Na nossa visão, o professor é e sempre será o centro de uma universidade. Ele não vai ser substituído pela tecnologia. -  (crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Na nossa visão, o professor é e sempre será o centro de uma universidade. Ele não vai ser substituído pela tecnologia.

crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press

No comando de um grupo que acumula cerca de 400 mil alunos matriculados, Marcelo Battistella Bueno, CEO da Ânima Educação, diz que a preparação para um ensino híbrido começou antes da pandemia, inspirada por tendência observada no varejo. “O que nós temos visto é que os estudantes querem usar mais ou menos tecnologia de acordo com a área do saber”, detalhou em entrevista ao EM Minas, programa da TV Alterosa, em parceria com o Estado de Minas e o Portal Uai.

 

Na avaliação do executivo, com a ampla disponibilidade de conteúdo na internet, o papel da sala de aula mudou. Ele vê como positiva a presença cada vez mais forte da inteligência artificial (IA) no cotidiano dos alunos e dos professores. E acredita que, enquanto a tecnologia pode substituir tarefas mecânicas e escaláveis, as competências humanas, como trabalho em equipe, respeito à diversidade e empatia, continuarão sendo insubstituíveis, e devem ser ensinadas em sala de aula.

 

Nesta entrevista, ele discute a evolução do sistema educacional rumo a um modelo concentrado em competências, deixando para trás o tradicional enfoque conteudista. Aborda ainda a importância das competências perenes, ou soft skills, que considera fundamentais para o sucesso pessoal e profissional no futuro. Fala também sobre as perspectivas para a chegada de uma unidade da Le Cordon Bleu a Belo Horizonte, com inauguração prevista até 2025, fruto de parceria entre os franceses e o grupo Ânima.

 

Sob a liderança de Bueno, a Ânima é hoje um dos maiores conglomerados de ensino superior do país, proprietário de redes como Uni-BH e a Una em Belo Horizonte, cidade onde a organização surgiu em 2003. Presente em 75% do território nacional, o grupo tem 12 centros universitários e 26 marcas em todas as áreas de conhecimento. Confira os principais trechos da entrevista.

Ânima é um grupo formado pela integração de instituições de ensino, muitas das quais possuem uma longa tradição no segmento. Como o grupo trabalha para preservar essa herança de instituições que já estão no mercado há muito tempo e desempenham um papel importante na educação?
A educação no Brasil é regional. Você tem marcas regionais, que estão nas cidades entregando educação de qualidade por décadas. Começamos com a Una aqui em Belo Horizonte. A Una cresceu pela Região Metropolitana de BH, para o interior de Minas e, agora, entramos em Goiás e no Pará. Depois, veio o UniBH, também em Belo Horizonte, e a Unimonte, em Montes Claros. São marcas regionais de famílias, de professores e professoras que dedicaram a vida a essas instituições. Muitas têm o nome da família, da sua marca, e estão durante décadas entregando educação de qualidade. Nós temos a honra de continuar esses legados. A gente integra essas marcas em um ecossistema grande, que gera muito valor. Abrimos várias unidades, em várias praças e, com isso, oferecemos uma educação de qualidade para o maior número de brasileiros e brasileiras.

 

Quando uma instituição está deixando de ser uma empresa familiar para se tornar parte de um grande grupo como o Ânima, há uma atenção especial dedicada aos estudantes?
Existe sempre uma crença de que o estudante está entrando em um ecossistema, ou seja, ele vai ter condição de ter acesso a uma infinidade de vantagens e de benefícios participando não de uma instituição isolada, mas, sim, de um ecossistema. Mas isso é uma construção. Nosso estudante também vai atrás da qualidade. Eu sempre falo que educação não tem preço, educação tem valor.

 

Investir em educação superior no Brasil é tido como dispendioso, caro. O ProUni é acessível no Ânima? Como o grupo aborda a questão do acesso à educação?
O ProUni, na minha opinião como presidente do Ânima e também pessoal, é o programa de maior sucesso do governo social. Ele atende milhões de brasileiros e brasileiras que sonham em acessar a universidade e só têm condição pelo ProUni. Estatisticamente no Ânima, os alunos mais bem avaliados, que têm a maior presença, são os alunos do ProUni, porque eles dão muito valor. E geralmente é o irmão que está sendo exemplo para os demais irmãos. Então, o ProUni é uma ferramenta de muito sucesso e espetacular.

