A região central de Belo Horizonte ganhou cor e um estilo único nos últimos sete anos. As empenas dos prédios, antes cobertas pelo cinza do concreto, receberam obras de artistas de diversos lugares do Brasil e do mundo por meio do Circuito Urbano de Artes (Cura). No entanto, das 24 obras distribuídas pelas edificações da Rua Sapucaí, Centro e Lagoinha, dez estão sendo apagadas pela ação do tempo e precisam de restauração.
A cocriadora e curadora do projeto, Priscila Amoni, afirma que o festival foi se munindo ao longo dos anos e adquirindo técnicas para que as empenas durassem, como aplicação de verniz na pintura, mas não há recursos para garantir a preservação das empenas já pintadas.
“A manutenção não está prevista na proposta do Cura. A gente entende que o Cura é um festival que pinta prédios, é uma batalha, precisa de patrocínio e deveria ser tratado como um patrimônio de Belo Horizonte. “É preciso ampliar o acolhimento, o papel da cidade, do poder público para realizar um trabalho em conjunto. Nós queremos garantir essa manutenção, mas não temos braços. A gente não consegue depois ficar mantendo o prédio para sempre”, explicou Priscila.
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A organizadora ainda reflete sobre o papel da passagem do tempo para a arte urbana. “No ponto de vista do artista, existe o desejo de ver aquela obra durar. A cidade também acolhe. A gente entende que a arte urbana está sob a ação do tempo, é uma coisa natural que se desgasta com o tempo”.
A artista cearense Tereza de Quinta é integrante do duo Acidum Project. Na primeira edição do Cura, em 2017, ela e seu parceiro Robézio Marqs pintaram o mural Curandeiras, de 850 m², na fachada cega do edifício Rio Tapajós, retratando dois rostos que se olham e se falam. A obra Curandeiras está entre as 11 empenas apontadas pela organização que precisam de manutenção.
Para a artista, a arte urbana cumpre um papel importante na relação entre o cidadão e a cidade. “A gente quer sempre estar passando naquele local, vira um ponto de referência para a gente, vira ponto de pessoas passando e que nos conectam, então é algo muito importante, fica muito na nossa memória, nos nossos registros”.
Porém, ela também pontua que a efemeridade faz parte da arte urbana. “Eu acredito que o tempo tem o seu papel, eu acho que o mural não tá ali pra ficar a vida toda naquele local. O tempo de cada lugar faz com que a tinta vá ficando mais clara o tempo vai agindo em cada mural, então eu gosto de pensar que é bonito também ver a passagem do tempo nos murais”, afirmou Tereza.
O artista Thiago Mazza também participou do primeiro Cura e pintou o mural O Galo e a Raposa, de 450 m², na fachada cega do edifício Satélite, no Centro, retratando uma cena da fábula do galo e da raposa, em uma referência aos times Atlético Mineiro e Cruzeiro. Mazza afirma o desejo de revitalizar sua obra, que também foi apontada pelo Cura como parte das artes que estão mais desgastadas pela ação do tempo.
“A arte urbana desgasta, é assim mesmo. Algumas ficam até melhores com o tempo, no caso, a minha empena já está desbotada. O prédio foi reformado, mas mantiveram a arte lá. Eu tenho a intenção de refazer a obra, nesse tempo eu até mudei de estilo de pintura. Mas entendo que é inviável para o Cura restaurar as empenas: ou restaura ou traz novos artistas”, pontuou.
Quais empenas precisam de reparos?
De acordo com a organização, dez empenas precisam de reparos pela ação do tempo:
Acidum: Rua da Bahia, 325, Centro
Hyuro: Av. Amazonas, 120, Centro
Marina Capdevila: Rua da Bahia, 905, Centro
Priscila Amoni: Rua Rio de Janeiro, 147, Centro
Milu Correch: Rua dos Tupis, 70, Centro
Empena de Letras: Rua da Bahia, 478, Centro
Elian: Av. Antônio Carlos, 561, Lagoinha
Bolinho: Rua Diamantina, 645, Lagoinha
Zé DNilson: Rua Diamantina, 645, Lagoinha
Luna: Av. Antônio Carlos, Lagoinha
O que é arte urbana?
O pesquisador de arte contemporânea com foco em arte urbana e restauração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Nivair de Souza, esclarece que “a arte urbana é parte de uma manifestação artística independente que ocorre no espaço público, tendo como um dos seus principais objetivos a conversão do espaço público num local de vivência artística e uma comunicação direta com os transeuntes, estabelecendo diálogos artísticos ou sociais e apropriando-se de elementos desse espaço”.
“A arte urbana tem um papel fundamental em Belo Horizonte, sobretudo o grafite, com uma diversidade de artistas e estilos que agrega valor cultural, social e estético à cidade, tornando-se referência na arte urbana. Ela também promove a expressão da identidade local, estimulando o diálogo entre diferentes grupos sociais e revitalizando espaços públicos ou mesmo esquecidos, o que torna a cidade mais vibrante e inclusiva”, explicou Nivair.
Para o pesquisador, a passagem do tempo é parte da arte urbana e traz benefícios. “A efemeridade na arte urbana, sobretudo no grafite e na pichação, é parte fundamental da sua história, acrescenta uma camada de dinamismo e renovação à paisagem urbana, refletindo a constante modificação da cidade e das ideias. Isso incentiva os espectadores a valorizarem o momento presente e a apreciarem a arte de forma única”, explanou.
No entanto, a preservação é um tópico em discussão entre artistas urbanos e idealizadores. “No campo da preservação de arte urbana, principalmente as obras de grafite ou pintura mural, algumas iniciativas buscam a documentação da obra e evidenciar a importância da preparação prévia dos murais para maior permanência e qualidade, principalmente em festivais de arte urbana que são criadas obras de grande impacto na cidade”, finalizou.
Outras alternativas
No fim de 2023, o grafiteiro André Machado, o Comum, abriu uma campanha de arrecadação online para restaurar sua obra “O Voo” na empena do prédio Satélite, no Centro de BH. O prédio iria passar por uma reforma estrutural, mas o condomínio não pode arcar com os custos da manutenção. Comum precisava arrecadar R$15 mil em seis dias, porém, a população se mobilizou e a meta foi batida nas primeiras 24 horas.
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O que diz a PBH
Questionada pela reportagem sobre o apoio oferecido ao Cura para restauração das obras, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que “tem sido uma parceira ativa do Cura, apoiando o projeto por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e auxiliando na mediação e no processo de aprovação das propostas, tanto nas questões relacionadas ao patrimônio quanto no licenciamento das obras”. Segundo o executivo municipal, desde 2015, foram aprovados cinco projetos do Cura, totalizando um investimento de R$ 646.200,00.
“No que diz respeito à preservação das obras, não é permitido ao poder público assumir a responsabilidade pela manutenção em propriedades privadas. No entanto, encorajamos os responsáveis por essas intervenções a acessarem os diversos mecanismos de fomento disponíveis, a fim de garantir a preservação e continuidade dessas expressões artísticas tão importantes para a cidade”, finalizou em pronunciamento.
Próxima edição
De volta para BH após temporada no Amazonas, a próxima edição do Cura ocorre em outubro deste ano na Praça Raul Soares, no Centro da capital mineira. Nesta edição, o Edifício Leblon vai ganhar novas cores. “O Leblon vai ser o edifício mais desafiador do Cura. A gente vai ter que gastar uma grande verba em reparo, o prédio está muito destruído.O Cura ele tem esse gasto muito grande com reparo e o investimento grande para que as pinturas tenham maior duração”, contou Priscila Amoni.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice