No início de maio comunidade de Lobo Leite, em Congonhas, festejou o retorno da imagem de São Benedito, possibilitado por denúncia na plataforma digital Sondar

 -  (crédito: Daniel Silva/Prefeitura de Congonhas – 10/5/24)

No início de maio comunidade de Lobo Leite, em Congonhas, festejou o retorno da imagem de São Benedito, possibilitado por denúncia na plataforma digital Sondar

crédito: Daniel Silva/Prefeitura de Congonhas – 10/5/24

 

A esperança é sempre a última que morre – assim pensam mineiros incansáveis na luta pela volta de peças sacras furtadas de igrejas, capelas e museus, ao longo de décadas, no estado. A recente devolução de objetos de fé em Congonhas, na Região Central do estado, e Santa Luzia, na Grande BH, reacende a chama da confiança. E haja esperança e ação para garantir o retorno de imagens, cálices, castiçais, partes de altares, entre outros, dos séculos 18, 19 e início do 20. Conforme levantamento divulgado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), via Coordenadoria das Promotorias de Justiça e Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico do Ministério Público de Minas Gerais (CPPC), há 1.863 bens desaparecidos, 627 resgatados e 99 restituídos aos locais de origem.

 

 


Nesta semana marcada pelo Dia de Corpus Christi, o EM mostra 10 bens espirituais e culturais de cidades mineiras – retratos do que já foi levado pelos ladrões –, e faz ecoar o apelo de moradores. “A população tem esperança, mas muitos acreditam que a imagem de Nossa Senhora do Carmo, da Matriz de Santa Cruz, possa até estar no exterior. De todo jeito, pedimos sensibilidade a quem está ela para devolver nosso bem espiritual e cultural”, diz o secretário Municipal de Cultura e Turismo de Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha, Maurício Aparecido Costa.

 


Além da imagem de Nossa Senhora do Carmo, ladrões levaram, no final da década de 1980, uma peça de prata, a “Luz do Santíssimo”. Desapareceram também as imagens de Santana e Santa Efigênia. “Houve uma comoção na cidade, ninguém se conforma até hoje. O lamento é geral. Naquela época, diferentemente de agora, as igrejas e capelas não tinham sistema de alarme, era tudo muito frágil. Nossos templos sempre ficaram abertos para todo mundo entrar e rezar”, observa o secretário.

 


Em Campanha, no Sul de Minas, o sentimento é o mesmo. “A esperança é um sentimento que não se apaga, ainda mais quando se teve parte da história arrancada”, ressalta o cônego Bruno César Dias Graciano, titular da Paróquia Santo Antônio. Há 30 anos, foram furtadas 28 peças sacras do Museu Regional do Sul de Minas, pertencente à Diocese de Campanha e mantido pela prefeitura local, das quais foram resgatadas quatro, sendo a última a imagem de Nossa Senhora da Apresentação, em 17 de novembro de 2021, localizada em site de leilão de obras de arte.

 

 


Entre as ainda ausentes, se encontram Nossa Senhora do Rosário e São Elesbão, procuradas, juntamente com as demais, pelo MPMG, com informações disponíveis, incluindo fotos, e espaço para denúncias, na plataforma digital Sondar (Sistema de Resgate de Bens Culturais Desaparecidos). Como esperança precisa rimar com segurança, o prédio do museu, em Campanha, foi restaurado este ano, pela prefeitura, recebendo sistema de câmeras de vigilância, informa a secretária Municipal de Cultura, Esporte, Turismo e Lazer, Liliane Alves.

 


CHAMA ACESA

 

Ao longo do tempo, Minas já perdeu mais de 60% do seu acervo artístico esculpido nos tempos coloniais, Império e início do século passado. Preocupado com a situação e sempre atento à preservação do patrimônio, o coordenador da Associação Sociocultural Bem-te-vis, Wilton Fernandes Guimarães, do distrito de Itatiaia, em Ouro Branco, na Região Central, destaca: “Cada vez que lemos ou ouvimos uma notícia sobre a devoção de peças sacras, como ocorreu recentemente com a imagem de São Benedito, em Lobo Leite, Congonhas, e de Santa Rita de Cássia e um crucifixo, em Santa Luzia, ficamos mais otimistas, a esperança rebrota.”

