No dia em que lembrados os 235 anos da Inconfidência Mineira, um ato simbólico se fortalece em defesa da Serra da Moeda, cenário de muitos fatos históricos e testemunha de ameaças aos recursos naturais. Ao meio-dia deste domingo (21/04), no alto do maciço, centenas de pessoas participaram do protesto ambientalista Abrace a Serra da Moeda, promovido há 17 anos, sempre no dia 21 de abril, pela organização não governamental Abrace a Serra da Moeda.
Segundo o ambientalista Ênio Araújo, presidente da ong Abrace a Serra da Moeda, entidade sem fins lucrativos, o objetivo do encontro na rampa de voo livre, conhecida como Topo do Mundo, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), é chamar a atenção de autoridades e população para a importância da defesa dos recursos hídricos e nascentes da região, mananciais constantemente ameaçados por mineradoras e empreendimentos. Ele disse que, em 17 anos, houve conquistas como maior conscientização das comunidades e proteção municipal, por Brumadinho, do Monumento Natural Mãe D'água.
A advogada voluntária da ong, Beatriz Vignolo, destacou a reivindicação quanto ao tombamento estadual ou federal do monumento natural: "Apenas a vertente Oeste é protegida, pelo município de Brumadinho. É necessário que a vertente Leste, do lado da rodovia BR-040, também seja tombada, já em Itabirito e Nova Lima. A proteção deve ser total".
FORÇA COLETIVA
A concentração começou às 10h, com moradores de localidades no entorno da Serra da Moeda e apresentação musical. Ênio Araújo explicou que o tema da edição deste ano –“Águas subterrâneas, invisíveis, mas essenciais” – destaca esse recurso essencial à vida das comunidades locais, à flora e à fauna. “Um dos mananciais subterrâneos de água doce mais importantes de Minas e que está localizado na Serra da Moeda, o Cauê, abastece o Rio Paraopeba e o Rio das Velhas, duas grandes bacias responsáveis por suprir toda a RMBH. Várias mineradoras vêm fazendo o rebaixamento desse aquífero".
Conforme o presidente da Abrace a Serra da Moeda, o rebaixamento do aquífero ocorre com sucessivas agressões ao lençol freático das nascentes. “Para extrair o minério, as empresas mineradoras retiram água do solo para secar o terreno. Só que, ao efetuarem o rebaixamento, se o nível do aquífero estiver abaixo da altura de onde se encontram as nascentes, a tendência é que elas sequem, como já aconteceu nas comunidades de Suzano e Campinho, em Brumadinho. Os moradores dessa última, inclusive, recebem, desde 2015, 40 mil litros diários de água, via caminhões-pipa da Coca-Cola, para abastecerem suas casas”.
Com a bandeira e a camisa do movimento, como os demais manifestantes, a moradora Elieti do Carmo, da comunidade de Campinho, disse que as 250 famílias da localidade têm água somente para as necessidades básicas. "Cozinhar, beber e tomar banho", relatou com preocupação, " pois a principal nascente fica pingando". Ao lado, o empresário Gilmar Reis, que mora em BH e passa os finais de semana em Suzano, onde vivem seus parentes, informou que oito nascentes sofreram os impactos da mineração.
No alto da montanha, os manifestantes colocaram várias faixas ligando a Inconfidência Mineira à luta contra a exploração predatória do minério de ferro e a destruição ambiental, a exemplo de "Serra da Moeda - Inconfidência Mineira nos séculos 18 e 21 - Revolta na região das Minas" e "21 de Abril - Nova Inconfidência acontece em Minas, pedindo um basta ao desenvolvimento insustentável da mineração".
Residente desde 1986 no condomínio Retiro do Chalé, o casal José Mário Vilela, engenheiro aposentado, e Rita Vilela, professora universitária aposentada, ressaltou que a batalha pela proteção ambiental é de todos. "Hoje está acontecendo no Campinho, amanhã pode ser em outros locais. Os aquíferos necessitam de atenção especial, pois se encontram debaixo da área que sofre ação predatória da mineração", afirmou Rita.
Já Benedito Francisco dos Santos, do distrito de Piedade do Paraoepa, em Brumadinho, elevou o tom: "Estamos vivendo, em nossa comunidade, sob uma barragem com 2 milhões de metros de lama, o medo é constante, tememos por todos. Temos uma igreja tricentenária que merece respeito e atenção, para não desaparecer", contou Benedito.
PLANO DE MANEJO
Na pauta de reivindicação dos ambientalistas da Abrace a Serra, está também a implantação do plano de manejo do monumento natural da Mãe D’Água, criado em 2012 e considerado de grande relevância ambiental para o município. Conforme Cleverson Vidigal, integrante da ong, o plano vai orientar o melhor uso de toda a área, que compreende dezenas de nascentes. “A implantação do plano de manejo estabelecerá ainda a chamada Zona de Amortecimento (ZA) que, ao contrário do que muitos pensam, não vai impedir ou congelar o desenvolvimento econômico na região, mas servirá para organizar esse crescimento, considerando as potencialidades do local como o turismo e a agricultura familiar.” Vidigal explica que o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema) de Brumadinho é o responsável pela implementação do plano de manejo.
Durante o ato, os ambientalistas chamaram a atenção para que o poder público impeça a reativação da Mina Serrinha. Em documento, os organizadores informaram que ela fica dentro do complexo natural da Serra da Moeda e teve suas atividades de lavra suspensas há mais de 15 anos, Vidigal contou que a Vale, em dezembro de 2018, adquiriu os direitos minerários do complexo e, desde então, vem fazendo uma série de ações, como adequação de estrada e das pilhas de estéril do local, além do descomissionamento da barragem de rejeito. “Atualmente ela está transportando o minério "sinter feed" (produto do minério de ferro) o empreendimento, que ganhou valor econômico com o passar dos anos.”
O geólogo Ronald Fleischer, ong Abrace a Serra da Moeda, disse que o lugar onde a Serrinha se encontra tem “relevância hídrica, espeleológica e ambiental reconhecida por diversos instrumentos de proteção, entre eles o Monumento Natural Municipal da Mãe D’água”. E mais: “Essa mina provocaria o rebaixamento do lençol freático e, consequentemente, o esgotamento da Mãe D’água e de outras nascentes da região. Isso afetaria diretamente 10 mil famílias das comunidades Córrego Ferreira, Palhano, Recanto da Serra, Águas Claras, Jardins e Retiro do Chalé”.
No documento distribuído à imprensa pela ong, há a informação de que “estudos técnicos demonstram que a volta da mineração, na região, traria a degradação da paisagem, instabilidade da encosta da serra, poluição sonora, crescimento urbano desordenado, emissão de poeira e colocaria em risco a sobrevivência de espécies de flora endêmicas e de fauna, atualmente ameaçadas de extinção”.
OPERAÇÕES
Em nota, a Vale informa que se tornou proprietária da Mina Serrinha em 2019, "em razão da aquisição da Ferrous, e não retomou as operações de extração de minério no local". Atualmente, a empresa faz a remoção de pilhas de estéril da mina, "cujo material é enviado, de forma segura e regular, para a mina Capão Xavier, em Nova Lima". A Vale, diz a nota, também desenvolve atividades de manutenção na Mina Serrinha, "visando a segurança das estruturas remanescentes, além da proteção e recuperação ambientaldaárea".