Se nos arredores da Grande BH e áreas próximas a grandes centros industrializados de Minas Gerais muitas rodovias importantes ainda são de terra, como mostrou em sua edição de ontem do Estado de Minas, no interior e próximo às divisas com estados vizinhos, a situação é ainda mais precária. Nessas regiões, várias estradas têm promessas antigas de pavimentação, algumas delas da década de 1980, incluindo trechos de ligações federais, como a BR-367 (Jacinto a Salto da Divisa), além de vias estaduais, a exemplo das MGs 211 e 214, todas no Vale do Jequitinhonha.

 

Saindo de Itamarandiba, a MG-214 deixa de ter piso asfaltado apenas 1.500 metros depois da área urbana, onde os motoristas ingressam em via de chão vermelho e trincado, mergulhando nas florestas de plantações de eucalipto.



Nas laterais da via, que deveriam funcionar como drenagens, o pó fino carreado pelas chuvas se acumula em barro pastoso onde facilmente um veículo pode atolar. No centro da pista, buracos se abrem em sequência, deixando pouca escapatória para os motoristas. As poucas placas de sinalização instaladas alertam para o tráfego de veículos longos e pesados, a maioria de transporte de madeira.

 

Bastam 10 quilômetros na via de leito natural para que os primeiros atoleiros se apossem da pista, ocupando áreas onde aparecem marcas de pneus de veículos pesados de transportes de cargas. Isso ocorre sobretudo nas baixadas, onde a água se acumula, e em terreno mais instável, nos cruzamentos com áreas de manejo de eucalipto.


Alívio de apenas três quilômetros

Quando o terreno plano em meio à monocultura de eucalipto acaba, inicia-se um segmento de pistas estreitas e a subida da serra, com curvas fechadas. São 33 quilômetros já no município de Capelinha.

 

À frente, um alívio, por ao menos três quilômetros de pista pavimentada, que volta a desaparecer, dando novamente lugar à estrada apertada de terra vermelha. Quem se pergunta por que apenas um trecho tão curto recebeu o almejado asfalto, enxerga a resposta em uma placa crivada de buracos de tiros, no fim do segmento: “Pista asfaltada para correção de dano ambiental”.

 

São, a partir daí, mais 13 quilômetros de estrada de chão até o asfalto da MG-308, em Capelinha, em local marcado por um ponto de ônibus de concreto solitário, com o banco quebrado ao meio, apoiado por um pedregulho colocado debaixo do assento.

 

Considerando o trecho, não é difícil entender por que, na Borracharia São Cristóvão, que fica no Anel Rodoviário de Itamarandiba, na saída para a MG-214, as histórias de prejuízos e acidentes se multiplicam. “Vou muito à casa da minha avó e passo todos os finais de semana com ela, mas para isso preciso passar pela rodovia. Quando chove a gente atola, o que tem de gente procurando ajuda para desatolar carro e caminhão, é só Deus”, relata Maria das Graças Mendes, de 19 anos, que trabalha no local.

 

“Quando seca, os buracos aparecem e o trabalho na borracharia aumenta. Pneu furado é quase sempre, mas os carros batendo nessa pista ruim vão bambeando as peças e com isso perdem partes e até enguiçam. Uma vez, eu mesma furei o pneu da moto e tive de empurrar até onde conseguisse sinal de celular para alguém me acudir”, acrescenta.

 

A filha do proprietário da borracharia, Cesa Souza, de 21 anos, lembra de um grave acidente com carreta de transporte de eucaliptos. “Por causa de um buraco, o caminhão perdeu o controle e saiu da estrada, descendo pela ribanceira. O motorista saiu machucado e precisou ser atendido. Custaram a tirar a carreta do fundo do barranco”, recorda.

 

A poucos metros da borracharia que coleciona relatos de problemas, começa novo drama no rumo a Setubinha e Novo Cruzeiro, pela MG-211, praticamente nas mesmas condições, contudo em segmento mais longo. São 46 quilômetros em pistas de pó na seca e lama escorregadia quando chove, pontos de atoleiros e buracos enquanto se mergulha em mais florestas de eucaliptos, passando por pontes sobre os quase secos Rio Fanado e Córrego Santa Rita, até Setubinha, onde o asfaltamento reaparece.


BR-367: caótica no asfalto, pior depois

Uma importante rodovia federal na região também sofre com descaso e promessas desde a década de 1980. A BR-367, passando por Araçuaí, Itinga, Itaobim, Jequitinhonha e Almenara, chegando a Jacinto, obriga motoristas a enfrentarem um asfalto completamente esburacado, com trechos onde o leito da via se expõe em grandes porções, obrigando os condutores a zigue-zagues para escapar das armadilhas, entrando na contramão por longos trechos.

 

Quem resiste até Jacinto, conhece o trecho ainda mais precário da rodovia federal: uma estrada de terra que segue as curvas do Rio Jequitinhonha por mais 62 quilômetros, até Salto da Divisa. Já no início, a própria sinalização adverte: “Atenção: tráfego de carretas, trecho sinuoso com pista estreita”. Do outro lado da pista, outro alerta: “Atenção: estrada de cascalho. Alto índice de acidentes”.


