Um dia depois de receber tornozeleira eletrônica de monitoramento e uma semana após progredir para o regime de prisão semiaberto, um dos maiores traficantes de Minas Gerais condenado a 72 anos foi assassinado a tiros em Patrocínio, no Alto Paranaíba, na noite desta sexta-feira (19/4).
Carlos Alexandre da Silva Juscelino, de 41 anos, conhecido como Nem Sem Terra, chegou a liderar o tráfico de entorpecentes na favela Morro das Pedras e integrou a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), mas teria se convertido, se tornado religioso e se mudado de BH para deixar o mundo do crime. A causa do homicídio ainda é investigada e ninguém foi preso ainda.
A morte de Nem Sem Terra ocorreu no Bairro Santa Terezinha, na casa em que ele morava com a esposa, por volta das 22h. Segundo a Polícia Militar o corpo apresentava seis marcas de ferimentos de disparos de armas de fogo no tórax da vítima. A perícia da Polícia Civil informou ter encontrado quatro projéteis e cinco cápsulas (estojos) de munição calibre 9 milímetros na cena do crime.
A esposa de Nem Sem Terra disse que estava com o marido quando ouviu alguém bater no portão da casa. Ao perguntar quem era, a pessoa disse que era "da polícia". Viram que o indivíduo utilizava fardamento semelhante ao da Polícia Militar. Ao abrir a porta, ela disse que eram dois homens fardados, um deles com um papel na mão declarou que estavam ali para fiscalizar as medidas condicionantes impostas ao marido dela pela Justiça.
Os dois entraram e quando passavam pelo quintal, Nem Sem Terra saiu de dentro de casa. Assim que ele apareceu de frente para os dois, eles sacaram suas pistolas e abriram fogo. Ferido, ele gritou pedindo socorro, enquanto a dupla fugiu. O Samu foi acionado, mas ele já estava morto quando o socorro chegou.
Segundo a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), gravações de câmeras de circuito externo de residências vizinhas foram recolhidas e podem ajudar a identificar os autores do homicídio. Um veículo suspeito, VolksWagen UP parado com os faróis acesos no cruzamento perto da residência onde o crime ocorreu será investigado também, uma vez que um dos seus ocupantes aparentava monitorar o trânsito. Após os disparos o motorista retorna calmamente para o veículo e dá marcha a ré pela contramão da via.
Preso desde janeiro 2005, estaria envolvido em mais de 20 homicídios, atos de tortura e tinha acusações e investigações de assassinato e envolvimento com o tráfico de drogas.
A captura do traficante se deu quando ele, ferido no ombro, procurou ajuda médica no Hospital Municipal de Betim, na área metropolitana. Na ocasião, fontes policiais relataram que o criminoso sofreu o ferimento durante um tiroteio entre grupos rivais disputando o domínio do tráfico de entorpecentes na região da Pedreira Prado Lopes.
O incidente armado ocorreu logo após a detenção de Roni Peixoto, apontado como um dos principais colaboradores do traficante Fernandinho Beira-Mar. Nem Sem Terra foi acusado de restringir o acesso dos residentes da parte alta do Morro das Pedras à parte baixa da comunidade.
Em junho de 2007, Nem Sem Terra foi condenado pela primeira vez no 1º Tribunal do Júri do Fórum Lafayette, na capital mineira, recebendo sentença de 44 anos e sete meses de reclusão em regime fechado, pelo homicídio de um adulto e de uma criança e quatro tentativas de homicídio, ocorridas em 2001.
O crime ocorreu no cruzamento das ruas Alice e Brás, no bairro Santa Rita, Barreiro. Duas vítimas, incluindo uma criança, perderam a vida, enquanto outras quatro ficaram feridas. A suspeita é de que o tiroteio tenha sido motivado pela disputa por território de tráfico de drogas, com o acusado suspeitando da presença de rivais no local.
Segundo relatos de testemunhas, o suspeito, acompanhado por outro indivíduo conhecido como Cinha, teria chegado ao local em uma motocicleta e iniciado os disparos contra as pessoas presentes. Cinha estaria armado com uma pistola automática, enquanto Nem Sem Terra portava uma espingarda calibre 12.
Nem Sem Terra negou a autoria dos disparos. Disse ter sido abordado e agredido por assaltantes ao sair da residência de um parente, sendo alvejado por disparo de arma de fogo na perna durante o assalto, que também resultou no roubo de seus pertences, incluindo seu par de tênis.
Mesmo preso, Nem Sem Terra continuou a comandar o tráfico de drogas de dentro da prisão e a participar da venda de entorpecentes para internos, segundo processos apresentados à Justiça em 2017. Em um deles, uma escuta telefônica (veja abaixo) demonstrou o seu grau de comando do crime organizado em BH.
Escuta entre Nem Sem Terra e um desconhecido sobre o tráfico no Barreiro, em 2017
Desconhecido: deixa eu te dar uma ideia aqui: sabe a rua Fernandes ali, então, ali tem tipo uns menino fazendo um movimento ali, cê tá ligado mano? Mas é o seguinte, eu fiquei sabendo que é o Fabiano, se entendeu?
Nem sem terra : como é que é?
Desconhecido: fiquei sabendo que é pro Fabiano.
Nem sem terra: mas aonde ali?
Desconhecido: na Fernandes perto do Pequeno Cristo, pra cima.
Nem sem terra: ah não pode falar pra eles rachar fora de lá, Zé... Pode falar pra ele tocar fora de lá, que se não for pra nós já era.
Desconhecido: a, então já é. Eu vou passar lá então e vou mandar um recado... Porque o negócio é o seguinte seguinte: depois que o Marquinho, aconteceu aquele desacerto lá você já sabe né?
Nem sem terra: tô ligado.
Desconhecido: fica daquele jeito.
Nem sem terra: não mas no pequeno pequeno Cristo não aí tá demais ué.
Desconhecido: é na rua de cima.
Nem sem terra: não, pode mandar eles rachar fora de lá, ir lá pra cima lá, que se for pro Fabiano está pela ordem, porque ele está mexendo pro bode, tá ligado, mas agora colocar menina ali está errado.
Desconhecido: então ali não né?
Nem sem terra: não
Desconhecido: só lá em cima né?
Nem sem terra: é, lá no Santa Rosa pra lá ué
Desconhecido: ah, então tá certo. Então vou resolver esse trem aqui, depois te ligo.
Nem sem terra: tá tranquilo.