em convênio com a Prefeitura de Igaratinga, está sendo iniciada a pavimentação de quatro quilômetros da via.”

 

Sobre a MG-030, a informação é de que o “trecho Rio Acima/Itabirito e a MG-211, entre Setubinha e o entroncamento da MG-308, estão com os projetos de pavimentação concluídos”, segundo o DER-MG.
O departamento sustenta ter como uma de suas diretrizes a recuperação do pavimento das principais vias sob sua responsabilidade. “Porém sem esquecer dos segmentos, que por meio de estudos, foram apontados como fundamentais para que Minas retome o caminho do crescimento.”


R$ 4 bilhões para asfalto e recuperação

 

Para a pavimentação de rodovias, pontes e recuperação funcional do pavimento, o valor total previsto no programa Provias é de R$ 4 bilhões. “Até o momento, foram viabilizados R$ 2,3 bilhões para execução das obras e efetivamente pagos R$ 1,1 bilhão pelos serviços realizados. Além de 60 obras concluídas, 44 empreendimentos estão em execução e 20 obras devem ser iniciadas ao longo dos próximos meses. Convertendo em quilometragem, já são 1.648 quilômetros de obras concluídas e outros 1.525 quilômetros em andamento, tendo, prioritariamente, a recuperação das rodovias”, informou o DER.

 

Segundo o departamento foi feita a recuperação de 1.474 quilômetros de vias, que tiveram pavimento, sinalização horizontal e vertical e dispositivos de drenagem renovados. Um total de 190 quilômetros foi pavimentado em 12 trechos que fazem parte do programa Provias. Outros 336 quilômetros, divididos 15 segmentos, estão com as obras em execução, de acordo com o DER-MG. n