Enquanto moradores relatam constantes episódios de desabastecimento em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 56% da água potável captada e tratada na cidade é desperdiçada por falhas e fraudes na distribuição. O município, abastecido pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), ocupa a 92ª posição em um ranking que inclui as 100 cidades brasileiras mais populosas e foi organizado em ordem crescente de perda de água pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e o Instituto Trata Brasil. Ou seja, é um dos piores do país nesse quesito.
O empreendedor Edson Lima é morador de Ribeirão das Neves, no Bairro Sevilha B, próximo à região central da cidade e relatou que, mesmo tendo uma caixa d'água, já chegou a ficar um dia inteiro sem abastecimento. Para ele, a raiz do problema está muito próxima: os vazamentos. “Temos um problema muito grave de vazamentos no bairro. Toda semana estoura um cano da Copasa aqui e (os responsáveis pelo abastecimento) demoram dois ou três dias para arrumar. A rua está cheia de crateras no calçamento porque não reestruturam a rede, só fazem ‘remendos’ com manutenção”, reclamou. Segundo ele, essas obras recorrentes atrapalham o trânsito e impedem a circulação de veículos, além de deixar muita poeira por dias.
Também no Bairro Sevilha B, a gerente administrativa Fernanda Barbosa relata que “tem faltado água com mais frequência”. “Trabalho durante a semana e preciso cuidar de meus afazeres domésticos no fim de semana, então fica bem difícil, porque nunca tem água nesses dias. E eles não dão nenhuma explicação ou motivo pela falta de água. Já teve dias em que precisei ir pra casa da minha irmã pra tomar banho”, relatou Fernanda.
A faxineira Cristina Gomes, moradora do Bairro Santa Marta, convive diariamente com vazamento de um cano da companhia que abastece sua casa. “Precisei trocar meu hidrômetro porque pago a taxa mínima e o valor estava vindo mais alto na leitura. Assim que a equipe foi até a minha casa trocar, começou a vazar uma água por baixo da terra, eu percebi o solo molhado e o barulho da pressão da água passando. Isso tem mais de uma semana. Já entrei em contato com a Copasa e eles ainda não foram olhar”, contou.
“A conta está cara, na tarifa mínima, pago R$ 50 a R$ 60. Tento economizar o máximo que posso, lavo roupa com a mesma água duas vezes e depois aproveito para lavar o quintal. O dinheiro já não está dando, então não posso gastar muito com água”, relatou Cristina.
O Estado de Minas foi até Ribeirão das Neves ontem (7/6) e conversou com um funcionário de uma empresa terceirizada pela Copasa, que não quis se identificar. O funcionário informou que abastece hidrantes no município todos os dias, de três a quatro vezes, há pouco mais de um ano. Em uma das entradas da cidade, a reportagem chegou a registar a presença de quatro caminhões-pipa com água potável.
FRAUDES
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Segundo a Copasa, a perda de água por distribuição apontada pelo estudo do Trata Brasil em Ribeirão das Neves se deve, principalmente, ao “elevado número de fraudes nas ligações de água”, os populares gatos. Ainda de acordo com a companhia, as perdas por fraudes são superiores às provocadas por vazamentos.
A Copasa afirmou que vem realizando constantes operações para detecção das fraudes, com denúncias levadas ao conhecimento de órgãos de segurança pública como Ministério Público e Polícia Civil.
“Diariamente é possível registrar fraudes nas ligações de água nesse município, em todas classes sociais, inclusive em condomínios considerados de alto poder aquisitivo”, completou.
Quanto aos vazamentos, a Copasa alega estar atuando de “forma mais concisa” para redução dos tempos de correção com trabalhos de engenharia, para que se reduzam os quantitativos de vazamento na região. A companhia afirma que, neste ano, os números já apontam queda nos indicadores.
Ribeirão das Neves caiu uma posição no ranking de perdas por distribuição em relação ao mesmo estudo divulgado no ano passado. No ano-base 2021, o município registrou 57,31% de desperdício em relação ao total de água captada. Em 2022, período considerado pelo Instituto Trata Brasil para o atual levantamento, a cidade totalizou 56,61%, o que representa uma redução de 0,7 ponto percentual.
A Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG) afirmou que fiscaliza e estipula as metas de redução de perda de água em todos os municípios em que a Copasa atua, porém, a avaliação considera o resultado global da companhia. A autarquia informou que a concessionária teve sua receita reduzida em R$ 19 milhões por não ter alcançado as metas de diminuição de perdas estabelecidas em 2023.
