O trecho sem pavimentação da BR-135, entre Itacarambi, São João das Missões e Manga, no Norte de Minas: poeira na época de seca, lama na estação de chuvas, buracos o ano inteiro -  (crédito: Luiz Ribeiro/EM/D.a press)

O trecho sem pavimentação da BR-135, entre Itacarambi, São João das Missões e Manga, no Norte de Minas: poeira na época de seca, lama na estação de chuvas, buracos o ano inteiro

crédito: Luiz Ribeiro/EM/D.a press

Itacarambi, São João das Missões, Manga e Matias Cardoso – “No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho”. Os versos do conhecido poema de Carlos Drummond de Andrade ilustram em parte o sofrimento dos motoristas que precisam percorrer o trecho de terra da BR-135, entre Itacarambi, São João das Missões e Manga, no Norte de Minas.

 

O obstáculo é representado pela precariedade da estrada federal, mas, na verdade, motoristas obrigados a cruzar o trecho de 48 quilômetros ficariam gratos se tivessem de desviar de um só problema. Viajar por esse caminho significa enfrentar poeira no período da seca, lama na época das chuvas e buracos o ano inteiro, como constatou a equipe do Estado de Minas ao cruzar o trecho na última semana.


Além de sacrifício para a população e uma vergonha para a terceira economia do país, esse trecho da BR-135 representa um drama para quem precisa se deslocar em busca de atendimento médico, um gargalo para o comércio e um freio para a economia da região.

 

Tudo em meio a um outro aspecto, comum para a população que depende de trechos de estrada de chão em Minas, como vem mostrando desde segunda-feira (15/04) a série de reportagens “Caminhos de terra”, do EM: o empoeirado e enlameado percurso no Norte de Minas tem um histórico de promessas que já dura mais de três décadas, sobretudo em épocas de eleições. Nesse tempo, a obra continua no papel e nos discursos políticos. E os buracos continuam na pista.


A repetição dos anúncios de asfaltamento da estrada motivou até o surgimento de um movimento em Manga, cidade de cerca de 19 mil habitantes do Norte de Minas, com o nome “BR-135 sem promessa”, que cobra o fim dos discursos vazios e o início da pavimentação efetiva do trecho. “O movimento surgiu da necessidade de combate às reiteradas promessas dos políticos votados na região, que não são cumpridas.

 

 

De quatro em quatro anos, os candidatos usam a BR-135 como bandeira. Vêm, fazem compromisso de que vão correr atrás do asfalto e nada de a obra ser executada”, critica o líder da mobilização, Maurício Magalhães de Jesus, advogado, empresário e produtor rural do município. “A estrada representa o maior cabo eleitoral da região”, define.


Manga: uma cidade sitiada

 

Sitiada de um lado pela estrada, de outro pelo Rio São Francisco, a população de Manga sofre com uma espécie de “isolamento duplo”. De um lado, enfrenta as péssimas condições da BR-135, sem pavimentação, e do outro, encara os percalços da demorada travessia de balsa, enquanto a ponte sobre o Rio da Integração Nacional, na ligação do município com a Matias Cardoso, Jaíba e Janaúba (MG-401), aguardada há anos, também só existe nas promessas.


A BR-135 começa no entroncamento com a BR-040, no município de Curvelo, na Região Central do estado. Corta o Norte de Minas, passando por Montes Claros e Januária, e segue em direção do Nordeste do país, indo até o Maranhão. Os 48 quilômetros entre Itacarambi, São João das Missões e Manga compreendem o único trecho da rodovia em solo mineiro que continua sem asfalto. O percurso seguinte, de 68 quilômetros entre Manga e Montalvânia, já está pavimentado.

 

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Aos 46 anos, Maurício Magalhães, lembra que desde a infância ouve promessas para a pavimentação do trecho entre Itacarambi, São João das Missões e Manga. Nesse período, entre os diversos “anúncios”, a falta de recursos e dificuldades de licenciamento ambiental foram as alegações apresentadas pelo poder público para a não pavimentação do trecho rodoviário de responsabilidade federal.

 

O advogado e empresário salienta que, enquanto a promessa do asfalto não é cumprida, a população sofre com a precariedade da estrada. “O maior problema que vejo com a falta do asfalto está na saúde”, afirma o líder do movimento “BR-135 sem promessa”, referindo-se ao drama enfrentado pelas pessoas que precisam se deslocar em busca de tratamento médico.


Pacientes de casos mais graves em Manga são encaminhados para Brasília de Minas (a 222 quilômetros de distância), tendo que passar pelos 48 quilômetros de terra da BR-135; ou para Montes Claros, a 280 quilômetros, via Janaúba, nesse caso tendo que fazer a demorada travessia de balsa do Rio São Francisco. 


O asfalto: o que diz o Dnit

 

O Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (Dnit) sustenta que as ações para asfaltamento do trecho da BR-135 entre Itacarambi, São João das Missões e Manga aguarda licenciamento ambiental.

 

“Informamos que o segmento Manga/Itacarambi já possui contrato para a elaboração dos projetos e realização das obras. A modalidade de contratação é RDCI – Regime Diferenciado de Contratação Integrada. O Dnit aguarda a emissão da licença ambiental para dar início ao empreendimento. Todo o segmento da BR-135 sob responsabilidade do Dnit está coberto por contratos de manutenção”, informou, em nota.

 

Na ambulância, um sofrimento a mais

 

O obstáculo para a saúde representado pelo trecho de chão da BR-135 no Norte de Minas é enfrentada no cotidiano por Cosme de Souza Santos, motorista de ambulância da Secretaria de Saúde de São João das Missões, que percorre a estrada de terra, constantemente, para levar pacientes para Manga, a 23 quilômetros de distância, e Itacarambi, a 25 quilômetros.

 

“A condição dessa estrada é horrível. Quando não é lama e buraco, é poeira e buraco. Numa situação de emergência, a gente nem tem como aumentar a velocidade para socorrer o paciente, porque a estrada não permite. Está sempre ruim. Só o asfalto mesmo para resolver”, afirma.


O motorista lembra que as precárias condições da estrada de terra acarretam mais angústia e sofrimento para os doentes transportados, além de tomar algo que muitos não têm: tempo. “Com os buracos, são muitos baques durante a viagem”, relata.


Com uma população de 13,02 mil habitantes, dos quais 70% da reserva indígena Xacriabá, São João das Missões tem o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado (0,529) e uma renda per capta anual de R$ 6.428,57. Diante do quadro de pobreza, a ambulância é essencial para socorrer a população, devido à falta de estrutura do serviço de saúde no município. “Costumo pegar a estrada de terra mais de duas vezes por dia para transportar doentes”, informa o motorista Cosme de Souza.


Pó, lama, buracos, prejuízo e morte

 

Outra que padece com a “situação muito crítica” do trecho de terra da BR-135 é a consultora de vendas Érica Silva, moradora de Itacarambi. Ele reclama que a precariedade da estrada também acarreta prejuízos para moradores, danificando veículos. “Recentemente, meu carro teve dos dois amortecedores quebrados por causa da buraqueira”, conta.


Em busca de uma maneira de economizar e prevenir novos danos e prejuízos, ela trocou o carro por uma moto Biz. “De moto, fica mais fácil para passar pela estrada de terra”, relata. “Fica essa situação de promessa, que nunca é cumprida em relação ao asfalto da BR-135”, lamenta a moradora.


Além dos prejuízos e transtornos, a família de Érica sofreu uma perda com as más condições da rodovia, esta irremediável. A consultora de vendas conta que há seis anos um sobrinho dela, César Freitas, de 8, morreu em um acidente no trecho não asfaltado da BR-135, entre Itacarambi e Manga. “O carro em que meu sobrinho viajava capotou e ele quebrou o pescoço”, descreve.


Também morador de Itacarambi, o bombeiro hidráulico Alessandro Santos, de 37, percorre de moto o trecho de terra da BR-135 diariamente, na ida e volta para o trabalho em uma empresa da região. E, se em duas rodas o percurso fica menos difícil, o sofrimento com o pó na seca e a lama na chuva é bem pior.


O representante comercial Ivan Abreu Silva, que mora em Manga, encara o “tormento” do trecho de terra pelo menos duas vezes por semana. “É muito buraco. Isso é uma falta de respeito com os usuários dessa estrada”, protesta. Ele conta que, nas chuvas do início deste ano, a calamidade no trecho se agravou ainda mais. “Teve um dia em que meu carro atolou e passei a noite no meio da estrada.”


O taxista Haroldo Carvalho, também morador de Manga, atravessa o percurso não pavimentado da BR-135 constantemente, e reclama dos prejuízos. “Faz 24 anos que rodo nesta estrada. No período, acabei com 10 carros por causa dos buracos. Infelizmente, é só promessa e ninguém faz nada”. 

 

Produtos chegam e saem mais caros

 

Itacarambi, São João das Missões, Manga e Matias Cardoso – A precariedade da BR-135 no trecho de 48 quilômetros entre Itacarambi, São das Missões e Manga afeta a economia dos municípios atingidos, representando dificuldade de acesso, prejuízos para o comércio e também para os moradores. Dono de uma mercearia em São João das Missões, Oscar Ferreira de Souza, conta que paga mais caro pelo frete por causa da condição ruim da estrada de terra. E é obrigado a repassar o custo mais alto do transporte para o preço dos produtos. Assim, os consumidores também pagam pela falta de estrutura de que são vítimas.