 

Existe outro sistema de bolsas no Ânima? Como funciona?
Temos bolsas e financiamento privado. Hoje, nós somos o maior player de financiamento privado, por meio do Pravaler. Eu não acredito em uma bala de prata, em uma solução única. Tem que ter um leque de alternativas para que você possa endereçar esse assunto tão importante e representativo para o nosso país.

 

O ensino a distância é uma realidade nas unidades do grupo Ânima, embora ainda seja combinado com atividades presenciais. Como funciona o sistema híbrido?
Nós, provocados, no bom sentido, pela HSM (plataforma de educação corporativa que faz parte do Ânima) lá em 2013/2014, vimos que o varejo estava saindo daquela dicotomia entre venda on-line e venda presencial. Você não compra um televisor on-line, compra da forma como for mais conveniente. Você pode ir à loja, escolher e receber em casa. Você pode comprar em casa e buscar na loja. Tanto faz. Naquela época, eles estavam optando pelo que chamavam de omnichannel. E a gente pensou que na educação não seria diferente. Nós começamos, então, a preparar a Ânima para uma oferta híbrida. A gente já achava que isso ia acontecer, veio a pandemia e catalisou esse processo. Após a pandemia, o que a gente tem visto? Que o jovem tem escolhido mais ou menos tecnologia de acordo com a área do saber. Na saúde, eles querem mais presencial. Em TI, por exemplo, eles não querem tanto presencial, querem ficar mais no digital.

 

No futuro, o ensino vai ser 100% remoto ou isso não é possível?
Eu não acredito nisso. Acho que a presencialidade, o convívio, é sempre importante. Sempre vai fazer a diferença. Agora, o convívio vai ter que ser cada vez mais diferenciado. Não faz sentido você se deslocar para ter uma interação presencial, se você puder fazê-la de casa. A experiência no campus universitário tem que ser única, diferente, e não uma experiência que você pode ter em casa. Se você pode ter em casa, você utiliza a tecnologia a seu favor. Acho que o jovem e os universitários vão cada vez mais aprender a lidar com uma experiência universitária presencial de qualidade e o uso de tecnologia para melhorar sua relação de aprendizagem, também com qualidade.

 

Até porque em cursos como medicina, especialmente em disciplinas como anatomia, é necessário que os alunos estejam presencialmente, certo?
Com certeza. Não só medicina, mas a área da saúde inteira. A presencialidade vai ser sempre importante. Por outro lado, muitas coisas que você pode fazer com tecnologia, você vai fazer também. Como no trabalho, hoje, você usa plataformas para fazer reuniões que são quase como fossem presenciais e que facilitam muito a nossa vida. Eu acho que a tecnologia veio para facilitar a vida.

 

Como a tecnologia se torna uma aliada nesse processo educacional? Quais são os investimentos do grupo Ânima nessa área?
A gente investe centenas de milhões em transformação digital, em inteligência artificial, em novas tecnologias. Nós temos também o Ânima Venture (fundo para investimento em empresas iniciantes externas), que busca startups, seja dos nossos estudantes ou de fora, que possam fazer a disrupção em algumas partes da educação e da saúde, para que a gente possa estar cada vez mais antenado e à frente do tempo. Acho que essa é uma prioridade. A transformação digital é uma área prioritária no Ânima, cada vez mais o nosso investimento será direcionado para isso. Porém, a tecnologia, no nosso ponto de vista, veio para ajudar e melhorar a relação de ensino-aprendizagem. A inteligência artificial, ou IA, tem que estar a serviço do professor.

 

A inteligência artificial ajuda ou atrapalha?
Eu acho que ela ajuda. Não acho que seja um oponente. Acho que é um aliado do professor e do estudante para melhorar a sua relação de aprendizagem, para substituir funções repetitivas que a tecnologia pode fazer de forma muito mais rápida, muito mais eficiente e mais efetiva.

 

No cotidiano acadêmico, os alunos às vezes recorrem à inteligência artificial para concluir seus trabalhos em vez de fazê-los por conta própria. Como os professores podem lidar com essa questão?
Eu acho que primeiro é um modelo mental. Na nossa visão, o professor é e sempre será o centro de uma universidade. Ele não vai ser substituído pela tecnologia. O ser humano vai ser cada vez mais humano; a tecnologia vai ser cada vez mais humana. Mas o humano é insubstituível. Essa é a nossa visão. Agora, a tecnologia veio para ajudar de forma única. Ou seja, o professor tem condição de ter uma forma muito mais individualizada, de conhecer muito mais cada aluno, e um detalhe é que a aprendizagem com tecnologia, de forma escalável, vai para outro patamar na relação de ensino e de aprendizagem.

 

Quando um estudante está escolhendo uma instituição, ele normalmente revisa o currículo para entender o que irá aprender. Como o grupo Ânima aborda essa preocupação na elaboração dos currículos dos cursos?
Nós fizemos a primeira reforma curricular nas nossas escolas em 2006. Desde então, nós visitamos o mundo inteiro e trouxemos novas iniciativas para o Brasil, fazendo reformas curriculares semestre a semestre, ganhando qualidade. Hoje, a Ânima tem um currículo por competências, o E2A (Ecossistema Ânima de Aprendizagem). A educação migrou de uma educação conteudista para uma educação por competências, porque o conteúdo está em qualquer lugar, está no Google. O aluno chega à sala de aula sabendo mais do que o professor. O importante é a competência que o aluno vai ter. A Ânima tem um currículo híbrido por competências, que usa mais ou menos tecnologia de acordo com a necessidade individual de cada estudante. Ninguém no mundo tem isso, que eu saiba. A Ânima é uma referência global.

 

Com isso, muitas disciplinas que eram tradicionais deixaram de existir para dar lugar a outras?
Exatamente. Olha que coisa interessante, a educação vem da era industrial, porque tinha que formar gente por escalas. Vou te colocar em uma forma e você vai ser formado, igual ao do seu lado, igual ao da outra cadeira. Então, todos vão ser formados. O currículo é disciplinar, ele tem disciplina. São termos da área industrial, de uma linha de produção por escala. Isso já não existe mais. O nosso currículo não tem mais disciplina, ele é por unidade curricular, não tem mais pré-requisitos. Hoje, o currículo da Ânima, em todas as áreas do saber, não é mais por tipo de conteúdo e, sim, por competência.

 

Isso alterou o tempo de duração dos cursos? Eles ficaram maiores ou menores?
Alterou, porque a gente tem um currículo como um lego. O aluno vai acoplando nanocertificações até receber o diploma. A gente respeita todas as diretrizes curriculares do MEC (Ministério da Educação), em um formato que o estudante vai ganhando qualidade e agregando competências com o que há de mais moderno do mundo.

 

No contexto da formação humana, o país tem enfrentado nos últimos anos uma polarização política e dúvidas sobre posicionamentos. Como isso é abordado dentro do grupo Ânima?
Primeiro, a gente tem a visão de que um grupo de educação é suprapartidário, nós não temos nenhuma ligação política. O que nós temos que fazer é com que nossos jovens possam aprender. Eles têm que saber que podem pensar diferente e a universidade é o local para que possam debater. A segunda, como falei anteriormente, é que a educação migrou de um formato conteudista, ou seja, o conteúdo estava nas bibliotecas das universidades, para formar competências. Quais são as competências que você precisa ter para “vencer na vida”, para ser um ser humano melhor? A isso se chama competências perenes, soft skills. São elas que vão fazer a diferença, porque a tecnologia está chegando aí e ela nunca vai substituir essas competências. Ela vai substituir trabalhos mecânicos, que podem ser escalados. Agora, a competência humana vai ser cada vez mais um diferencial. Isso fez a diferença durante a pandemia. Nós temos que preparar alguém que saiba trabalhar em equipe, respeitar a diversidade, que existem posições distintas, que se coloca no lugar do próximo. Com essas competências, você vai estar preparado para o futuro, seja qual for.

 

No Brasil, estabeleceu-se a ideia de que a educação é subvalorizada, ao contrário de outros países, onde é prioritária. Para você, a educação é um bom negócio?
Eu acredito que tudo na vida, todos os empreendimentos, têm que ser sustentáveis. Lembro quando cheguei aqui em Belo Horizonte, fui convidado para escrever o primeiro artigo editorial do nosso grupo e escrevi assim: “A maior responsabilidade de uma instituição é dar lucro”. Você imagina isso há 21 anos. Um país, uma delegacia, um grupo de comunicação, um grupo da educação, uma igreja, todos eles têm que dar resultado. O que você faz com o resultado é a diferença, porque se você não der resultado, você fecha, quebra. Você não dura, não se pereniza. Agora, o que fazer com o resultado, que é uma boa conversa. Eu acho que um grupo educacional tem que dar resultado, ser sustentável e viável. Se nós vamos reinvestir parte disso em bolsas ou vamos revestir tudo, essa é uma boa discussão. Mas eu não pararia a discussão na primeira camada, porque a maior responsabilidade que nós temos é continuar essas histórias.