 


Em 1994, ano traumático para o patrimônio de Minas, com muitos furtos em templos católicos, foram roubadas, da Igreja Matriz Santo Antônio, 21 objetos de fé do século 18, dos quais apenas três retornaram. Wilton acredita nas ações das autoridades, especialmente no trabalho da CPPC/MPMG, e pede que, para surtir efeito, as buscas tenham continuidade e as novas gerações fortaleçam o “sentimento de pertencimento, pois são bens coletivos”. Toda quarta-feira, a associação Bem-te-vis divulga, nas suas redes sociais, fotos das peças e o nome dos contatos para informações e denúncia.

 


INVESTIGAÇÃO

 

O retorno da imagem de São Benedito à Capela Nossa Senhora da Soledade, no distrito de Lobo Leite, em Congonhas, se tornou possível graças à denúncia na plataforma digital Sondar (Sistema de Resgate de Bens Culturais Desaparecidos), lançada em 2021, fruto da parceria do MPMG com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo o titular da CPPC/MPMG, promotor de Justiça Marcelo Maffra, “todo bem cultural com valor tangível ou intangível para uma determinada comunidade ou coletividade é passível de ser incluso no sistema”. O Sondar, com informações sobre todas as peças procuradas, pode ser acessado pela internet, por meio de computador, tablete ou celular, no endereço sondar.mpmg.mp.br.

 

No início de abril, a imagem de São Benedito (século 18), que seria vendida num leilão, em BH, foi retirada do pregão, por iniciativa do MPMG e da direção do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) e entregue às autoridades por um homem, cujo nome não foi divulgado. O retorno a Lobo Leite, distante 12 quilômetros do Centro de Congonhas, ocorreu em 9 de maio, com aplausos e muita alegria entre os moradores, a exemplo da costureira Maria Ângela Santana da Silva e de Jorge André Claudino, aposentado. Os dois estiveram na sede da CPPC, em BH, para identificar a peça anunciada erroneamente, no leilão, como São Elesbão. “Esperamos agora pela volta das demais peças”, diz Maria Ângela, confiante.

 


A imagem de São Benedito foi furtada na madrugada de 4 de outubro de 1996 – foi a segunda ocorrência no templo, sendo a anterior em 23 de janeiro de 1981. Das seis peças furtadas em 1996 – Nossa Senhora da Soledade (padroeira do distrito), Nossa Senhora das Dores, São José, São Joaquim, São Benedito e Santo Antônio – foram encontradas quatro (Santo Antônio, Nossa Senhora das Dores, São José e São Benedito).

 

 

Conforme registro, foram levadas em 1981 as imagens de São Brás, Nossa Senhora da Conceição, duas de Nossa Senhora do Rosário (uma grande e outra pequena), São Sebastião (pequeno), Santana com a filha e do Menino Jesus da imagem de São José, além de um crucifixo, 12 coroas de prata e uma âmbula e um cálice, ambos de ouro.

 


Já em Santa Luzia, na RMBH, a festa ocorreu em 16 de abril, com a volta da imagem de Santa Rita de Cássia e de um crucifixo pertencentes ao acervo da Capela São Batista, que completa 120 anos e fica no Bairro da Ponte. A campanha para a volta das peças, desaparecidas havia mais de 50 anos do templo, resultou de mobilização comunitária, iniciada em 2010, tendo à frente a professora Sandra Gabrich e o biólogo Cristiano Massara. Antes de Santa Rita e do crucifixo, foram devolvidas cinco imagens, já nos altares. Emocionada, Sandra afirmou que “o acervo faz parte da história de cada um, além de remeter aos antepassados”. Especificamente sobre a imagem da santa, o caso foi entregue à CPPC, que conduz a campanha “Boa Fé” para devolução voluntária de bens integrantes do patrimônio cultural do estado.

 


PERTENCIMENTO

 

A alegria das pessoas durante a devolução das peças mostra que, muito mais do que religioso, o acervo sacro é um bem de toda a comunidade. E serve para iluminar a relação de fé e afeto das pessoas com seus “tesouros”. “Atualmente, quando falamos de patrimônio cultural ou de bens desaparecidos, estamos nos referindo ao nosso presente, de como recebemos esse legado dos antepassados, de como cuidamos dele e do que fazemos para preservá-lo às futuras gerações”, diz o historiador Raphael Hallack, consultor do Projeto Sondar na CPPC/MPMG.

 


Portanto, “quando um bem desaparece, resultado de furto, roubo ou extravio, se vão junto com ele nossas histórias, memórias e afetos, algo cujo valor não pode ser mensurado, algo que fala sobre nossa identidade e pertença”, explica Hallack. “Quando um bem cultural desaparece, também some algo que pertence a todos nós, e deixamos de ser um pouco mais mineiros”, acrescenta o historiador. 

 

RETRATOS DE JOIAS DESAPARECIDAS

 

1)Nossa Senhora do Rosário, de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Peça do século 18, em madeira policromada, com 60 centímetros de altura. Furtada em 29/6/2010.

 

2) São Joaquim, da Capela Nossa Senhora da Soledade, do distrito de Lobo Leite, na Região Central de Minas. Peça do século 18 em madeira esculpida e policromada. Houve furtos em 1991 e 1996, com grande perda para o acervo, incluindo a imagem da padroeira.

 

3) São Miguel Arcanjo, da Igreja Matriz Santo Antônio, do distrito de Itatiaia, em Ouro Branco, na Região Central de Minas. Imagem do século 18, com 75 centímetros de altura e 32cm de largura. Furtada em 17/11/1994, quando foram roubados 21 objetos de fé do século 18, dos quais apenas três retornaram.

 

4) Santana Mestra, da Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Couto de Magalhães de Minas, no Vale do Jequitinhonha. Peça em madeira esculpida, policromada e dourada, com 60 centímetros de altura. A mão esquerda do santo segura um livro. Furtada em 30/10/1994.

 

 

5) Nossa Senhora do Carmo, da Igreja Matriz Santa Cruz, em Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha. Escultura do século 18, com 80 centímetros de altura, em madeira policromada. Furtada em 18/9/1994. Foram levadas também a “Luz do Santíssimo”, peça de prata, e as imagens de Santana e Santa Efigênia.

 

6) Nossa Senhora do Rosário, do Museu Regional do Sul de Minas, em Campanha, no Sul de Minas. A peça do século 18, entalhada, em policromia, tem 71,70 centímetros de altura e 34,07 centímetros de largura. Furtada em 3/7/1994. Na época, foram levados 28 objetos de fé, dos quais quatro já retornaram.

 

7) São Miguel Arcanjo, da Igreja Matriz Nossa Senhora dos Prazeres, do Serro, no Vale do Jequitinhonha. Imagem esculpida, policromada e dourada, com ornamentos em ouro. Tem 66 centímetros de altura. Furtada em 11/10/1992.

 

8) São Vicente Ferrer, da Igreja Matriz Santo Antônio, em Itacambira, no Norte de Minas. Peça com 72 centímetros de altura e 42cm de largura. Furtada em 15/2/2012.

 

9) São Elesbão, do Museu Regional do Sul de Minas, em Campanha, no Sul de Minas. Em madeira esculpida e policromada, a peça do século 18 tem 43,9 centímetros de altura e 22cm de largura.

 

10) Anjo tocheiro, da Igreja Matriz São Caetano, no distrito de Monsenhor Horta, em Mariana, na Região Central de Minas. A escultura em madeira, com policromia e douramentos tem 100 centímetros de altura e 12 centímetros de largura. Furtada em 18/1/2004.

Fonte: Sondar/CPPC/MPMG