Tenente Henrique Barcellos - porta-voz do cBMMG -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Tenente Henrique Barcellos - porta-voz do cBMMG

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

 

Referência no país em função da experiência adquirida em grandes tragédias, como o rompimento de duas barragens de rejeitos de minério em território mineiro, e em missões de apoio internacionais e nacionais, o Corpo de Bombeiros Militares de Minas Gerais (CBMMG) reforçou os trabalhos de salvamento nos primeiros dias da calamidade que assola o Rio Grande do Sul em decorrência de chuvas sem precedentes na história do estado. Desta vez, a corporação enviou uma equipe de 28 militares, no dia 8, que por uma semana auxiliou no resgate de pessoas ilhadas e na recuperação de vítimas de soterramentos, com a rapidez que a situação exige para preservar vidas, contou o tenente Henrique Barcellos, porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais (CBMG), em entrevista ao “Em Minas”, que foi ao ar na noite de ontem na TV Alterosa e está disponível no canal YouTube do Portal Uai . Para ele, o fato de a corporação ser “calejada” é determinante, pois permite “saber encontrar o terreno desconhecido e o que fazer lá”. Conta ponto também a preparação da equipe em termos de logística, para atuar de forma autônoma, destaca o tenente, que explicou o processo de escolha dos militares que participaram da operação, comparou os desastres em Mariana (2015) e Brumadinho (2019) com a crise no RS e assinalou que uma boa gestão de riscos “faria toda a diferença” na hipótese de chuvas semelhantes virem a ocorrer na Grande BH. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.


No ano passado, o Rio Grande do Sul passou por uma situação de enchentes semelhante à que vem ocorrendo agora, embora numa proporção menor, e os bombeiros mineiros estiveram lá ajudando. Outra equipe foi enviada este ano. Há diferenças entre as operações?

A gente enviou, ano passado, uma equipe para o Vale do Taquari, que também foi atingido neste ano. Daquela vez, a característica da nossa equipe era mais voltada para busca e salvamento com cães. Agora, enviamos uma equipe com uma força multitarefa. Essa equipe tem, além de cães, militares especializados, aeronaves e diversos materiais logísticos para conseguir fazer frente ao cenário de desastre no Sul do Brasil.

 

A situação agora foi muito pior do que a outra?


Muito pior, por conta da grande extensão territorial que foi tomada pelas enchentes. Para a gente, é muito triste o fato de uma mesma região sofrer novamente com isso em tão pouco tempo. Sabemos a importância de estarmos presentes lá, não só para fazer o salvamento, mas também para levarmos esperança a um povo que, em tão pouco tempo, sofre com o mesmo desastre.


Como foram escolhidos os integrantes da equipe enviada, nesta segunda vez, ao Rio Grande do Sul?

O CBMG tem o chamado Batalhão de Emergências Ambientais e Resposta a Desastres. Todos que estiveram lá pertencem a esse batalhão e têm especialização no Curso de Salvamento em Soterramentos, Enchentes e Inundações. E é exatamente esse cenário que a gente tem lá. Na hora da seleção da equipe, somos bem criteriosos em relação a qual é a especialidade daquele militar, a experiência e se ele vai saber operar os equipamentos que aquele cenário exige.

 

A equipe ficou uma semana no Rio Grande do Sul, mas ela pode voltar com a qualquer momento?

Nós trabalhamos com a Doutrina Internacional de Salvamento. Essa doutrina fala que a primeira semana é crucial para maximizar o salvamento de pessoas e a busca por desaparecidos e soterradas que ainda podem, nos primeiros dias, ter um espaço vital de ar e serem encontradas com vida. Depois desse período, o desastre passa para uma fase diferente, onde a recuperação de pessoas com vida passa a ser menor e a busca por desaparecidos passa a ser maior.

Desde o primeiro momento em que o Corpo de Bombeiros Militar colocou as suas equipes à disposição, as autoridades do Sul, entendendo desse protocolo, nos solicitaram por uma semana. Esse prazo venceu no final dessa última semana e a gente agora entende a necessidade de revezamento com outras corporações.


Girando equipes até para não desgastar quem está trabalhando?

Exatamente. A nossa equipe ficou 24 horas por dia em campo. Nós levamos uma operação logística capaz de nos deixar ali em alojamentos, em salas de reunião e dormitórios, sem a necessidade de nenhuma hospedagem. Isso é outro protocolo que a nossa corporação tem alinhado aos padrões internacionais. Ir para uma grande crise exige chegar lá sem pedir nada, e a nossa equipe foi totalmente autônoma nesse sentido logístico, justamente pra oferecer e servir.


Se um evento como esse acontecesse aqui em Belo Horizonte, qual seria o protocolo? Como é que seria o ataque dos bombeiros para enfrentar uma situação como essa?

Se a RMBH (Região Metropolitana de Belo Horizonte) tiver uma boa gestão do risco para esse cenário de inundações, nós teríamos alguns alertas para que a população em áreas de risco saísse de suas casas e procurasse abrigos previamente mapeados. Também seria pedido para evitar sair da residência para transitar em regiões que certamente estariam alagadas. Isso faria toda a diferença numa trabalho crítico. Se a gente tivesse esse cenário aqui e boa parte das pessoas previamente alertadas, conscientizadas, e fugindo de se expor a esse risco, o trabalho de resposta e recuperação seria muito menor. A gente estaria falando muito mais de um impacto material do que um impacto humano.


Nesse período que a equipe dos bombeiros de Minas esteve no Rio Grande do Sul choveu de novo. Isso agrava a situação?

