Thallya Beatriz tinha 4 anos -  (crédito: Arquivo pessoal/família)

Thallya Beatriz tinha 4 anos

crédito: Arquivo pessoal/família

Os pais de Thallya Beatriz, de apenas 4 anos, que morreu nesta sexta-feira (26/4) na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, clamam por justiça. Juliana da Silva Pinto e Paulo Satiro contestam a nota publicada pela prefeitura e afirmam que a filha não apresentou, em nenhum momento, sintomas de convulsão ou estado febril.

 

“Minha filha não tinha convulsão, minha filha não tinha febre”, disse Juliana.

 

Na semana passada, a UPA atingiu 300% de ocupação. Na ocasião, havia 21 crianças esperando vagas em hospitais. Juliana chegou a esperar mais de seis horas por atendimento no primeiro dia que esteve na unidade, dois dias antes de a filha morrer.

 

 

Ela levou a criança à UPA, pela primeira vez, na quarta-feira (24/4). A menina reclamava de dores na perna e estava com os olhos inchados. Ainda de acordo com a mãe, Thallya mal conseguia parar em pé.

 

Juliana contou que a menina só foi submetida a examesapós muita insistência dela. “De tanto eu pedir, ela (pediatra) fez o exame na Thallya, fez o exame para ver se era dengue, de urina e tirou raio-x. E diz a médica que não deu nada”, relatou, dizendo ainda que a médica fez a menina pular no consultório para mostrar que ela não tinha nada.

 

Embora a médica - sem especialidade em pediatria - tenha dito que os exames não apresentaram alterações, ela receitou três medicamentos para a criança: desloratadina, dipirona e amoxilina.

 

 

Retorno na UPA

 

Os sintomas da criança continuaram. Assim, a família voltou a procurar a UPA na sexta-feira (26/4). Lá, Thallya passou pela triagem, sendo classificada como “amarela” pelo protocolo de Manchester. Ou seja, indicando uma condição de urgência, podendo aguardar até uma hora pelo atendimento.

 

No entanto, ao sair da sala de triagem, cerca de 15 minutos depois, Thallya entrou em parada cardiorrespiratória, conforme relatado pela mãe.

 

“Quando eu saí da sala (de triagem), minha filha começou a entrar em parada cardíaca, foi quando eu corri com ela lá para dentro e eles queriam que eu voltasse para sala de triagem”, contou.

 

 

“Eles levaram minha menina lá para dentro e toda hora saiam falando: ela comeu alguma coisa, tomou algum remédio? Foi quando falei: não vem pôr a culpa em mim não, já é o segundo dia que venho aqui e vocês falaram que ela não tinha nada e saio daqui com ela morta”.

 

O pai de Thallya relatou que solicitou o laudo da triagem, mas a UPA negou. “Ànoite eu fui lá buscar o laudo. O rapaz falou que só entregaria mediante a justiça e eu precisava saber do que minha filha morreu, descaso total essa UPA”, lamentou.

 

No atestado de óbito, a causa morte aparece como “convulsiva e febril”. Os pais afirmam que irão buscar respostas. “Vou procurar um advogado e vou entrar na justiça, sei que nada vai trazer minha filha de volta, mas para ver se evita de acontecer o mesmo com outras crianças”, enfatiza Paulo Satiro.

 

 

Sem especialidade

 

A médica que atendeu Thallya na quarta (24/4) não possui especialidade em pediatria registrada no Conselho Regional de Medicina (CRM). O Conselho Municipal de Saúde (CMS) pediu, na sexta-feira (26/4), informações à diretora técnica da UPA, Ludmila Pizzigatti sobre as escalas de plantões e CRM's dos profissionais.

 

No sábado, outros dois médicos sem especialidade na área, conforme levantado pela reportagem, estavam atendendo na pediatria. O contrato entre o Instituto Brasileiro de Políticas Públicas (Ibrapp) e o município, conforme o Conselho de Saúde, prevê especialistas no "atendimento de porta".

 

“Essa notícia para nós é um escárnio. Inadmissível nós termos um contrato que exige especialistas no atendimento de porta e o Ibrapp, que já vem atrasando salários, criar essa situação sabendo da vulnerabilidade das crianças que chegam até a unidade”, afirmou o presidente do CMS, Guilherme Lacerda.

 

 

Ele ainda diz não julgar o trabalho dos médicos. “Mas sabemos que além do contrato exigir o especialista, isso gera um risco em algum erro de conduta ao público infantil que especificamente exige cuidados mais complexos. A diretora técnica tem que se explicar e também faremos denúncia no Ministério Público e na Comissão de Saúde da câmara para as devidas investigações”, informou.

 

A reportagem entrou em contato com assessoria da prefeitura sobre as alegações dos pais, porém não obteve retorno até a liberação desta matéria. Também fizemos contato com o Ibrapp sobre a falta de especialistas na UPA, mas também não houve retorno.

 

Desocupação da UPA

 

Após a morte da menina, crianças começaram a ser transferidas da UPA. No sábado (27/4) havia 16, sendo 12 de Divinópolis e quatro de cidades da região. A primeira transferência, a partir de determinação do governo do Estado, ocorreu a noite.

 

Inicialmente, duas crianças foram levadas para Araguari, no Triângulo Mineiro, e uma para o João XXIII, em Belo Horizonte, por falta de vagas na macrorregião Oeste. Ao longo do domingo (28/4), outras transferências ocorreram.

 

 

Rede privada

 

No sábado (27/4), em reunião de urgência na prefeitura de Divinópolis, a Secretária Municipal de Saúde Sheila Salvino disse que o município tentou, ainda na semana passada, comprar leitos em hospitais privados. Contudo, não conseguiu por falta de disponibilidade e alta demanda também na saúde suplementar.

 

O secretário de Estado de Saúde Fábio Baccheretti em ligação com o senador Cleitinho (Republicanos), na mesma reunião, disse que há previsão de ampliação de leitos para a macrorregião e que, a partir desta segunda-feira (29/4), tentariam agilizar.

 

 

Em Bom Despacho devem ser implantados 10 leitos pediátricos. Um convênio com o Ministério da Saúde também possibilitará a ampliação de vagas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Complexo de Saúde São João de Deus (CSSJD).

 

Plano

 

O CSSJD – referência da macrorregião Oeste - apresentou uma iniciativa para enfrentar a alta demanda de atendimento na UPA.

 

O hospital já submeteu a proposta à Secretaria Municipal de Saúde e aguarda resposta. O Complexo propôs disponibilizar 12 leitos de enfermaria e dois leitos de UTI, todos, atualmente, destinados à saúde suplementar adultos para a pediatria de pacientes do SUS.

 

 

Outra morte investigada

 

Essa é a segunda morte que repercute em menos de uma semana após o paciente ser atendido e liberado para retornar para casa. A influenciadora digital Tatielle Scarlat morreu no domingo (21/4). O caso é investigado por uma sindicância.

 

*Amanda Quintiliano e Fabrício Salvino