Quem hoje vê a alegria da cachorrinha Safira nem imagina a crueldade que ela vivenciou antes de chegar à atual cuidadora. Vítima de maus-tratos, a cadelinha precisou passar por duas cirurgias e perdeu uma das orelhas. O caso de Safira é um entre diversas denúncias crescentes de maus-tratos a animais em Minas Gerais. Só no primeiro bimestre deste ano, o número teve um salto de 37,1%, em comparação ao mesmo período de 2023, conforme apontam dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).

 

Safira foi resgatada em novembro do ano passado na casa de sua antiga tutora no Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, e conheceu o amor por meio da relação com a protetora Cynthia Isloany, que acolhe animais como Safira em lar temporário até a recuperação dos traumas. A cadela tinha um ferimento na orelha cheio de bicheiras e estava desnutrida e com problemas de pele. "Ela tinha um medo, um receio, de chegar perto de pessoas. A gente até achou que ela não ia sobreviver, porque depois de todo esse quadro de maus-tratos ainda tinha a questão da saúde. Descobrimos que ela tinha dois tumores, passou por vários exames e perdeu a orelha", conta.

 

Agora, seis meses depois do resgate e de passar por duas cirurgias, a cachorrinha esbanja alegria. "Ela está superbem, feliz e pronta para a adoção", diz. O caso de Safira se soma às 3.762 ocorrências de maus-tratos registradas em Minas Gerais no ano passado. As ocorrências tiveram um salto de 24,7% no primeiro bimestre deste ano, em relação a 2023. Isso significa que, por dia, quase 12 animais foram maltratados no estado só neste ano.

 

Por outro lado, as denúncias de maus-tratos tiveram um salto de 37,1% comparando janeiro e fevereiro de 2024 ao mesmo período do ano anterior. "Isso é um reflexo do endurecimento da lei. Aquelas situações que, antes, passavam despercebidas, hoje estão mais escancaradas e as pessoas vão percebendo que vale a pena denunciar", avalia o delegado do Departamento de Meio Ambiente (DEMA), Pedro de Oliveira.

 

Aprovada em 2020, a Lei 14.064/2020 - apelidada de Lei Sansão, em homenagem ao pitbull que foi torturado e teve as patas traseiras decepadas - prevê de dois a cinco anos de prisão, multa e proibição de guarda para quem maltratar, ferir, abusar ou mutilar cães e gatos. Antes, por ser considerado um crime de menor potencial ofensivo, a pena era de até um ano.

 



 

Quando as pessoas identificam situações de maus-tratos, também é comum que procurem protetores como Cynthia. No entanto, ela aponta um dilema: a dificuldade para lidar com a grande quantidade de demandas que surgem diariamente. "Muitos animais presos dentro de casa, amarrados na corrente, com fome, sem água. Hoje a gente tem mais suporte. Digo que os animais têm mais voz. Nós nos esforçamos além de nossas capacidades para protegê-los. Os animais, que eu acolho, estão em estado extremo. E isso tudo é muito caro", afirma ela, que divide o tempo de dedicação à proteção animal como trabalho de correspondente bancária. Ao todo, além de Safira, ela cuida de 87 animais, entre cães e gatos.

 

 

Conscientização em BH

 

Em alusão ao mês da prevenção contra a crueldade animal, uma ação de conscientização sobre o crime de maus-tratos foi realizada nesta sexta-feira (26/4) na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. A iniciativa contou com a participação da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG) e Guarda Civil Municipal de BH. "Esse é um papel muito importante da Polícia Civil que não é só a repressão. Temos um objetivo muito claro nessa ação de conscientizar, distribuir material e explicar para as pessoas o papel de cada um na relação com os animais", destacou o delegado do Departamento de Meio Ambiente (DEMA) em conversa com o Estado de Minas.

 

O alerta à população, segundo o delegado do Dema, é também para a adoção responsável. "A gente precisa ser um tutor ou querer ser um tutor consciente. Ter condições financeiras, espaço suficiente para adequar aquela aquela raça, tudo isso tem que ser considerado antes de uma adoção", afirma Pedro de Oliveira.

 

Cerca de 100 pessoas estiveram presentes na ação na Praça da Liberdade, que abordou crianças e pessoas que já passeavam pelo local com seus animais de estimação. Uma das tutoras abordadas foi a advogada Renata Tavares, dona da cachorra Jade, uma lulu-da-pomerânia de nove meses. Moradora de Lavras, no Sul de Minas, ela estava de passagem em BH e avaliou a ação positivamente, ao lembrar o resgate que um primo fez de cães em situação de maus-tratos. Eustáquio, um buldogue francês de 4 anos, chegou à casa de Gustavo muito machucado e com medo do contato humano, mas depois de um tempo confiou nos tutores e hoje faz a alegria da família. "Essas ações são importantes para tocar o coração das pessoas, principalmente para quem é indiferente aos animais", avalia.

 

Para denunciar casos de maus-tratos contra animais, os cidadãos devem acionar a Polícia Militar ligando para 181 (Disque Denúncia Unificado). A advogada Maíra Garcia Dias reforça a necessidade de registrar provas dos maus-tratos e denunciar o crime às autoridades. "Ao presenciar, tomar conhecimento desses maus-tratos, o cidadão, além de filmar, fotografar, enfim, produzir prova material, testemunhal, deve registrar boletim de ocorrência", afirma.

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