Com meio século de existência, a capital mineira ainda guardava, literalmente, as características do Curral del Rei. Foram pelo menos três ocasiões, entre 1936 e 1944, que os jornais noticiaram vacas enlouquecidas colocando os belo-horizontinos para correr em pleno coração da cidade.
Além de algumas escoriações, uma bicicleta e uma perna quebradas, as revoltas dos bovinos não chegaram a causar grandes estragos, mas foram espetaculares o bastante para estampar as páginas do Estado de Minas e do Diário da Tarde daqueles anos, inclusive com fotos.
O Arquivo EM deste domingo reconta os causos bovinos do passado recente. Semanalmente, EM traz registros do que apareceu nas capas dos jornais mineiros no século passado. As pesquisas têm como base o acervo de 96 anos de páginas impressas da Gerência de Documentação (Gedoc), em Belo Horizonte.
Chifrou o gerente
O primeiro dos casos aconteceu em 28 de maio de 1936, quando uma vaca chamada Faísca fugiu de um vagão estacionado na Central e apareceu na Praça 7 em pleno horário de almoço. Com dois vaqueiros e um cachorro no encalço, Faísca partiu afugentando quem passava pela frente até entrar no lotado bar Café Avenida.
“Os fregueses, ante a inesperada visitante, voaram para todos os lados, chegando alguns a galgar até as prateleiras”, informava o EM do dia seguinte. Assustado com a desordem, o animal resolveu sair pela porta e encontrou o gerente do estabelecimento, o sr. Ozorio Azevedo, que apanhava bebidas junto a uma cesta. A vaca ergueu Ozório com os chifres e o jogou para dentro do Café Avenida.
“Ninguém tinha coragem de se aproximar de Faísca, e muito menos os vaqueiros. Somente o cachorro, valentemente continuava a assediá-la, até que conseguiu prendê-la pelo focinho, imobilizando-a.” O cão foi auxiliado por um guarda à paisana, que a agarrou pelos chifres. Faísca foi amarrada em uma carroça e levada de volta ao vagão na Estação Central. O gerente do Café Avenida foi levado para o pronto socorro, com escoriações, mas logo foi liberado para casa.
Touradas no Floresta
Em abril do ano seguinte, os telefones da redação do DT começaram a tocar logo pela manhã. O repórter correu até a Avenida do Contorno, no Bairro Floresta. Lá, cerca de 500 pessoas se apinhavam no portão da casa do sr. Angelo Parizi, onde, refugiada no quintal, uma vaca enfurecida chifrava qualquer um que se aproximasse. O animal havia fugido da casa do seu proprietário, o sr. Helvécio Penna Mascarenhas, no Centro.
Ninguém conseguia pegar o bicho, até que apareceu um herói e laçou-a. “Aí é o que o rebuliço foi maior: a vaca saiu furiosa para a avenida e os populares se dispersaram entre gritos, correrias e só pararam de correr quando viram o animal preso a um poste”, dizia o DT de 16 de abril de 1937. Finalmente, o sr. Helvécio, levou-a embora – não sem dificuldade.
Um zebu na Afonso Pena
Sete anos depois, BH foi novamente palco de um bovino enfurecido. No fim da tarde de 24 de julho de 1944, um touro fugiu da Central do Brasil ao ser baldeado de um vagão para o outro, avançou sobre os funcionários e foi parar em plena Avenida Afonso Pena, em plena hora do rush. “E começou a correria de centenas de pessoas, que subiam na árvores, entravam nos cafés, embarafustavam-se pelas casas de comércio a dentro.”
No meio da confusão, o comerciante Paulo Las Casas, fugindo do bicho, caiu e fraturou a perna. “Em suas cegas investidas contra tudo o que se lhe apresentava pela frente”, o touro ainda avançou sobre dois ciclistas e destruiu uma das bicicletas.
Nem a polícia conseguia pará-lo. Alguns indivíduos que estavam ali resolveram então pegar cordas em um dos comércios locais para laçar o animal, até conseguir. O touro foi então reconduzido ao vagão da Central, sendo acompanhado no trajeto de perto pelos curiosos.
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