Lixo acumulado às margens do manancial: segundo a PBH, volume de detritos flutuantes recolhidos diariamente chega a cinco toneladas na estiagem e dobra no período chuvoso -  (crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Lixo acumulado às margens do manancial: segundo a PBH, volume de detritos flutuantes recolhidos diariamente chega a cinco toneladas na estiagem e dobra no período chuvoso

crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

A solução para a despoluição da Lagoa da Pampulha pode estar na união de esforços entre a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Prefeitura de Contagem, Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam-MG) e Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Essa é a aposta o Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG). Em reunião liderada pelo órgão e realizada na segunda-feira (10/6), os envolvidos se comprometeram a criar um comitê gestor para as questões da represa. O grupo precisa fazer um diagnóstico geral, atualizar os dados sobre o estado de poluição da lagoa e elaborar um plano, que deve ser executado em quatro anos.

 

Analista de controle externo do TCE-MG, Juliana Alvarenga explicou que a sistematização do procedimento de gestão é essencial para encontrar uma solução para a despoluição da lagoa. “Essa questão precisa ser tratada como uma unidade de planejamento a ser gerida pelos órgãos responsáveis. Não adianta, por exemplo, Belo Horizonte sozinha em uma vertente e Contagem em outra”, afirmou. Segundo a analista, o objetivo é reduzir drasticamente os fatores de pressão e nível de poluição, mas “não haverá uma solução absoluta”.

 

O projeto, definido depois de uma auditoria do órgão nos processos de recuperação do manancial, prevê a criação de um fundo unificado, que terá como agente executivo o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), mas ainda sem estimativa de recursos e orçamento. As discussões são incipientes. “A instrumentalização do acordo não foi estabelecida, o nível de discussão política é decisão das partes e não cabe ao tribunal decidir. O que se espera é que as partes busquem alternativas para captar esses recursos, mais eficientes, que tragam resultado adequado com menor custo possível”, pontuou Juliana Alvarenga.

 

A falta de unidade nas informações oferecidas pelas partes é um dos desafios do Tribunal de Contas, que é responsável por monitorar as ações traçadas pelo grupo. “Cada órgão faz a sua parte e não existe uma informação unificada. A realidade não foi apurada pela auditoria. Não encontramos dados gerais organizados, atuais, para determinar a causa principal desse problema”, relatou a analista.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) será incluído nas discussões para assegurar, na execução do futuro plano de despoluição, a preservação das características que deram à lagoa e ao conjunto de edificações projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907/2012) em seu entorno o título de Paisagem Cultural do Patrimônio Moderno, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2016. O Iphan tombou todo o conjunto moderno em 1997. 

 

O “X” DA QUESTÃO

Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), já são realizados serviços de tratamento das águas do reservatório, de manutenção contínua da orla e de recolhimento de lixo, além das ações de desassoreamento, com a retirada anual de milhares de metros cúbicos de sedimentos do fundo do lago. O volume de lixo flutuante removido diariamente corresponde, em média, a 5 toneladas durante a estiagem e a 10 toneladas no período chuvoso.

 

“O mau cheiro que pode ocorrer nas proximidades do Parque Ecológico, em especial na foz dos córregos Sarandi e Ressaca, bem como na região da barragem, tem como causa deficiências na infraestrutura de esgotamento sanitário, cuja responsabilidade de operação, manutenção e expansão cabe à Copasa”, afirmou o Executivo municipal em nota.

 

A PBH ainda afirmou que vem atuando no sentido de assegurar que a Copasa cumpra o acordo judicial firmado no âmbito da Justiça Federal, por meio do qual a concessionária está obrigada a viabilizar os investimentos e a implementar as ações para que, no prazo de até cinco anos, a totalidade dos esgotos da Bacia da Pampulha seja adequadamente coletada e tratada, impedindo a ocorrência de lançamentos in natura nos córregos e, por consequência na lagoa.

 

 

Segundo dados constantes do último Relatório Trimestral do Plano de Ação em execução pela companhia, na Bacia da Pampulha, de janeiro de 2022 até dezembro de 2023, 3.373 ligações de esgoto foram executadas, o que corresponde a 35% da meta. Desse total, 957 estão em Belo Horizonte.

 

Procurada pelo Estado de Minas, a Copasa informou que mantém em execução todas as ações previstas no plano, das quais 36% já foram realizadas. Disse ainda que representantes da companhia estiveram presentes na reunião que marcou a criação do comitê gestor. Em nota, a companhia afirmou entender que a criação do grupo trará maior transparência e direcionamento às ações para a recuperação mais rápida da Lagoa da Pampulha.

