Máscara Negra, o Grego, Diabo Branco e Waldemar, o Rei da Sujeira. Essas eram as figurinhas carimbadas da Praça Rio Branco, no Centro, que se digladiavam todo sábado à noite na quadra do Paissandu, a casa da luta livre de Belo Horizonte. O local onde mais tarde seria construída a rodoviária era palco de notórios combates que levavam à loucura o público – pouco importando se a porradaria era de verdade ou mera encenação.
Pensava diferente o delegado José Geraldo Araújo. Em 26 de abril de 1958, KO Jack e o japonês Hideo Mory haviam acabado de terminar um sangrento confronto quando a autoridade mandou prender todos os lutadores por “marmelada”. A solidariedade aos combatentes do Paissandu chegou até o deputado estadual Waldomiro Lobo, que se dispôs, ele mesmo, a enfrentar o Rei da Sujeira. A disputa, duas semanas depois, geraria uma ameaça de cassação na Assembleia.
A história teve cobertura especial do jornal Diário da Tarde, vespertino do Diário dos Associados que foi publicado até 2007. Todo domingo, o Estado de Minas traz histórias que figuraram nas capas dos jornais mineiros no século passado. As pesquisas do Arquivo EM têm como base o acervo de 96 anos de páginas impressas da Gerência de Documentação (Gedoc), em Belo Horizonte.
“Astros do vale-tudo do Paissandu presos por ‘falta de combatividade’”, dizia a manchete da segunda-feira, 28 de abril de 1958. A matéria criticava a atitude da polícia e acrescentava que “marmelada ou não”, o público se divertia com as “cenas violentas e às vezes humorísticas” protagonizadas pelos lutadores, cuja profissão é “dura como poucas”.
Sem levar isso em conta, o delegado alegou que os espectadores estavam sendo ludibriados e levou KO Jack, Hideo Mory, o grego Kostolias e o mineiro Isoni para a delegacia. Lá, deu um sermão em Hideo. “Este japonês é um malandro dentro do ringue. Em todas as lutas alega estar contundido e nunca entra em lances violentos, roubando, praticamente, o dinheiro dos assistentes. Isto precisa acabar e na capital ninguém faz mais ‘marmelada’, pois eu não permitirei”, bradou, antes de liberar todos eles.
Deputado Waldomiro X O Rei da Sujeira
Não demorou muito para Waldomiro Lobo sair em defesa dos seus antigos colegas. Antes de dar nome a uma avenida e uma estação de metrô na Região Norte de BH, o então líder do PTB de Vargas já havia sido cantor de rádio, boxeador e também lutador do “catch”. Em 2 de maio, ele anunciou ao DT que voltaria ao ringue do Paissandu. “Apesar da barriga, meu murro ainda é potente”, declarava. A condição era que a luta arrecadasse verbas para o tratamento de tuberculosos.
Para Waldomiro, era uma bobagem a discussão sobre a tal “marmelada". “Lutadores de ‘catch’, em sua quase totalidade, são verdadeiros artistas do ringue e o público gosta de suas atuações. Muitas vezes uma luta é falsa até certo momento, daí em diante passa a ser real. Os espectadores vibram mais no primeiro caso”, disse ele, que também jurou não ser o Máscara Negra, lutador misterioso do Paissandu que ninguém conhecia a identidade.
A promessa foi cumprida. Duas semanas depois, de short cor-de-rosa, Waldomiro subiu ao ringue do Paissandu para enfrentar Waldemar, o Rei da Sujeira. O árbitro foi o professor e filólogo Tenório de Albuquerque. Os dois lutadores trocaram tapas, puxões de cabelo, pontapé e palavrões, fazendo o público vibrar.
Não durou muito. Com três minutos de luta, Waldomiro deu um sopapo que arrancou dois dentes do Rei da Sujeira. Na sequência, levantou o oponente e o arremessou para fora do ringue. Declarado vencedor, vestiu o paletó e passou para a plateia recolhendo donativos para sua fundação numa sacola.
Dias depois, na Assembleia, o Milton Sales, da UDN, ameaçou Waldomiro de cassação por “quebra de decoro”. “A luta não passou de uma palhaçada”, disse ao DT. Waldomiro queria resolver no ringue, mas o udenista rejeitou. “Brigar não brigo, mas atiro bem”, revidou Sales. A ameaça de cassação não foi para frente e Waldomiro continuou na Assembleia até 1967. Curiosamente, ele seria alvo de disparos cinco anos depois, dentro da ALMG, por um colega do PTB – que não conseguiu acertá-lo. Mas essa já é outra história.
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