No século passado, os jornais eram a principal ferramenta dos cidadãos para denúncias ou autopromoção. Um pouco das duas coisas aconteceu em 22 de setembro de 1936, quando surgiu na redação do Estado de Minas, em BH, o ladrão José de Paula, o “Rei das Fugas”.
A história ocorrida há 87 anos é o tema desta edição do Arquivo EM. Todo domingo, o Estado de Minas recupera casos que figuraram nas capas do jornal durante o século passado. As pesquisas têm como base o acervo de 96 anos de páginas impressas da Gerência de Documentação (Gedoc), em Belo Horizonte.
“Quando mais intensos iam os trabalhos ontem, na redação, tivemos a atenção despertada para um recém-chegado, pessoa bastante conhecida da nossa reportagem”, inicia assim o texto do EM daquele dia. José de Paula era o principal ladrão da cidade, tendo ganhado “considerável fortuna” com os crimes. Estava ali o homem também chamado de “ladrão milionário”, que saía de moto toda vez que consumia um roubo, “desaparecendo com os derradeiros ruídos da máquina”.
Mas, dessa vez, o “Rei das Fugas”, não estava foragido. Pelo contrário, tinha sido colocado em liberdade da prisão de Dores do Indaiá, no Centro-Oeste de Minas, havia três dias, por um alvará de soltura, fruto dos esforços do advogado Amynthas de Barros – futuramente prefeito de BH e naquela época bastante presente na imprensa. A visita à redação era uma forma de trazer a público a gratidão ao defensor e denunciar os maus-tratos aos presidiários, que, segundo de Paula, eram obrigados a dormir nos ladrilhos.
“Há nove anos que sou perseguido pela polícia. Finalmente sou livre e posso levar uma vida tranquila. Sinto-me agora feliz. Tenho dois filhos, de nome Adão e Eva, que já se acham crescidos e aos quais preciso dar exemplo”, resumiu o então morador da Rua Silvianópolis, no Santa Tereza, Região Leste de BH, que planejava se mudar para o Rio de Janeiro.
O método infalível
Até aquele momento, o “Rei das Fugas”, aos 36 anos, já havia empreendido quatro evasões. “A principal arma que utiliza para as suas célebres fugas é a chave falsa, a qual fabrica, segundo nos afirmou, em 30 minutos apenas”, dizia o EM. Relembrando as peripécias, José de Paula classificou a primeira fuga como a “mais emocionante” da carreira.
Foi em setembro de 1928, na cadeia da Rua Rio de Janeiro, no Centro de BH. Depois de fabricar uma chave falsa, aproveitou o sono dos vigias e saiu, escondendo-se em um matagal. “Dormi várias noites ao relento, passei por florestas perigosas e desertei até chegar ao Rio, onde me empreguei”.
Lá, trabalhou na extinta Mesbla até ser denunciado por um sobrinho e preso novamente, desta vez na Casa de Correção, em BH. Fugiu de novo em outubro de 1933, motivado por uma “injustiça”: o “Rei das Fugas” havia sido levado à solitária por brigar com o chefe da polícia, que o tinha agredido com um espeto. De Paula levou uma ferramenta escondida e arrombou a parede da cela.
Dois meses depois, foragido e de volta ao Rio, viajava para o Mato Grosso quando atropelou um pedestre. Pegou 15 dias de prisão no Rio até a polícia carioca descobrir a sua folha corrida, levando-o de volta a BH. Por aqui, reencontrou na cela um antigo companheiro, Manoel Nunes de Carvalho, condenado pelo roubo de uma joalheria no Centro, junto de outros 14 ladrões. Com uma das chaves falsas, empreenderam uma fuga em massa, na qual sete escaparam às 2h da manhã de 31 de dezembro.
De volta ao Rio, mudou-se para a Ilha de Paquetá. Mas foi em um golpe que o “Rei das Fugas” se viu mais uma vez encrencado. Um suposto investigador ofereceu retirar o pedido de prisão contra de Paula por 700 réis. Depois, exigiu mais 1.000 réis. O “Rei das Fugas” negou e o golpista o denunciou. Voltou à prisão em Minas, sendo levado a Dores do Indaiá, onde ficou mais quatro meses até ser solto e ir direto para a redação contar a sua história.
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