O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) apresentou à Justiça, na última segunda-feira (1º), a denúncia contra o bombeiro militar reformado Naire Assis Ribeiro, acusado de assassinar o policial penal Wallysson Alves dos Santos Guedes em 26 de fevereiro deste ano, no Bairro Santa Tereza, região Leste de Belo Horizonte.
Ele foi indiciado pelos crimes de homicídio triplamente qualificado, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, por motivo torpe e risco ao perigo comum, e pelo crime de preconceito racial. Naire está preso desde o dia do crime.
O Estado de Minas teve acesso ao inquérito e ao documento da denúncia que foi encaminhado ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Nele, há a transcrição de uma ligação feita por Naire para o número 190, onde pediu apoio policial, já que Wallysson estaria se apresentando como militar. A vítima estava armada no bar em que aconteceu o crime, e o suspeito duvidava de sua profissão.
Na ligação, a atendente questiona o suspeito sobre a acusação, que desconversa sobre a situação. “Ele é haitiano (...) negro. Ele está se identificando como militar, que ele não é, está entendendo?”, disse Naire para a atendente.
Segundo apurou o MP, a fala do suspeito durante a ligação prova que o crime foi cometido por discriminação racial. “O motivo do crime foi torpe, visto que o denunciado, movido pela sua intolerância racial, ceifou a vida da vítima, pessoa negra, porque ficou inconformado com o fato dela ter se identificado como policial”, consta no documento enviado à Justiça.
“Em seguida, já fora do bar, ainda inconformado por ter a vítima se identificado como policial, o denunciado acionou a Polícia Militar, via 190, às 2h02, às 2h19 e às 2h28, solicitando que fosse até o bar, porque um 'negro', um 'haitiano', lá se encontrava identificando-se como policial”, completa a denúncia.
O documento chegou às mãos da família de Wallysson na manhã desta quarta-feira (3/4). Raphael Lucca, primo do policial penal, disse que não sabia da ligação para o 190 e que com o áudio ficou claro que o crime foi motivado por racismo.
“A gente sabia do contexto da confusão, que era um motivo idiota. Mas não sabíamos que ele tinha ligado para polícia. É uma palhaçada, para não dizer outra coisa. O cara, antes de executar friamente Wallysson, ligou para a polícia duvidando que ele era policial penal somente pelo fato de que ele era preto. O cara achou que ele era haitiano e, por isso, achou justo descarregar cinco tiros em sua vida. Chocante, terrível, destruidor, mas a mais pura e cruel verdade”, contou.
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O advogado da família não se surpreendeu com a denúncia. Para Rodrigo Nunes, desde a ligação feita por Naire ao 190, estava claro que o suspeito estava praticando racismo. “É muito claro que ele foi mais uma vítima fatal do preconceito. É muito triste que isso tenha sido praticado por uma pessoa que, a vida inteira, destina seu trabalho a defender a vida. Deveriam ter mandado uma viatura para prendê-lo por racismo, isso sim. Não somente para atender ao subtenente que, ao tempo, todo, ele se vangloria e tenta se impor por sua patente”, explicou para a reportagem.
“Existe uma prevalência de sua condição, por se achar mais importante que qualquer outro contribuinte. Misturando sua arrogância e preconceito com uma arma de fogo, não tinha como dar certo”, completou o advogado.
A reportagem procurou a defesa de Naire, mas não obteve retorno. O Ministério Público e a Polícia Civil também foram questionados.
Relembre o caso
Conforme o boletim de ocorrência, na madrugada do dia 26 de fevereiro a vítima estava bebendo com o filho em um bar no Bairro Santa Tereza, na Região Leste de Belo Horizonte. Ao avistar o policial, o subtenente questionou o motivo dele estar armado. Os dois discutiram no local e o bombeiro foi em casa buscar um revólver. Quando voltou, o bombeiro disparou contra o agente.
A situação foi presenciada pelo dono do estabelecimento. Depois do crime, o atirador fugiu em uma moto, mas foi localizado e preso. A arma usada no crime foi apreendida. O policial penal chegou a ser socorrido para o Hospital João XXIII, mas morreu durante uma cirurgia.