O presidente e fundador do Grupo Farroupilha, Inácio Carlos Urban, indiciado por homicídio culposo devido à morte do então funcionário e piloto de avião Rodrigo Carlos Pereira, aos 39 anos, é dono de mais de 20 mil hectares de terras e diversas fazendas em Minas Gerais. Uma delas está localizada em Coromandel, no Alto Paranaíba, onde a aeronave pilotada por Rodrigo caiu em 7 de fevereiro de 2020. O indiciamento aconteceu em abril deste ano.
Inácio é natural da cidade de Não-Me-Toque, no Rio Grande do Sul. Os pais dele, descendentes de alemães, eram pequenos produtores rurais. Seguindo a tradição familiar, o Grupo Farroupilha, com sede em Patos de Minas, começou a tomar forma em 1976.
Oito anos depois, em 1984, o empresário comprou em Coromandel a Fazenda Rio Brilhante, com área de produção situada em altitude média de 1.150 metros. Somente o nome Rio Brilhante — que se tornou uma das cinco patentes registradas em marcas de café — chega hoje a mais de 30 países, segundo o grupo.
De modo geral, o conglomerado executa também atividades de produção, industrialização e comercialização de outros produtos agrícolas, como milho, soja, feijão, trigo e algodão, empregando mais de 600 pessoas por ano. O quantitativo, no entanto, passa de 1.000 colaboradores diretos nos períodos de safra. O grupo explora ainda a pecuária de corte, além de contar com um laboratório para produção e análise de sementes.
Entenda o caso
Além do megaempresário do agronegócio, o mecânico contratado por ele para dar manutenção no avião no dia do acidente, Rogério Dalla Santa, foi indiciado pela morte do piloto. Visando à pulverização de agrotóxicos, Rodrigo Carlos Pereira saiu com a aeronave do aeródromo de Coromandel e caiu na cabeceira da pista de pouso da Fazenda São Francisco, perto de uma lavoura de milho, dez minutos após a decolagem. O acidente aconteceu no primeiro voo depois dos reparos feitos por Dalla.
O piloto, apontado como “experiente” pela Polícia Civil, chegou a ser retirado com vida da aeronave, mas morreu a caminho do pronto-socorro do município. Rodrigo deixou uma mulher e dois filhos, que, à época do acidente, tinham 3 e 5 anos.
O Estado de Minas teve acesso ao inquérito policial encerrado em 12 de abril e remetido ao Ministério Público quatro dias depois. O documento aponta que o líder do Grupo Farroupilha contratou Dalla “para prestar clandestinamente” serviços de manutenção na aeronave. O mecânico não tinha a devida habilitação na Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e realizava as manutenções habitualmente.
Ao executar o serviço, Rogério Dalla utilizou peças que não eram originais, conforme destacado em trecho do despacho de indiciamento. “Se ele (o mecânico) era incapaz de identificar uma peça original da aeronave, não poderia ser capaz de dar manutenção segura na máquina”, disse a perícia.
No documento assinado pelo delegado Leandro Fernandes Araújo consta que a aeronave pilotada por Rodrigo e destinada à atividade aeroagrícola estava com defeitos “gravíssimos”, como, por exemplo, superaquecimento, vazamento de óleo do motor, corte de combustível e panes elétrica e termostática.
A Polícia Civil afirmou que Inácio Carlos Urban, dono do avião, “deixou de observar a cautela necessária para evitar o acidente de trabalho, assumindo culpa consciente ao negligenciar a contratação de um mecânico habilitado, bem como ao determinar que o piloto de sua aeronave e funcionário seguisse voando em precárias condições de segurança”. Logo, a instituição policial concluiu que Inácio explorava, em tese, de forma irregular a atividade aeroagrícola.
Em nota à reportagem, o departamento jurídico do Grupo Farroupilha alegou que o avião caiu porque houve falta de combustível, o que “configura responsabilidade exclusiva do piloto”. Em relação ao indiciamento do presidente do conglomerado por homicídio culposo, o grupo informou que “ainda não teve conhecimento formal” a respeito. A defesa do mecânico Rogério Dalla Santa não foi localizada. O espaço segue aberto para manifestações.
Defeitos crônicos nas bombas de combustível
No laudo pericial judicial apresentado nos autos de reclamação trabalhista, o perito concluiu que o piloto não considerava a possibilidade de pane seca — ou seja, quando o sistema não é capaz de fornecer combustível suficiente para permitir o correto funcionamento do motor. O documento revelou que o piloto solicitou o abastecimento do avião mais que suficiente para o trajeto de ida e volta.
Os defeitos crônicos nas bombas de combustível, bem como a posição ruim de leitura dos indicadores de nível e sua imprecisão, contribuíram para o atraso na decisão do piloto no momento de emergência, narra trecho do inquérito. Ainda de acordo com a perícia, o mecânico usou bomba não original, o que “poderia levar à perda ou consumo excessivo de combustível em voo”.