Amantes da culinária e gastronomia amanheceram em luto pela morte do chef Kiki Ferrari, aos 41 anos. Proprietário do restaurante A Forja e criador da marca de temperos Chef n' Boss, ele foi internado na segunda-feira (22/4), para um procedimento de remoção de uma trombose no intestino. Ele passou por duas cirurgias, mas morreu. O velório de Kiki Ferrari será realizado nesta quinta-feira (25/4), no Cemitério Parque da Colina, no Bairro Nova Cintra, Região Oeste de Belo Horizonte, das 12h30 às 14h30.

 


Kiki Ferrari era especialista no preparo de carnes braseadas e churrasco. Sua marca, Chef n’ Boss lembrou que a morte dele ocorreu no dia em que o churrasco é celebrado. “Tem coisas que não dá para entender... justo no dia do churrasco Kiki se despediu de nós. A única certeza que temos é que a Valhala será agraciada com o melhor churrasco já conhecido, cortesia do nosso estimado Chef Kiki Ferrari. Seu legado será eternamente honrado na mesa dos deuses, onde seu talento culinário continuará a brilhar como uma estrela guia para todos os amantes da gastronomia”, escreveu o perfil.

 



 


Considerado um “Viking moderno”, Kiki era apaixonado pela Idade Média e se declarava como um bárbaro principalmente pela ousadia, irreverência e rusticidade. “Sempre me senti um pouco bárbaro. De certa forma, estou fora do 'império', da cultura que impera, dos padrões”, disse em uma entrevista ao Estado de Minas. Ele chegou a contar em uma publicação nas redes sociais que já foi chamado de “incivilizado”, mas que tinha o orgulho de saber que ele era, na verdade, uma pessoa com espírito livre.

 

 

Desde criança, ele gostava de estudar mitologia e história. Ao longo da vida, se dedicou a conhecer os hábitos e a gastronomia medieval. “A Idade Média é um período de efervescência cultural e gastronômica, com muitas descobertas. Encontramos na gastronomia medieval a raiz de inúmeros pratos e bebidas que consumimos até hoje”, apontou o chef.

 

 

Por isso, em dezembro de 2022, ele se juntou ao chef Igor Escobar para criar o restaurante A Forja, estabelecimento que reproduz hábitos medievais. Assim como Kiki, o restaurante reverencia os povos bárbaros, ignorando o sentido negativo implementado durante o Império Romano. “Trazemos uma síntese da cozinha medieval do mundo inteiro, que é rústica e bem condimentada. O uso de ervas e especiarias, além das curas e defumados, era uma forma de conservar os alimentos”, explicou ao Estado de Minas.

 

 

Kiki Ferrari também foi proprietário do pub escandinavo Svärten Mugg. O local funcionou por três anos e tinha forte influência viking. O chef também foi o responsável pelo cardápio do Bodegón Buenos Aires, na Região da Pampulha, de raiz argentina. Ele também passou por estabelecimentos como Mambo Drinkeria, El Toro Tapas, Ofélia e Bar Laicos.

 

Paixão por tatuagens

 

Apaixonado por tatuagens, o chef tinha pelo menos 33 tattoos. Para ele, os desenhos na pele não eram somente estética, mas também parte de sua história. “Enquanto sobrar espaço, sentido, orgulho, aprendizado, coragem e transformação na minha vida, eu farei até a morte”, declarou ao Estado de Minas em fevereiro de 2024.

 

 

Para Kiki, a tatuagem era uma expressão subcultural dos movimentos artísticos e sociais do underground urbano, “além de ser uma forma de elevar meu corpo ao nível simbólico no intuito de ressignificá-lo, onde ele deixa de representar uma engrenagem social para ser símbolo de autopertencimento.”

 

 

O chef contou, ainda, que suas tatuagens expressam marcos, referências, experiências e relações pessoais significativas de fases da sua vida. “Por meio da tatuagem, reverencio e reconheço em mim aspectos, arquétipos e atributos espirituais, psicológicos e culturais da realidade e do potencial humano. Do contrário, só seria uma reafirmação da submissão e achatamento do potencial e progresso humano à insegurança do consenso disfarçada de liberdade, por meio da ilusória tendência da moda. Isso seria um desperdício do potencial que a tatuagem tem. Seria tatuar em vão. Mas essa é uma visão pessoal, já que busco significar tudo a nível religioso, ritualístico e tribal”, comentou.

 

 

Suas tatuagens misturavam vários traços, como o old school, neo tradicional e etnoculturais. “Acho que essas características são análogas ao meu estilo culinário e empreendimentos gastronômicos, que tendem a ser rústicos ou disruptivos”, comparou.

 

 

Um dos desenhos que mais chamava atenção ficava no rosto, acima no dorso do nariz. Inspirada nos Tamga ou Tamgha, é um selo usado pelos nômades da Eurásia, conhecidos como povos bárbaros. Em seu perfil, ele brincou que era uma “desarmonização facial”. Mas ele contou que tinha um significado forte por trás, representando “a força e a coragem que movimentam a efervescência cultural humana e as qualidades que me permitiram ter competência nos meus empreendimentos gastronômicos, rompendo as fronteiras como um bárbaro e como essa tatuagem que invade, afeta e chama o olhar do outro.”

 

 

Kiki também estampou na pele sua relação com a gastronomia. “Ela representa o reconhecimento de que essa profissão se trata de sacrifício do ego, representado pelo crânio, e que nós, cozinheiros, somos parte do menu, devorados e consumidos pelo garfo e pela faca, por uma profissão de doação, entrega e sacrifício massacrantes e, indiscutivelmente injusta, onde somos obrigados a negligenciar a vida social íntima e nossa saúde mental, emocional e física para afetar o outro no lugar e no momento onde somos mais bichos, humanos e frágeis, buscando por meio dos comes e bebes acessar e preencher com reconforto e afeto nossa profundidade, diante do abismo raso e frio do nosso tempo”, analisou.

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