 

Como você analisa o segmento da educação em Minas? O estado tem diferença em relação a outros? O que tem de melhor e pior?
Eu sou suspeito para falar, porque tenho um amor muito grande por Minas Gerais. Nós começamos aqui. Sempre que posso comento isso. A pergunta mais difícil que faziam para nós era se é possível entregar educação de qualidade com escala, o que é um desafio grande. Hoje, depois de 21 anos, a gente olha para trás e fala: nós provamos que é possível entregar educação de qualidade para mais de 400 mil estudantes. Isso começou em Minas Gerais. Minas é um celeiro de educação de qualidade, de pensadores, de vencedores. Minas está no centro do Brasil. Isso tem uma série de questões que a gente pode descrever aqui, mas eu tenho muito carinho e muito orgulho de a Ânima ter começado em Minas Gerais.

 

A Ânima está focada no ensino superior. Existe a possibilidade de se expandir para outros níveis educacionais?
O Daniel Castanho, meu sócio, sempre fala que a Ânima é um grupo do pós-médio. O aluno termina o ensino médio, entra no ecossistema Ânima e nunca mais para de estudar. Acho que esse é o desafio. Lá fora eles chamam isso “life long learning”, ou seja, educação para o resto da vida. Como o mundo é muito dinâmico, você nunca mais vai parar de estudar. Então, hoje, a Ânima tem um currículo, como eu falei anteriormente, como um lego, você vai fazendo as nanocertificações e ganhando sua graduação, seu bacharelado, depois isso vira um mestrado, um doutorado e, assim, você vai vai formando a sua trilha individual de formação para resto da sua vida.

 

E temos uma novidade: a chegada de um Le Cordon Bleu, da França, a Belo Horizonte.
Nós somos sócios dos franceses na Le Cordon Bleu, maior referência mundial em gastronomia. Há seis anos, fizemos uma escola em São Paulo, na Vila Madalena, que tem três iguais no mundo. Agora é a quarta que estamos trazendo em primeira mão para Minas Gerais. Eu, pessoalmente, acho que se conseguirmos unir a técnica francesa e a hospitalidade, a mineiridade, vai ser único no mundo inteiro. Acho que é um projeto de Minas para o mundo.

 

Será um desafio, considerando que a culinária francesa é conhecida por pratos mais compactos, digamos assim, enquanto a culinária mineira é caracterizada pelo exagero na quantidade.
O mais interessante que tenho aprendido com os franceses é que a técnica que a gente aprende no Brasil, e vamos aprender em Minas Gerais, é a mesma em Paris, em Londres, Tókio. Agora, o chef da Le Cordon Bleu, quando vai para outro país, só pode levar o que chamam de caixa de ferramentas, ou seja, facas e os equipamentos, porque ele tem que cozinhar com o que encontra lá. A técnica será a mesma, só que aqui ele vai cozinhar com quiabo, ora-pro-nóbis, todos os ingredientes que são únicos em Minas Gerais. Acho que essa é a grande sabedoria: trazer a técnica francesa e usar o que nós temos de melhor no Brasil e em Minas Gerais.

 

Agora, o Uni-BH está completando 60 anos?
Sessenta anos de uma história linda. Nós fomos escolhidos pelos fundadores da Fundac (Fundação de Educação, Artes e Cultura) para que a gente continuasse esse legado. Foi o primeiro desenho fundacional do Brasil, ou seja, nós fizemos um desenho inovador, que já foi replicado por várias outras instituições no Brasil. É um ganha-ganha, ou seja, a fundação que vinha tendo dificuldades, porque a governança não estava mais preparada para educação moderna, para os desafios modernos, foi preservada e potencializada, e hoje ela está aí, forte. O Uni-BH alçou novos voos, é uma referência cada vez maior, com novos cursos, preparada para os próximos 60 anos. Acho que é o motivo de muito orgulho. Por onde a gente anda, a gente vê talentos que aprenderam, que tiveram as suas vidas transformadas por meio da educação e por meio do UniBH.