“O Jequitinhonha tem lutado sozinho”

A situação dessas rodovias, normalmente motivo de promessas de políticos em época de campanha, com frequência é lembrada em audiências públicas por representantes dos setores produtivos afetados e lideranças das comunidades relegadas a acessos precários, ainda sem um efeito conclusivo.

 

A última grande audiência sobre a situação das rodovias MG-211 e MG-214 ocorreu na Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em 14 de julho de 2021. Desde então, nenhuma grande mudança ocorreu. Na oportunidade, os mesmos problemas foram expostos, em busca de conscientização dos deputados e do governo estadual.

 

“A MG-214 é a principal ligação entre o Alto Jequitinhonha e o Vale do Mucuri. A rodovia liga as três principais cidades da região – Capelinha, Itamarandiba e Diamantina – mas é praticamente intransitável por mais de seis meses do ano”, destaca o prefeito de Itamarandiba e presidente do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Alto Jequitinhonha, Luis Fernando Alves (Avante).

 

“O Vale do Jequitinhonha tem andado sozinho. Tem lutado sozinho. Estamos pedindo algo que é direito do nosso povo, e esperamos que se torne realidade”, disse o prefeito de Capelinha, Tadeu Filipe Fernandes de Abreu, o Tadeuzinho (PSC), cobrando asfaltamento das rodovias MG-214, MG-211 e da BR-367.

 

O Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DER-MG) informou que a MG-211, entre Setubinha e o entroncamento da MG-308, está com projetos de pavimentação concluídos. A MG-214, trecho Capelinha a Itamarandiba, e a LMG-678, segmento do entroncamento da LMG-676 a Novo Cruzeiro, está com o projeto de pavimentação em andamento. Na MG-214, entre Itamarandiba e Senador Modestino Gonçalves, está prevista a realização do projeto de engenharia para a pavimentação, segundo o departamento.

 

Já o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), informou que nos 15,3 quilômetros de extensão da BR-367, a partir do km 46 até o km 61,6, a pavimentação está em andamento. “O Exército segue executando a pavimentação da pista. A previsão para conclusão é 2025. O remanescente das obras, do Km 00 ao km 46, será contratado no segundo semestre de 2024”, informou.

 

Para o trecho total de 61,6 quilômetros entre Salto da Divisa e Jacinto, o Dnit informa ter contrato para manutenção específico para rodovias em leito natural, desde o ano passado. “No trecho, do Km 00 ao km 46, a empresa contratada faz a recomposição do revestimento, aplicando cascalho, compactado e dando umidade, sempre que necessário”, acrescentou o departamento.


Falhas e prejuízos nas estradas de terra

Os prejuízos e perigos que as estradas de terra trazem para veículos, ocupantes dos carros e a economia são alvo de vários estudos científicos, como o que foi apresentado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), intitulado “Estradas vicinais – Abordagem pedológica, geotécnica, geométrica e de serventia”.

 

De acordo com o trabalho, “os defeitos encontrados nas estradas não pavimentadas surgem devido a uma combinação de fatores, sendo alguns deles extrínsecos à via, como tráfego, chuva e atividades de manutenção inadequadas e outros intrínsecos, como geometria imprópria (projeto em planta, em perfil longitudinal e seção transversal), drenagem ineficiente, tipos de solos e outros”.

 

Um impacto que interfere na segurança de quem circula e na saúde é a geração de poeira, que por vezes encobre tudo no caminho da via após a passagem de veículos. “A concentração de material fino desprendido sobre o leito da estrada ocorre devido à ação abrasiva do tráfego, principalmente em períodos de seca. Causa a diminuição da visibilidade dos motoristas, elevando os riscos de acidentes; danos às culturas agrícolas de propriedades vizinhas; problemas de saúde às pessoas, sendo causa de muitas alergias e outras enfermidades do gênero; e prejuízos às partes móveis dos motores dos veículos reduzindo sua vida útil, devido às partículas abrasivas em suspensão no ar”, diz o estudo.

 

Presentes também nas vias asfaltadas, os buracos têm particularidades diferentes nas vias de terra. “A formação de buracos é proveniente da expulsão contínua de partículas sólidas do leito quando da passagem de veículos sobre um local onde há empoçamento de água. Podem ser causados por vários fatores, como a geometria sem seção transversal que permita que a chuva escoe para os bordos da pista”, aponta o estudo, ao se referir a estradas feitas de modo que causa empoçamento de água, sem escoamento para a drenagem lateral.

 

A situação em Minas Gerais é um retrato do que ocorre no Brasil, de acordo com documento assinado no Congresso Brasileiro de Engenharia Agrícola de 2020. “A maior parte das estradas rurais precisa de manutenção. As únicas práticas realizadas são através da utilização de máquinas motoniveladoras (patrolamento). Seria necessário também intervenções como a construção ou restauração da drenagem”, indicou a publicação.

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