Em 2024, até o fim de abril, foram registrados 1 mil acidentes envolvendo bicicletas em Minas Gerais, segundo dados do Observatório de Segurança Pública do estado. Desses, 14 resultaram em mortes. A capital mineira soma 50 casos – as avenidas Cristiano Machado, Otacílio Negrão de Lima e Tereza Cristina estão no topo dos locais de ocorrência.
Os números alarmantes têm causado medo nos ciclistas mineiros. No Dia Mundial da Bicicleta (3/6), o Estado de Minas conversou com praticantes do esporte sobre as dificuldades que quem está sobre uma bicicleta enfrenta nas ruas e rodovias do estado.
Um deles é o treinador esportivo Renato Ferreira. Após oito anos como triatleta, ele abandonou o ciclismo por insegurança no trânsito. Os acidentes envolvendo colegas praticantes do esporte eram parte da rotina ora divertida, ora angustiante do ex-atleta, que afirma ter se sentido “sem lugar” nas vias públicas.
“Presenciei muitos acidentes acontecendo, é algo comum. Tanto por uma simples queda quanto por carros jogando o ciclista no chão e causando ferimentos. Muitos atletas são assaltados em trilhas de mountain bike, por exemplo, as bicicletas hoje são muito caras, é um risco”, revela Ferreira.
Segundo ele, o risco de acidentes com ciclistas em estradas é "muito grande" e, caso acontecesse com Ferreira, o impediria de trabalhar, já que é atleta. “Quando eu ia pedalar, eu não ficava confortável num ambiente com carros passando em alta velocidade, e os motoristas não estão acostumados com ciclistas. É uma questão de educação mesmo. Tem ciclista que anda no passeio e carro que invade ciclofaixa. Eles não têm educação para compartilhar uma via de estrada”, avalia o ex-ciclista.
A triatleta Elaine Silveira relata medos semelhantes aos de Renato, mas também traz à tona o receio de pedalar sozinha sendo mulher. “Já me senti várias vezes desmotivada, porque a gente fica escolhendo o lugar para pedalar e cada vez que você sabe de um assalto, de um assédio ou de um acidente, a gente fica temerosa de sair, especialmente na condição de mulher”, disse ela, que também é psicóloga.
Como medida de segurança, a ciclista disse que, nos dias de semana, só pedala por volta de 5h da manhã para evitar fluxo de carros, sempre avisa pessoas próximas de sua localização, não pedala à noite sozinha e não transita com a bicicleta visível no carro para não chamar atenção.
Mortes recentes
Nesta semana, mais uma morte de ciclista foi registrada nas rodovias mineiras. Na quinta-feira 30 de maio, a campeã paulista de ciclismo de estrada de 2021, Laís Mendes Soares, de 43 anos, foi vítima de uma colisão frontal com automóvel numa rodovia vicinal, próximo a Delfinópolis, no Sul de Minas.
A morte de Laís é a terceira envolvendo ciclistas somente neste mês em estradas mineiras. Em 1º de maio, Thauan Maciel, de 26 anos, morreu atropelado por uma van na BR-040, próximo a Paraopeba, na Região Central de Minas. No dia seguinte, o ciclista Carlinho Ribeiro morreu depois de ter sido atropelado na MG-050, em São Sebastião do Paraíso, no Sudoeste do estado.
No domingo (3/6), um adolescente de 14 anos também morreu atropelado por um ônibus em Sabará, na Grande BH. No dia 14 de abril, o ciclista Fabrício Bruno da Cruz de Almeida, de 38 anos, também foi vítima de um atropelamento no Centro de BH. A morte dele gerou protestos pela segurança no trânsito em frente à sede da Prefeitura de BH.
Diminuição nos acidentes
Apesar de alarmantes, os números de acidentes em 2024 demonstram queda de 3,6% em relação a 2023. No entanto, especialistas explicam que esse não é um motivo para se comemorar. “Não existe uma queda, o que acontece é uma migração dos ciclistas para outros meios. Há um desestímulo e falta de percepção de segurança dessas pessoas”, explicou o diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (AMMETRA), Alysson Coimbra.
“Não tem em Belo Horizonte uma integração desse modal com os outros. As ciclovias e ciclofaixas não acompanham a necessidade de locomoção da população para seus serviços essenciais por um entendimento do poder público de que a bicicleta é utilizada apenas para lazer e esporte”, afirmou o especialista.
Ainda segundo os dados do Observatório de Segurança Pública, a principal causa dos acidentes é a falta de atenção. “Esse indicador é sobre todos os integrantes do sistema de trânsito. A população está mais vulnerável em relação à saúde mental e psicológica nesse período pós-pandemia, o que causa déficits de atenção ao dirigir. A ansiedade faz com que haja bloqueio visual e auditivo, por exemplo”, esclareceu Coimbra.
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O especialista ainda aponta uma defasagem na legislação de trânsito quanto ao tema. “O Código de Trânsito Brasileiro deixa a desejar quanto às questões relacionadas à saúde mental. Há uma clara mudança do perfil psicossocial de todos os integrantes do trânsito, a população está mais depressiva, distraída, ansiosa e egoísta”, completou.
A faixa etária de ciclistas que mais se envolve em acidentes de trânsito é de 18 a 29 anos e a explicação para este fato é biológica. “Pessoas nessa fase da vida estão em desenvolvimento cerebral e sofrem com mais frequência episódios de oscilação da saúde mental, por isso é mais comum que adotem hábitos inseguros no trânsito. Não só os ciclistas, mas em todos os modais, essa faixa etária é a que mais se acidenta, sofre sequelas e morre no trânsito”, elucidou Coimbra.
*Estagiárias sob a supervisão do subeditor Fábio Corrêa