Quilombola Natanael de Paula durante voto de congratulação da ALMG, 
após tirar 960 na redação do Enem e fazer história -  (crédito: Rafael Bessa/Divulgação)

Quilombola Natanael de Paula durante voto de congratulação da ALMG, após tirar 960 na redação do Enem e fazer história

crédito: Rafael Bessa/Divulgação

A palavra “persistência” vem do latim “persistere”, que significa “continuar com firmeza”, é aquele que não desiste fácil. Para Natanael de Paula, essa é a palavra que melhor o define. Persistência que vem do berço, ou melhor, do quilombo. “Faz parte da minha identidade, da minha cultura. Cresci com os ideais de lá, aprendi a buscar o que eu queria, isso me ajudou bastante”, contou.

 

O jovem quilombola, aos 18 anos, com sorriso tímido e olhos curiosos, integra o grupo seleto de estudantes que conquistaram 960 pontos na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Por esta razão e o 'conjunto da obra', que envolve livros usados e ausência de tecnologia para estudos, ele recebeu um voto de congratulação foi da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que representa uma manifestação da sociedade em reconhecimento pela excelência da jornada desenvolvida por um cidadão, instituição pública ou empresa privada.

 

Sua rotina durante o ensino médio era corrida. Às 6h já estava de pé para pegar o ônibus que o levaria até a escola mais próxima, cerca de 15km do Quilombo de Moreira, em Rio Espera, na Zona da Mata mineira. Até às 11h30, se dedicava em aprender tudo o que podia na Escola Estadual Monsenhor Francisco Miguel Fernandes.

 

Depois do turno escolar, as mãos que se debruçaram sobre os cadernos se tornavam mais um braço para a agricultura familiar, dedicados ao trabalho de plantio e colheita de milho, arroz e feijão para a subsistência da comunidade que abriga 30 famílias, cerca de 120 pessoas. Com acesso inviabilizado à Internet e sem um computador, era para os livros que recebia como doações que ele retornava à noite. A tela pequena do celular, quando o sinal funcionava, era uma janela de sonhos e oportunidades que o ajudavam a direcionar os estudos.

 

O caminho de Natanael é o mesmo de muitos jovens quilombolas e assentados que desejam romper os horizontes da própria realidade. O destino final pouco importa para ele, inspirado pela mãe. Seu maior sonho é ajudar a família e ter uma carreira bem consolidada, seja ela na engenharia elétrica, direito, administração ou engenharia de produção, por exemplo. O jovem não sabe ao certo quando o interesse pelos estudos começou, mas responde, sem sombra de dúvidas, que foi “desde sempre”. “Meus pais me incentivaram muito”, contou orgulhoso.

Natanael é o quarto dos cinco filhos esforçados e sonhadores da dona Maria Marta e do senhor José André de Paula. O irmão mais velho, de 22 anos, está próximo de concluir a graduação à distância em educação física pela Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). A irmã, de 19, saiu de casa para cursar Direito em Rio Pomba, onde trabalha e não recebe nenhuma ajuda financeira da família. Já o irmão de 19 anos realizado o curso técnico em eletrônica na cidade de Conselheiro Lafaiete, na Região do Alto Paraopeba. O caçula da família, de 16 anos, sonha em ser fisioterapeuta, mas ainda não tem certeza.

 

Sem pressa para decidir entre as possibilidades, ele não quer ficar parado. Há pouco mais de um mês se mudou para Conselheiro Lafaiete para trabalhar como auxiliar de limpeza na Companhia Brasileira de Serviços de Infraestrutura e cursa técnico em segurança do trabalho. Natanael recebeu um voto de congratulação, por iniciativa da deputada estadual Macaé Evaristo (PT), e se tornou um rosto inspirador para a juventude quilombola mineira, marcando o início do começo feliz de uma história escrita por muitas mãos.


Quilombos do Brasil

Cerca de 5 milhões de pessoas entraram no Brasil e foram escravizadas, ao longo de mais de 300 anos do regime monárquico, que só terminou em 1889. Os cativos (nantidos em cativeiro) fugiam e formavam comunidades em busca de liberdade, entre outros motivos. Os quilombos atuais são formados, em grande medida, pelos descendentes de cativos e ex-escravizados.

 

Atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o país tem 1,3 milhão de quilombolas. O levantamento mostrou que 68,2% dessa população vive no Nordeste, o que equivale a 905,4 mil pessoas. Bahia e Maranhão têm mais da metade dos quilombos.

 

A Lei 14.723/23, sancionada em novembro do ano passado, atualiza a legislação de Cotas no ensino federal (superior e técnico), que prevê a reserva de vagas para estudantes egressos de escolas públicas e outros. Entre as alterações que o novo marco legal prevê estão a mudança do mecanismo de ingresso dos cotistas no ensino superior federal, a redução da renda familiar para reservas de vagas e a inclusão de estudantes quilombolas como beneficiários das cotas. 

 

*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Oliveira