Advogados criminalistas, Hudson Maldonado e Pedro Cassimiro foram assassinados em Minas Gerais no fim de maio -  (crédito: Redes Sociais / Reprodução)

Advogados criminalistas, Hudson Maldonado e Pedro Cassimiro foram assassinados em Minas Gerais no fim de maio

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O homicídio de dois advogados em Minas Gerais deu força a um antigo pleito dos profissionais da categoria: o direito ao porte de arma. A permissão já é tema do Projeto de Lei (PL) 227/2024, de autoria dos deputados federais Sargento Gonçalves (PL-RN) e Carla Zambelli (PL-SP), e tramita na Câmara dos Deputados. Na próxima sexta-feira (7/6), integrantes do Colégio de Presidentes das Subseções da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no estado vão se reunir em Montes Claros, na Região Norte, para formalizar o apoio da categoria ao texto e pedir celeridade na tramitação da proposta. 


O documento prevê a inclusão de advogados nas leis 10.826, de dezembro de 2023, e 8.904, de julho de 1994, que dispõem sobre a prerrogativa do porte de arma de fogo para defesa pessoal de juízes, promotores e procuradores da República. A proposta foi apresentada na Câmara dos Deputados em 8 de fevereiro deste ano, mas aguarda apreciação do plenário desde o dia 23 do mesmo mês. 


O presidente da OAB-Minas, Sergio Leonardo, faz coro ao texto e defende que a advocacia tenha os mesmo direitos que as demais categorias do Judiciário. Depois da oficialização do parecer durante o encontro de dirigentes das 251 subseções mineiras, o documento será levado ao Conselho Seccional. A previsão é que a segunda reunião aconteça no dia 14 de junho. 


 

“Estamos construindo uma mobilização para apoiar e pedir celeridade na tramitação do Projeto de Lei. Defendemos a prerrogativa do porte de arma de fogo em isonomia com magistrados e membros do Ministério Público, que já têm esse direito, tendo em vista que inequivocamente a advocacia é uma profissão de risco, especialmente a advocacia criminal, e episódios recentes não deixam dúvida quanto a isso”, diz Sérgio Leonardo. 


Morte de advogados 


Em uma semana, dois homicídios envolvendo juristas em exercício foram registrados em Minas Gerais. Em 22 de maio, o criminalista e ex-delegado do estado Hudson Maldonado Gama, de 86 anos, foi queimado vivo por um ex-policial civil acusado de extorsão por uma cliente do defensor, em Sete Lagoas, na Região Central. O crime teria sido motivado por vingança. Dois dias depois da ocorrência, Rodrigo César Costa Barbosa, de 52 anos, se entregou à polícia. Em depoimento, o homem afirmou que não pretendia matar o ex-delegado e sim agredi-lo. 


Cinco dias depois da morte de Hudson, o também advogado Pedro Cassimiro Queiróz Mendonça, de 40 anos, foi executado com, ao menos, 30 tiros em Ibirité, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Apesar da investigação preliminar não apontar se a motivação do crime teria sido a atuação profissional de Pedro, o crime se soma ao do colega em Sete Lagoas e assusta a categoria. 


Na época, a Associação Nacional de Advocacia Criminal (Anacrim-MG) enviou uma petição ao governo de Minas pedindo a criação de uma delegacia especializada na prevenção e combate de crimes praticados contra juristas. Para Bruno Cândido, presidente da organização, entre os fatores que motivaram o requerimento está o aumento de crimes brutais contra profissionais do ramo em exercício. 


“Entendemos que a advocacia que faz parte da Justiça, fazemos parte da administração da Justiça, tem que ter uma delegacia especializada, não só de combate ao crime para punir, mas também para prevenir que eles aconteçam”, ressaltou.


No entanto, o presidente da Ordem dos Advogados no estado afirma que não há registro de aumento da violência contra profissionais da área que justifique a implementação de um equipamento exclusivo para investigações. Para ele, o que a categoria precisa é “garantir que a advocacia possa ser exercida com mais segurança”. Questionado se o porte de arma teria provocado um desfecho diferente das ocorrências do fim de maio, Sérgio Leonardo afirma que, devido à “forma brutal como as ações foram praticadas”, as vítimas não teriam conseguido se defender da mesma forma. 


“Mas, a partir do momento que você dissemina uma informação generalizada e uma consciência coletiva que o advogado pode estar armado, isso pode mudar a coragem que bandidos têm de atacarem um advogado, porque eles passarão a ter dúvida, porque aquela pessoa pode estar armada”, defende. 

 

Cultura armamentista

 

Apesar de representantes dos advogados do país apoiarem o porte de arma de fogo pela categoria, visando maior proteção e queda das ocorrências devido ao exercício da profissão, a discussão também traz à superfície questões sobre a cultura armamentista no país. Dados do anuário do Fórum Nacional de Segurança Pública de 2023 apontam que a quantidade de registros de armas de fogo nas mãos de Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs) em Minas Gerais aumentou 175% nos últimos seis anos. Em 2017, primeiro ano registrado, Minas tinha pouco mais de 54 mil armas de fogo registradas. Em 2022, o número subiu para quase 149 mil. Os números colocam o estado em terceiro lugar do ranking nacional, atrás apenas de São Paulo, com 283 mil registros, e do Rio Grande do Sul, que possui 162 mil armas legalizadas.

 

Para o especialista em Segurança Pública, Luís Flávio Sapori, apesar dos relatos de homicídio de advogados, não há dados que comprovem uma “epidemia” de crimes violentos praticados contra a categoria no país, que justifique a liberação do direito aos armamentos. Ao contrário do que prevê o presidente da OAB-MG, o ex-secretário-adjunto de Segurança Pública do estado afirma que estudos científicos sobre o tema evidenciam que o porte de armas não inibe ações criminosas e, sim, aumenta a possibilidade de desfechos letais em situações de conflito.

 

“Há uma probabilidade, inclusive, de quem tem a licença se envolver em conflitos de vizinhança, brigas de trânsito, feminicídio usando armas de fogo. O que acontece é exatamente ao contrário do que espera a categoria e aumenta a possibilidade dos advogados se tornarem autores de homicídios”, afirma.

 

Sapori explica que as armas dão às pessoas uma sensação de “falsa segurança”. Isso porque o armamento proporciona um sentimento de poder ao indivíduo, deixando-o propício a acreditar que será capaz de resistir a qualquer atentado à sua vida e patrimônio. “Esse é o simbolismo da arma de fogo, é o que ela representa diante desse contexto social, em especial na sociedade brasileira que apresenta onde há violência e insegurança pública muito grande. As pessoas vivem com medo. O medo de ser vítima de crimes é uma característica do nosso cotidiano. Mas, quanto mais armas de fogo são disseminadas em uma sociedade como a brasileira, maiores são as probabilidade de ocorrência de homicídios, principalmente os banais”, enfatiza.