A Arsae-MG destacou que realizou uma fiscalização em Ribeirão das Neves em novembro de 2023 e segue “atenta e cobrando” à Copasa a correção dos problemas apontados. “Eles têm prazos para resolver, e se não resolvidos, há o processo sancionatório, que pode chegar à multa”, informou a autarquia.
A Prefeitura de Ribeirão das Neves informou, em nota, que a gestão de água e saneamento no município é realizada pela Copasa, portanto, os índices geralmente são acompanhados pela companhia. Ressaltou que a gestão municipal está atenta a essa questão e cobrará da Copasa ações educativas e de combate ao desperdício .
CENÁRIO NO ESTADO
Minas Gerais é palco de duas realidades distintas sobre o tema. O município de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, é um exemplo positivo entre as 100 cidades mais populosas do Brasil, ocupando a oitava posição no ranking. O indicador médio nacional de perda de água por distribuição é 35%, Uberlândia atinge 22,8% anualmente, em contraposição a Ribeirão das Neves, na 92ª, com mais da metade da água potável desperdiçada. O estado perdeu mais de 36% de toda a água potável produzida por falhas na distribuição. Em Belo Horizonte, o desperdício é de 41, 8%.
Os números, referentes ao ano-base 2022, revelam uma oscilação em passos lentos, sem melhora significativa, e crescimento de cerca de 0,3% em relação ao ano anterior. Caso o desperdício atingisse o marco zero, 1,8 milhão de mineiros poderiam ser abastecidos.
Segundo a presidente do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, o ideal é que o percentual de água desperdiçada durante o abastecimento gire em torno dos 25% ou menos. De acordo com o levantamento, somente nove dos 100 municípios mais populosos do país conseguiram ficar abaixo desse índice em 2022.
“A evolução em relação às perdas de água são muito baixas. Tem-se investido muito pouco e priorizado pouco a redução de perdas de água. Temos como meta chegar em 24% até 2034. Minas tem o desafio de reduzir 12 pontos percentuais nos próximos 10 anos para atingir a meta”, alertou Pretto. A presidente do Trata Brasil destacou as mudanças climáticas como uma preocupação no cenário do abastecimento nacional e afirmou que o tema precisa ganhar mais atenção das autoridades.
“Esse tema precisa ser colocado na agenda dos municípios e das companhias de saneamento básico, principalmente agora com esse cenário de mudanças climáticas. Não teremos mais a vazão e o regime de chuvas do passado. Não podemos garantir que a vazão média de um rio vá ser a mesma daqui a 10 anos e, por conta disso, vamos precisar reduzir perdas para ter um volume maior de água no sistema de distribuição. A população vai continuar crescendo e consumirá mais água”.
Além dos riscos de escassez hídrica, há também o impacto no bolso do consumidor. “Precisamos ter uma grande redução e constância para atingir a meta. Estamos falando de uma água que é captada no rio, recebe produtos químicos para o tratamento, utiliza energia elétrica para ser bombeada até as casas, isso tem um custo para o cidadão”, elucidou Pretto.
INVESTIMENTOS
Segundo Luana Pretto, é impossível diminuir as perdas a zero porque há limites técnicos e econômicos que impedem isso. No entanto, ela afirma que o patamar pode ser reduzido para atingir a meta fixada pelo governo. Para isso, será necessário investimento. Hoje, segundo ela, a média de investimento no Brasil é de R$ 111 por habitante por ano, menos da metade dos R$ 231 necessários. Ainda de acordo com Pretto, há uma relação direta entre investimento e acesso ao saneamento básico e redução de perdas. Além disso, disse, não existe um plano estruturado de redução e por outro lado ainda há muita gente sem acesso ao saneamento.
As perdas por cidades
Menores*
1ºNova Iguaçu (RJ)3,29%
2ºSantos (SP)16,81%
3ºGoiânia (GO)17,27%
4ºCampo Grande (MS)19,80%
5ºCampinas (SP)20,19%
6ºLimeira (SP)20,19%
7ºSão José do Rio Preto (SP)20,54%
8ºUberlândia (MG)22,84%
9ºSuzano (SP)23,05%
10º Petrópolis (RJ)23,35%
Maiores*
91ºRio Branco (AC)56,59%
92ºRibeirão das Neves (MG)56,61%
93ºCuiabá (MT)58,99 %
94ºRecife (PE)60,09%
95ºRio de Janeiro (RJ)60,66%
96ºSão João de Meriti (RJ)66,12%
97ºBelford Roxo (RJ)66,40%
98ºJaboatão dos Guararapes (PE)69,38%
99ºMacapá (AP)71,43%
100ºPorto Velho (RO)77,32%
(*) Entre os 100 municípios mais populosos do Brasil
Fonte: Instituto Trata Brasil - dados de 2022
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho