Um mês depois da morte da jovem Mariane Silva Torres, de 26 anos, em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, a causa do óbito ainda é incerta. Testemunhas e familiares alegam que ela teria sido vítima de uma sucessão de erros médicos. Mariane deu entrada no hospital sentindo dores no peito e nas pernas e foi diagnosticada com crise de ansiedade, mas, horas depois, faleceu.

 

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, um processo interno para apurar as condições do atendimento foi instaurado e “segue em curso”. A pasta informou que aguarda o relatório do Instituto Médico Legal (IML) com a causa da morte. O mesmo foi afirmado pela Fundação de Apoio da UFMG (Fundep), responsável pela administração da unidade de saúde.

 

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“A Comissão de Revisão de Óbitos da UPA Centro-Sul realiza a avaliação de todos os casos de mortalidade ocorridos na unidade e trabalha segundo as diretrizes estabelecidas pela Secretaria Municipal de Saúde. Reforçamos que todas as informações estão sendo devidamente prestadas às autoridades administrativas na forma da legislação aplicável”, informou a instituição.

 



 

Há um mês um ultrassom feito após o falecimento de Mariane detectou alta quantidade de líquido na região torácica, o que é incompatível com o diagnóstico inicial. Nesse meio tempo, enquanto agonizava de dor em uma cadeira de rodas, ela chegou a ouvir de uma enfermeira que "quem está gritando assim não está sentindo dor". A família de Mariane acredita que ela foi vítima de negligência.

 

Entenda o caso

Mariane deu entrada na UPA Centro-Sul às 13h30 e, segundo informações relatadas ao namorado, que só conseguiu chegar mais tarde, a jovem chegou ao local gritando de dor e foi colocada em uma cadeira de rodas. Ela se queixava de dores na perna e no peito. Ao Estado de Minas, João Cláudio, namorado da jovem, disse que, mesmo após a medicação, as dores não cessaram e ela estava “agonizando”. Após a morte, um exame apontou a possibilidade de uma trombose, que teria causado embolia pulmonar.

 

“Quando ela chegou, passou pela triagem e colocaram, após verem toda essa cena dela gritando e agonizando, a pulseira verde, que é de risco baixo”, conta João.

 

Mais de uma hora depois de Mariane ter chegado, João, já no local e vendo a agonia da namorada, questionou a enfermeira, que fez a triagem onde estava o médico. Em resposta, a profissional de saúde disse que “quem está gritando assim não está sentindo dor”.

 

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Depois de mais um tempo de espera, Mariane foi atendida por uma médica que atestou que ela realmente não estava sentindo a perna esquerda, além das dores na perna direita e no peito. Após o exame, a especialista concluiu que a jovem estava tendo uma crise de ansiedade e receitou medicamentos. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, ela foi medicada por volta de 14h50.

 

“Eu voltei na primeira médica, falei que ela estava com muita dor e perguntei o que podia ser feito, já que o remédio não tinha tido efeito”, disse João. Em resposta, a profissional teria falado que Mariane não estaria mais sob os seus cuidados.

Ele, no entanto, não encontrou a outra médica que supostamente teria assumido o atendimento. Enquanto isso, Mariane gritava e chorava. “Um médico passava a responsabilidade para o outro. Descaso total”, desabafa João. Depois de um tempo, a jovem teria travado os punhos “como se estivesse tendo uma convulsão”. Um médico da área de emergência a atendeu e constatou que ela estava sem sinais vitais, segundo o boletim de ocorrência.

A jovem foi levada para a sala de emergência onde manobras de ressuscitação foram realizadas por mais de uma hora, mas não resistiu. O óbito foi constatado às 18h01. Posteriormente, um aparelho de ultrassonografia detectou alta quantidade de líquido na região torácica da jovem.

 

Quem era Mariane

Mariane Silva Torres nasceu em Coronel Murta, cidade com 8 mil habitantes localizada no Vale do Jequitinhonha. Caçula de três irmãs, ela veio para Belo Horizonte sozinha ainda adolescente, aos 17 anos, em busca de oportunidades de trabalho que não teria onde nasceu. Poucos meses depois, sua irmã, Nayane Silva Torres, na época com 20 anos, também veio para a capital.

 

"A gente passou dificuldades nessa época. A gente veio em busca de oportunidades melhores, mas o começo é sempre mais difícil. A gente ficava só entre nós duas e mesmo assim a gente sempre correu atrás", relata Nayane.

 

Morar juntas fez com que os laços das duas se fortalecesse ainda mais. A todo momento que fala sobre a irmã, Nayane transparece a admiração que sentia por ela. "Ela poderia estar com o maior problema do mundo, mas se alguém precisasse de ajuda, parece que ela mudava o rosto dela e se colocava a disposição para ajudar".

 

Atualmente, Nayane formou uma família e mora em Esmeraldas, enquanto que Mariane continuou morando sozinha. O namorado dela, João, esteve presente no hospital e acompanhou seus últimos momentos de vida.

Nayane conta que um dos sonhos da irmã era de também ser mãe e de ajudar a família. "Mariane viveu intensamente, desde criança até a fase adulta, até o último dia. É como se ela soubesse que a passagem dela aqui seria curta".

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