Uma nova lei exige que hospitais públicos e privados de Belo Horizonte apresentem relatórios mensais à Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) sobre os abortos realizados nas instituições de saúde. O texto foi publicado no Diário Oficial do Município (DOM) de sexta-feira (17/5) e já está em vigor.
O objetivo da Lei 11.693/2024 é utilizar as informações coletadas para avaliar, planejar e executar ações de saúde pública conforme as políticas públicas vigentes. No entanto, especialistas em saúde da mulher e ativistas do direito reprodutivo e sexual da mulher são contrários à criação da lei.
Para Sofia Amaral, integrante da Rede Feminista de Saúde, existe um estigma sobre o aborto no Brasil e em Belo Horizonte não seria diferente. Por essa razão, para ela, o ideal seria construir propostas a partir da consulta a profissionais da saúde que atuam diretamente nos procedimentos e pesquisadores sobre o assunto.
“É importante a gente compreender que dados são fundamentais para a gente poder avançar na construção de políticas. Sou totalmente a favor de que essas informações sejam estimuladas, inclusive para pesquisas. Mas, para a gente avançar, é fundamental que a gente escute as trabalhadoras do serviço de aborto legal aqui em Belo Horizonte, que a gente chame para participação as pessoas que estão na linha de frente desse serviço e que a gente faça um processo de designação do que é o abortamento BH”, diz.
Incisos vetados
Sofia reforça que garantir os direitos sexuais reprodutivos e o aborto legal sem perseguição e coerção é uma garantia fundamental para avançar na discussão acerca do tema.
Entre os pontos vetados pelo prefeito Fuad Noman (PSD), está o inciso que visava divulgar publicamente, no DOM ou no Portal da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), os dados sobre os abortamentos realizados e os locais onde o procedimento foi feito. Na justificativa, a proposição previa "a exposição de dados sensíveis que levariam a ações que violam os direitos fundamentais à privacidade e à intimidade", previstos na Constituição Federal. Para Sofia, a publicidade das informações poderia facilitar a identificação e perseguição de pacientes e profissionais da saúde.
Ainda na justificativa do veto, a PBH informa que a Procuradoria-Geral do Município (PGM) avaliou que tal divulgação poderia representar a criação de barreiras, ainda que indiretas, à realização do procedimento, induzindo à busca pela gestante de alternativas de interrupção da gravidez inseguras e nocivas à saúde.
O texto traz ainda a posição da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (SMASAC) que também destacou que, da forma como estava, a medida poderia estimular protestos nos hospitais, com exposição e perseguição aos profissionais da saúde, e, inclusive, impedir a realização de procedimentos legalmente autorizados.
A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), por sua vez, diz a justificativa do veto, concluiu que "as hipóteses legais de aborto visam salvaguardar a vida e a integridade física e psicológica das mulheres, se tratando de um direito sexual e reprodutivo".
Também na justificativa dos vetos, a PBH alega ser importante contabilizar o número de abortos realizado no município, assim como as razões do procedimento, para que haja um acompanhamento padronizado com a finalidade de atender melhor o público feminino gestante.
Outro ponto destacado pela prefeitura, é a decisão do Supremo tribunal Federal (STF), que, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.545/RJ, entendeu que o direito à privacidade impõe ao Estado o respeito aos dados referentes à intimidade e à vida privada dos indivíduos, bem como a responsabilidade pela salvaguarda das informações armazenadas.
A ativista Sofia Amaral defende que a prefeitura deveria ter vetado integralmente a lei. Ela avalia que a proposta de tornar esses dados públicos reforça a estratégia utilizada pelo movimento antiaborto no Brasil que tem se intensificado nos últimos anos com perseguição a mulheres e profissionais de saúde. Um dos casos de repercussão nacional foi o de uma menina de 10 anos que passou pelo procedimento, depois de ter sido estuprada, enquanto ocorriam atos religiosos e antiaborto na porta do hospital.
Lei 11.693/2024
Esta é a primeira norma municipal que regulamenta a contabilização de abortos de diferentes naturezas, que leve à interrupção da gestação da mulher, em hospitais de BH. Anteriormente, as informações relacionadas aos procedimentos de aborto realizados nos hospitais públicos eram obtidas através do Sistema de Informação Hospitalar (SIH), para fins de acompanhamento financeiro.
Em nota, a PBH ressalta que, em relação aos abortos em caso de violência sexual, todos os hospitais públicos e privados já eram obrigados a notificar à SMSA. O repasse é feito por meio da ficha de notificação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
Os relatórios a serem apresentados devem respeitar as determinações da Lei Federal 13.709 ou de norma superveniente que venha a substituí-la.