 

As obras de universalização do tratamento de esgoto na Lagoa da Pampulha começaram no início deste ano. Ao longo do Plano de Ação, a Copasa será responsável pelas obras de infraestrutura necessárias para a interligação dos 9.759 imóveis factíveis e potenciais da bacia ao sistema de esgotamento sanitário.


PROBLEMA COMPLEXO

A analista do TCE-MG afirmou que os esforços da Copasa são satisfatórios, mas não suficientes, uma vez que as ligações são feitas apenas em residências. “Nada impede que as indústrias continuem despejando resíduos e que as pessoas que tenham fossas em casa não façam a ligação e continuem descumprindo as leis ambientais”, pontuou.

 

Para o engenheiro sanitarista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marcelo Libânio, a questão é complexa e envolve esforços tanto de Belo Horizonte quanto de Contagem, que abriga os córregos que deságuam na bacia da lagoa. “A contaminação vem dos córregos Sarandi e Ressaca. A recuperação de lagos urbanos em países em desenvolvimento, como no caso do Brasil, é complicada, porque acontece a poluição pontual, que seria o lançamento de esgoto, e a poluição difusa, que vem de outros rios, como na Pampulha.”

 

Libânio acredita que a situação de poluição na lagoa melhorou em relação aos últimos 15 anos e que a integração das partes envolvidas no acordo pode ser eficaz, mas outros contextos precisam ser analisados. “A solução ideal é evitar que a água pluvial seja fonte de contaminação. Para isso, é preciso tirar as pessoas da miséria. As condições ambientais invariavelmente acompanham as condições socioeconômicas.”

 

De acordo com o TCE-MG, a Lagoa da Pampulha atingiu parâmetros de classe 3 no Enquadramento dos Corpos D’água, definido pelos comitês das bacias hidrográficas. Ou seja, poderiam ser destinadas à irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto, à aquicultura e à atividade de pesca. Atualmente, a Corte percebe esforços para que a bacia se enquadre na classe 2. “Não é o suficiente para deixar a água em condições de uso para nadar e esportes náuticos, por exemplo”, explicou a analista do TCE.

 

São consideradas classe 2 águas com limites químicos degradantes mais controlados, que podem ser destinadas à pesca amadora, à recreação de contato secundário, e à dessedentação de animais. A título de comparação, o nível 1 da classificação representa águas que podem ser destinadas ao abastecimento para consumo humano, após tratamento simplificado, à proteção das comunidades aquáticas, à recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho.

 

Enquanto o problema da poluição não se resolve, projeto de lei que tramita na Câmara Municipal, aprovado em primeiro turno no dia 5, proíbe práticas recreativas de qualquer natureza na lagoa sem autorização da PBH. A norma ainda prevê multas que variam de R$ 1 mil até R$ 10 mil. O Projeto de Lei 842/2024 altera a Lei n° 1.523/68, que dispõe sobre o uso da Represa da Pampulha, e prevê multa de R$ 1 mil por pessoa e apreensão de barcos ou qualquer tipo de embarcação. A multa pode ser aplicada em dobro caso haja reincidência. Pessoas flagradas pescando ou nadando nas águas da lagoa estariam sujeitas apenas a uma notificação educativa. Caso a mesma pessoa seja flagrada uma segunda vez, poderá ser multada em R$ 1 mil, prevê o projeto.


PASSADO ESPORTIVO

Nos anos 1950, quando a capital contava com pouco mais de 350 mil habitantes, era comum os jovens se reunirem à tarde para praticar esportes náuticos, passeios de canoas, barcos a vela e barcos a remo, além de guiarem lanchas e iates na Lagoa da Pampulha. Naquela época, os moradores também aproveitavam para pescar e fazer piqueniques às margens do lago.

 

Competições como o Festival Internacional de Remo e os Jogos Universitários Brasileiros já ocorreram nas águas da lagoa. Foi naquela época que se popularizaram os clubes de lazer no local. O Pampulha Esporte Clube funcionou até a década de 1950, tendo encerrado as atividades após o rompimento da barragem, em 1954. Além dos esportes náuticos, o entorno da Lagoa da Pampulha sediou corridas de carros de 1940 a 1970. Em 1949, uma prova famosa foi organizada pelo Automóvel Clube do Brasil, com suporte e apoio da prefeitura. 

 

Bacia de 96km2

A Bacia Hidrográfica da Pampulha, onde está localizada a lagoa, um dos principais pontos turísticos do estado, ocupa aproximadamente 96 quilômetros quadrados, com população estimada em 460 mil habitantes. A bacia reúne 507 nascentes, sendo 56% localizadas em Contagem e 44%, em Belo Horizonte. Além disso, dispõe de oito afluentes diretos.

 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho