O primeiro dia de fechamento da Rua Sapucaí, tradicional ponto gastronômico e cultural no Bairro Floresta, na Região Leste de Belo Horizonte, durante a semana, não teve impacto no fluxo de veículos da região, nesta segunda-feira (6/5). A interdição segue até domingo (12/5) como teste do projeto que prevê transformar a rua em um boulevard — trecho sem carros, voltado a lazer, diversão e gastronomia. Debatido desde 2012, o fechamento da Sapucaí ainda divide opiniões dos moradores.
Desde março do ano passado, a Sapucaí passou a ser fechada para o trânsito de veículos aos domingos, iniciativa aplaudida por moradores e comerciantes, que aproveitaram para curtir uma rua inteira sem ter de desviar dos carros. Agora, quase um mês depois de homologada a empresa que ficará à frente das obras de revitalização da rua — ainda sem previsão para início da reforma —, a prefeitura testa a viabilidade de fechar a rua permanentemente para priorizar o fluxo de pedestres.
Para isso, oito linhas de ônibus, que passam no trecho entre as avenidas Assis Chateaubriand e Francisco Sales, tiveram o itinerário alterado nesta semana. Até domingo, o tráfego ficará restrito aos carros de moradores para acesso às garagens e fluxo de carga e descarga nos estabelecimentos. As mudanças estão sinalizadas nas vias e nos coletivos afetados. A medida foi acordada em reunião com a comunidade e a prefeitura, que irá apresentar os resultados após avaliação.
Morador da Rua Sapucaí há quase duas décadas, em um prédio logo em frente à saída da estação de metrô, o professor Otávio Rezende, de 56 anos, diz que, há anos, o fluxo intenso de pedestres, que “tomam” a via especialmente aos fins de semana, traz transtornos aos moradores e dificuldades eles entrarem e saírem de suas residências. “Tem dias que eu chego aqui e não tem espaço para guardar o carro, porque os pedestres estão no meio da rua. Acho que se a gente tiver um trânsito local mais calmo, onde a gente possa passar de carro e os pedestres também possam conviver, vai ser melhor do que deixar como está”, disse em entrevista ao Estado de Minas.
Para ele, que também é síndico do prédio em que mora, a rua carece de iniciativas para valorizar seu caráter cultural. “Acho que merece o investimento. Eu e a maioria dos moradores do meu prédio vemos esse projeto com bons olhos. É uma região cultural que precisa mesmo ser valorizada, recebe gente da cidade inteira e muitas vezes de fora", disse, ressaltando ter participado ativamente das reuniões entre prefeitura, comerciantes e moradores da região. A iniciativa, parte de um plano de requalificação da região central de BH, por meio do programa Centro de Todo Mundo, prevê, além de priorizar o fluxo de pedestres, e pretende deixar a região mais arborizada e melhorar as opções de mobilidade e segurança.
O fechamento da rua, na avaliação do professor, não vai trazer grandes impactos ao trânsito do bairro. “Isso aqui não é um corredor do bairro. Não tem uma frequência de trânsito que, na minha opinião, vai atrapalhar o fluxo da região. Acredito que seja possível encontrar soluções para manter a rua fechada e desafogar o trânsito de outra forma”, disse, ressaltando sua participação nas reuniões da prefeitura com os moradores e comerciantes da região. Ele ainda critica a velocidade em que os ônibus passam pela via.
Frequentadores assíduos dos estabelecimentos da Rua Sapucaí, o casal Luiza do Nascimento e Mateus Baranowski vê pontos positivos e de alerta no fechamento da rua. Para eles, que moram na Avenida Francisco Sales, na esquina com a Sapucaí, o maior gargalo será no trânsito, já que a via é um atalho para os motoristas que querem fugir do congestionamento nas avenidas adjacentes e também é usada como estacionamento rotativo em dias úteis. “Já é uma rotina caótica, bem complicada. Aqui tem escola, faculdade, e muitas empresas que usam a rua durante a semana. Acho que nesse quesito a galera vai surtar, porque achar vaga nessa região é uma tristeza. No horário de pico, eu já fico de olho para não ter que sair”, conta Luiza. “Jogando o trânsito todo pra cima, acho que vai ser mais um problema”, completa Mateus.
Luiza compara o projeto ao quarteirão fechado da Praça da Savassi e torce para que, caso aprovado, não espelhe os mesmos problemas vistos na região Centro-Sul da capital, como aumento da criminalidade, ocupação do espaço por pessoas em situação de rua e sujeira, ponto que já é alvo de reclamação dos moradores aos fins de semana. “Até no carnaval é mais bem cuidado, porque eles reforçam a limpeza. Funciona muito bem. Mas, nos fins de semana, não funciona. É muito caco de vidro, muita sujeira”, disse ao Estado de Minas, reforçando a necessidade de o projeto incorporar melhorias na coleta de lixo da região. “Não tem muita lixeira em toda extensão da rua”, completa.
O casal aprovou a iniciativa de fechamento da Rua Sapucaí aos domingos, que reforçou o lazer e prática de esportes na rua. Mas destacam a necessidade de investimentos na arborização e paisagismo para tornar a experiência mais agradável, medida prevista no projeto da prefeitura, que também inclui instalação de bancos e arquibancada mirante para enaltecer a vista para o Centro da cidade e para os murais do Projeto Cura.
“Ao mesmo que acho um projeto muito legal, principalmente pra gente que gosta de atividade física, por exemplo, ter uma oportunidade de ter um local assim mais próximo de casa, há pontos que preocupam. A gente não sabe se, na prática, vai ser tão bom para quem mora aqui. Para quem não mora, talvez seja incrível, porque a pessoa visita e vai embora. Agora, para quem fica, como vai ser realmente a rotina, o cotidiano, a limpeza, segurança, o trânsito, são vários questionamentos”, ressalta Luiza.
Iniciativa inspirada em Barcelona
Debatida desde 2012, a proposta de fortalecer o polo cultural e gastronômico da Rua Sapucaí, com o fechamento da via, usou como referência as "superquadras" de Barcelona, na Espanha, projeto que limitou a circulação de carros em quarteirões na área central e transformou as ruas em zonas de pedestres e ciclistas. Em abril, a prefeitura publicou a homologação da empresa vencedora da licitação responsável pelas obras na Rua Sapucaí. As intervenções, a serem realizadas pela Conata Engenharia, têm prazo de execução de 300 dias e vão custar R$ 4,6 milhões aos cofres públicos.
Além dos passeios estreitos, na rua ainda há uma faixa de estacionamento de veículos e a maior parte dela é destinada apenas aos veículos. Com as intervenções, o espaço será transformado em um eixo verde para valorizar e potencializar as características urbanas e culturais da via, afirma a prefeitura.
A rua, que tem aproximadamente 600 m de comprimento e é margeada pelas avenidas do Contorno, Assis Chateaubriand e Francisco Sales, também vai receber a pavimentação de um plano único entre os dois passeios, ladrilho hidráulico e pedra portuguesa. Ainda está prevista a implantação de uma ciclovia bidirecional e passagem de pedestres.