Minas Gerais registra em média 104 incêndios em vegetação por dia, de acordo com dados do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) referentes a maio. Embora o mês não tenha chegado ao fim, os números revelam um aumento de 43% em relação a maio de 2023, que atingiu em média 51 incêndios por dia. Neste ano, de maio a abril, o crescimento foi de 77%.
O cenário é preocupante e ainda tende a piorar. “Ainda não atingimos o pico. Percebe-se que as ondas de calor estão tornando esse período mais incisivo, a mata muito seca com umidade baixa , o que era para começar no mês de julho já está acontecendo”, afirmou o oficial.
“As ondas de calor atuam no incêndio em área urbana e há uma tendência de aumentar pela proximidade com a ação do homem. Esses incêndios acontecem, por exemplo, a partir da queima de entulho em lotes vagos, com vegetação seca exposta”, detalhou Barcelos.
As famosas e destrutivas “queimadas” podem acontecer de formas distintas: em áreas urbanas não protegidas e em áreas florestais, abrangendo zonas rurais e as Unidades de Conservação.
O tenente do CBMMG, Henrique Barcelos, destaca as particularidades de cada tipo de incêndio. “O Sul de Minas é o maior atingido em relação ao volume de atendimentos, principalmente em cidades que fazem fronteira com São Paulo. Estatisticamente, as áreas urbanas não protegidas correspondem a 70% dos incêndios registrados. Já a Região Norte abriga 65% das Unidades de Conservação do estado, que registram cerca de 30% dos incêndios”, explicou.
El Niño
Segundo o professor Bernardo Gontijo, do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as áreas verdes se não são bem cuidadas estão mais vulneráveis. Os parques nacionais e estaduais que fazem limites com manchas urbanas estão cercados de mineração e loteamentos, isso é mais difícil de controlar.
“A maioria dos incêndios são causados pela ação humana. Em raros casos, o que pode acontecer é a ocorrência de descargas elétricas por raios e relâmpagos na vegetação: “A maior probabilidade desses episódios é durante a chegada das chuvas no fim do ano”, explicou o professor.
O aumento expressivo chamou a atenção de Gontijo, que aponta efeitos do fenômeno El Ninõ diretamente no cenário das queimadas. “O El Niño acontece com um intervalo de sete a oito anos e várias situações acontecem no planeta inteiro. Se uma região tende a chover muito, durante esse fenômeno vai chover de forma extrema, da mesma forma são as regiões secas e no regime tropical típico, como é Minas Gerais”, explicou.
A capital mineira sente a ação do El Niño. Segundo a Defesa Civil de Belo Horizonte, a cidade não registra chuvas há 33 dias e não estão previstas até o próximo dia 26. O meteorologista Ruibran dos Reis, do Instituto Climatempo, ressalta o impacto desse fenômeno: “O período chuvoso em Minas começa em outubro e termina em abril. Em função do El Ninõ, as chuvas chegaram no final de dezembro, então choveu menos e em forma de temporais. Isso significa que não houveram chuvas intermitentes que inundam o solo, o solo não encharcou.”
Ele lembra que os efeitos das mudanças climáticas e do El Ninõ vêm sendo fortemente sentidos desde o ano passado. “Passamos por três ondas de calor nesse período e desde o fim de abril começou uma massa de ar quente no estado. A partir de junho não tem mais El Niño, mas de junho até agosto não chove. A temperatura vai ficar mais elevada em Minas, de 2 a 3°C acima da média até setembro”, pontuou o meteorologista.
A escassez de chuvas é acompanhada pelo aumento das temperaturas no estado, causando uma vulnerabilidade do solo. “As chuvas vieram atrasadas e duraram pouco, isso aumentou o percentual de vegetação seca e a tendência é que esse percentual continue crescendo, levando em consideração que a época de seca é bem grande e deve durar até setembro. Com essa onda de calor, o risco de aumentar os focos de incêndio é maior”, esclareceu Gontijo.
Ciclo vicioso
O professor da UFMG lembra que os incêndios emitem dióxido de carbono e contribuem com o efeito estufa. “O ano passado foi o ano mais quente da história e em 2024 pode superar (o recorde).” Ele acrescentou que, além de um gradativo aumento das temperaturas, os incêndios florestais em áreas urbanas ampliam o risco de propagação de doenças. “A área verde na cidade é o refúgio da fauna. No caso de aumento desses incêndios, esses espaços podem ser comprometidos. A presença de fauna nos centros urbanos ajuda no controle de insetos e agentes transmissores de doenças, como o mosquito aedes aegypti, transmissor da dengue e chikungunya”, explicou.
Essa busca da fauna por um refúgio, no entanto, é natural, assim como as mudanças climáticas. “É do clima mudar, se não, não seria clima. Se há um processo contínuo de aquecimento, os seres vivos tendem a migrar para ambientes mais frescos e vão se adaptando à medida que os fatores ecológicos vão se alterando”, pontuou.
Impunidade
De acordo com a Lei de Crimes Ambientais, inserida no Código Penal brasileiro, provocar incêndio em mata ou floresta pode gerar pena de reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
O advogado criminalista Bruno Rodarte explica que há deficiências na Lei. “A fiscalização pode e deve ser melhorada, porque muitas vezes nós temos essa sensação de impunidade. Nós não encontramos aqueles que foram responsáveis, no caso, pelos incêndios, e consequentemente não conseguimos punir aquele que deu causa a todo esse problema, a todo esse dano”, pontuou.
“A pessoa pode ser punida tanto pela prática dolosa, ou seja, aquela que ela tem a vontade de praticar o ato, quanto na figura culposa, ou seja, quando ela age de maneira imprudente, negligente ou com a falta de cuidado exigido para aquela situação. Tudo vai depender das provas que forem produzidas, a fim de demonstrar se ela agiu ou não com o dolo necessário. A história já nos mostra que não adianta eu aumentar de uma forma assustadora os tipos penais. Eu preciso sim ter um rigor técnico no momento da aplicação da lei e fazer com que aquele dispositivo saia do papel”, esclareceu o advogado.
Novas atribuições
O CBMMG, que já atuava em conjunto com outros órgãos e brigadas no combate aos incêndios nas Unidades de Conservação (UCs) será responsável por criar diretrizes para prevenção e combate a incêndios florestais, elaborar planos, coordenar e executar as atividades operacionais.
O foco é reduzir o tempo resposta, evitando que os incêndios florestais se propaguem e consumam áreas extensas de vegetação nativa. Mais de uma centena de bombeiros estarão dispostos com logística apropriada para a realização desta operação de reforço operacional.
“Estamos realizando queimas controladas nas Unidades de Conservação para prevenir e reduzir a possibilidade de incêndios em grande escala nessas áreas e essa é uma técnica muito promissora”, explicou o tenente.
O bombeiro ainda aconselha a população a não utilizar fogo para limpeza de lotes, evitar fazer fogueiras em áreas florestais e atentar-se a fontes de calor.
Para 2024, a equipe conta com até 550 brigadistas. O orçamento não foi divulgado.
*Estagiária sob a supervisão da subeditora Rachel Botelho