Oscar reclama que perde vendas, pois muitos consumidores da cidade preferem fazer compras em Itacarambi ou Januária, cidades com ligação asfáltica e menor custo de transporte. O comerciante de São João das Missões enfrenta dificuldade até para repor seus estoques. “Muitos fornecedores não entregam as mercadorias aqui, por causa da falta do asfalto”, explica.


O comerciante João Ribeiro Dias, conhecido em São João das Missões pelo apelido de “Dão Rocha”, proprietário de uma loja de móveis, estima que a falta do acesso por asfalto eleva em pelo menos 30% o custo do transporte dos produtos que revende. “Além disso, às vezes os buracos da estrada danificam os móveis transportados”, acrescenta.


Na opinião da consultora de vendas Érica Silva, de Itacarambi, a condição ruim do acesso impede também a geração de postos de trabalhos na região. “Precisamos de melhoria na questão de emprego, mas muitas empresas não olham e não investem na região por causa da situação da BR-135”, lamenta Érica.


O líder do movimento “BR-135 sem promessa”, Maurício Magalhães, afirma que os produtores rurais da região enfrentam o problema inverso: barreira para escoar a produção, em função da falta da estrada pavimentada.


O prefeito de Manga, Anastácio Guedes (PT), afirma que a falta do asfalto na BR-135 prejudica a arrecadação do município. “A não pavimentação da estrada é uma grande perda para o município, pois muita gente deixa de vir para a cidade”, afirma, frisando também o drama vivido pelas pessoas que precisam passar pela estrada de terra em busca de atendimento médico-hospitalar.“ Já aconteceram mais de 30 partos nessa estrada”, descreve Anastácio.


Demora e despesa a mais na balsa

 

Além do asfaltamento do trecho da BR-135, a população de Manga aguarda pela construção da ponte sobre o Rio São Francisco, na ligação com Matias Cardoso, Jaíba e Janaúba (MG-401), igualmente prometida há anos. Enquanto isso, moradores dependem da travessia de balsa que, além demorada, também representa despesas – o valor da travessia para carro pequeno é de R$ 21,30.


“Costumo dizer que em Manga, temos que escolher: ou a gente pega a m. da balsa ou passa pela b. da estrada (BR-135) sem asfalto. Essa é nossa realidade”, argumenta o advogado e empresário Maurício Magalhães, que lidera o movimento “BR-135 sem promessa”.


“A passagem do rio de balsa é um sacrifício para quem mora aqui. Às vezes, a balsa quebra e os moradores precisam esperar três horas ou mais para fazer a travessia do rio”, reclama Joaquim Pereira, morador da cidade. Segundo ele, assim como a pavimentação da BR-135, a construção da ponte sobre o São Francisco é uma obra há muito tempo prometida – e esperada –, mas nunca iniciada.


O prefeito de Manga, Anastácio Guedes, afirma que a ponte sobre o Rio São Francisco é uma obra essencial para o progresso do município, sobretudo por facilitar a ligação com o Projeto de Irrigação do Jaíba, o maior perímetro irrigado da América Latina.


Guedes assegura que há vários anos o projeto de ligação sobre o Rio São Francisco foi elaborado e que, por meio de ação judicial, houve a liberação dos terrenos onde a obra deverá ser feita.


O prefeito declarou ainda que a construção da ponte foi incluída entre os empreendimentos a serem executados com recursos do acordo do governo de Minas com a Vale, pela indenização dos danos causados pelo desastre de Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019. “Agora, a obra está na dependência do Governo de Minas Gerais, que tem que licitar a construção da ponte”, afirma o prefeito.


Na semana passada, quando percorreu 600 de quilômetros de rodovias no Norte de Minas, além de enfrentar os percalços do trecho de terra da BR-135, entre Itacarambi, São João das Missões e Manga, a equipe do Estado de Minas fez a travessia de balsa do Rio São Francisco, esperando uma hora para cruzar o leito e seguir viagem de Manga a Janaúba, passando pela MG-401. 

 

A ponte: o que diz o estado

 

Procurada, a Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra) afirmou por meio de nota que o projeto de engenharia para construção da ponte sobre o Rio São Francisco em Manga foi concluído pelo Departamento Estadual de Edificações e Estradas de Rodagem (DER-MG) em dezembro do ano passado. “No momento, o departamento aguarda disponibilidade orçamentária para prosseguir com o processo licitatório para a execução da obra”, sustenta a pasta.