Com certeza. Isso agrava a situação não somente no sentido de causar mais vítimas, mas também torna a operação muito insegura. A gente sabe que o bombeiro militar não vai trabalhar com risco zero, porque ali é um cenário emergencial. Mas a situação da chuva torna aquele ambiente colapsado vulnerável a uma réplica, ou seja, acontecer novamente um movimento de massa quando as equipes estão em terra atuando procurando por pessoas. O cenário complica demais com a presença de chuva. O solo fica encharcado. A estabilidade de um talude não é muito fácil de ser perceptível visualmente, então, a todo momento que se atua debaixo de chuva e risco, a gente precisa designar alguns militares como segurança, olhando para o talude com um apito, com um alerta e com rotas de fuga.


E o pior é que a chuva não para. Nesse cenário, o que acontece? O problema vai se agravando ou permanece num nível de equilíbrio, digamos assim?

A chuva que é persistente pode gerar um risco geológico maior do que o hidrológico, que já foi estressado ao máximo. Ou seja, as enchentes chegaram já à inundação de tudo aquilo que poderia inundar. E elas não vão chegar a partes mais altas, porque isso exigiria uma chuva com proporções jamais vistas. Só que o risco geológico que passa a vir agora, nos dias seguintes à chuva, começa a aumentar, porque o solo fica encharcado. Os taludes ficam encharcados com essa chuva fininha que é persistente.


Qual é a diferença entre o desastre de Brumadinho (onde uma barragem se rompeu em 2019), com muita lama, e lama pesada, e o Rio Grande do Sul, onde se tem lama, mas há líquido e muita água? O que essa diferença implica no trabalho?

As dinâmicas dos eventos têm algumas diferenças e similaridades. O rompimento de uma barragem é um evento com uma velocidade muito alta e com uma dinâmica muito acelerada. A lama dos rejeitos em Brumadinho chegou a mais de 120 km/h. Isso gera muito pouca capacidade de autossalvamento. (…) Esse foi o poder catastrófico do rompimento de barragem. A chuva tem um poder de alcance territorial enorme. A água avança com muita facilidade. Ela flui e entra em qualquer espaço vazio, mas não chega com essa mesma velocidade. Por isso que a gente vê uma tragédia que, em território, praticamente toma quase todo o estado do Rio Grande do Sul, mas em termos de velocidade chega com uma velocidade menor, de alguns dias ou muitas horas, comparado a minutos que foram nos rompimentos de barragem, principalmente em Brumadinho.


Os dois desastres são terríveis, mas qual é o pior? A lama de Brumadinho ou a água do Rio Grande do Sul?

Difícil responder qual é o pior, mas a gente sabe que os dois cenários exigem técnicas muito específicas. (…) Conseguir progredir numa lama mais fluida, que foi o caso de Brumadinho nos primeiros dias, e também é o caso do Rio Grande do Sul por conta da quantidade de água, é muito difícil. Essa lama pode esconder diversos perigos. A lama arrasta edificações e debaixo dela tem veículos, objetos cortantes, risco de choque elétrico e produtos perigosos. Progredir ali é uma dificuldade e exige uma perícia.


Eu me lembro das imagens dos bombeiros exaustos. Para movimentar alguns poucos metros era uma coisa louca, não é?

Com essa triste experiência dos rompimentos de barragem, a gente acabou criando uma bagagem pra aplicar em práticas semelhantes. Aumentar a superfície de contato, conseguir progredir nos terreno um pouco mais abaixados, utilizar tecidos de neoprene para proteção à pele e capacete. Também progredir com os cães de forma cautelosa, porque são diversas situações em que a gente perde um cão com facilidade, por quebrar uma pata, por um objeto cortante, e ele é um amigo incansável nesse tipo de operação.


Quais foram os relatos dessa brava equipe de bombeiros mineiros lá no Rio Grande do Sul? O que eles viram?

Eles chegaram lá no momento em que a prioridade era o salvamento de pessoas com vida e vítimas ilhadas. Eu conversei com militares presentes lá todos os dias, mais de uma vez ao dia, e logo no início a gente via um retorno positivo em relação à quantidade de pessoas ilhadas que eles retiraram do teto de residências e edificações. Pessoas com dificuldade de mobilidade, pessoas que agradeciam pelo salvamento. Mas, à medida que a nossa equipe continuou lá, a gente começou a ter falas mais tristes, de necessidade de recuperação de corpos soterrados. (Como) o casal de idosos que foi encontrado juntos no mesmo ponto de lama e soterramento.


Minas está mais preparada do que outros estados para enfrentar episódios como esse ou não há desequilíbrio entre os corpos de bombeiros no país?

A gente não vê um desequilíbrio. A gente vê que algumas corporações se tornam referência por serem muito experimentadas. É o nosso caso. Depois de Brumadinho, a gente já esteve presente em missões internacionais, em tornados em Moçambique, em terremotos no Haiti e na Turquia. E em missões nacionais, onde a gente já apoiou o Rio de Janeiro, Pernambuco, São Paulo e também o Rio Grande do Sul, no final do ano passado. Isso torna a nossa corporação mais calejada. Saber encontrar o terreno desconhecido e o que fazer lá por já termos sido experimentados em situações parecidas.


O “Em Minas” é uma parceria entre a TV Alterosa, o jornal Estado de Minas e o Portal Uai. O programa vai ao ar aos sábados, a partir das 19h20, simultaneamente na televisão e no Youtube (youtube.com/portaluai). A versão online tem um terceiro bloco exclusivo.