No BH Shopping, localizado no Belvedere, os seguranças têm sido vistos com câmeras acopladas ao uniforme -  (crédito: Arquivo EM)

No BH Shopping, localizado no Belvedere, os seguranças têm sido vistos com câmeras acopladas ao uniforme

crédito: Arquivo EM

O uso das câmeras corporais por agentes de segurança pública de Minas Gerais caminha a passos lentos, no entanto, no setor privado a procura pela tecnologia aumenta a cada dia. Em Belo Horizonte, as administrações de pelo menos dois shoppings aderiram ao equipamento. O uso pela segurança privada ainda não é regulamentado, mas segue as mesmas diretrizes do Ministério da Justiça para as polícias militar, civil, penal e federal.


Quem já passou pelo BH Shopping, na Região Centro-Sul da cidade, percebeu que os seguranças do estabelecimento usam nas fardas câmeras parecidas com as que a Polícia Militar de Minas Gerais anunciou em 2022. A tecnologia também pode ser encontrada no Minas Shopping, na Região Nordeste da capital.

 


O advogado e membro do Sindicato das Empresas de Segurança e Vigilância do Estado de Minas Gerais (Sindesp-MG) Michel Pipolo afirma que, quando há alguma inovação tecnológica no setor de segurança, os órgãos e empresas se adaptam a elas. De acordo com ele, em quase um ano, houve um aumento de 20% na procura pelo serviço. “A bodycam é uma realidade de mercado e tem uma tendência de crescimento. As tecnologias estão cada vez mais modernas e acessíveis, o que torna a implementação do serviço mais barato.”

 

 

Na foto a autônoma, Rosana Lúcia Silva, de 64 anos

Na foto a autônoma, Rosana Lúcia Silva, de 64 anos

Ramon Lisboa/EM/D.A


A autônoma Rosana Lúcia Silva, de 64 anos, frequenta os shoppings da capital, mas não havia percebido a atualização. Para ela, a medida é necessária por trazer mais segurança para os frequentadores dos centros de compra. “A gente pensa que está seguro, mas em qualquer lugar hoje não estamos. Então, acho que se todo lugar adotasse essas câmeras seria bom”, avalia.

 

 

Segurança Pública 

Os indicadores da segurança pública são apontados por Pipolo como outro fator que influenciou no aumento da demanda pela tecnologia. Em São Paulo, a medida foi adotada e surtiu efeito. O número de vítimas de letalidade policial no estado caiu 30% em 2021 em relação a 2020.

 

Dados de pesquisa realizada por membros do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ainda mostraram que, no ano de implantação, houve redução de 47% na letalidade provocada pelos batalhões que faziam parte do programa de uso de câmeras nas fardas, ao passo que, nos demais, a queda foi de apenas 16,5% em comparação ao ano anterior.


Em Minas, a ideia, defendida pelo então candidato ao governo estadual Romeu Zema (Novo), saiu do papel em dezembro de 2022. Desde então, 1.040 câmeras estão sendo utilizadas nos fardamentos dos policiais militares em todo o estado.

 

Conforme a PMMG, dos cerca de 36 mil servidores, mais de 4 mil policiais fazem uso da tecnologia, em turnos alternados, o que representa ao menos 11% do efetivo da corporação. A medida faz parte do pacote que visa diminuir o número de mortes por parte de servidores da corporação.


 

 

Ambiente seguro 

Questionada sobre o uso das câmeras corporais nos empreendimentos, a assessoria de imprensa do BH Shopping não quis comentar o assunto. Já a administradora do Minas Shopping afirmou que o sistema “bodycam” foi implementado na última segunda-feira (18/6). “Este é um movimento que faz parte de uma avaliação constante de novas tecnologias e práticas de segurança para garantir um ambiente seguro e acolhedor para todos os visitantes e colaboradores”, informou o estabelecimento.

 

Por meio de nota, a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) informou que conta com um comitê de segurança que monitora todas as questões relativas à segurança nos centros de compras. Anualmente, conforme a entidade, o setor investe cerca de R$ 4 bilhões a R$ 5 bi em tecnologia, mão de obra, treinamentos e equipamentos para “assegurar a integridade física e material de frequentadores”.


“As medidas preventivas incluem leitores de placas de veículos com compartilhamento de dados com as autoridades de segurança, monitoramento por câmeras, sistemas de identificação facial de suspeitos, entre outras tecnologias avançadas”, informou a Abrasce.


Transparência

Apesar de já ser uma realidade do setor de segurança patrimonial, o uso das câmeras corporais pela iniciativa privada ainda não é regulamentado. Em tramitação desde fevereiro deste ano no Senado Federal, o Projeto de Lei 285/2024, de autoria do ex-senador e atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, prevê a obrigatoriedade do sistema pelos vigilantes. O texto ainda tem que ser apreciado e aprovado pela Comissão de Segurança Pública da casa e depois seguirá para análise definitiva da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).


Para justificar a proposta, Dino listou casos de agressões e morte provocadas por abuso da atividade de vigilância no país, entre elas o assassinato em 2020, de um homem de 40 anos, em um supermercado da Rede Carrefour, em Porto Alegre. Na ocasião, a vítima foi espancada por seguranças do estabelecimento. Para o ministro, as “bodycam” podem “ajudar na elucidação de eventuais crimes” por ampliar o conjunto de provas disponíveis para as autoridades policiais e judiciais.


“Esse cenário exige do Estado Brasileiro o estímulo à adoção de mecanismos que visem prevenir ou reduzir danos por conduta atribuída a profissionais da segurança privada, mas que também possam comprovar quando a atuação desses profissionais ocorrer de forma técnica, ética e proporcional, afastando acusações infundadas”, argumenta Dino.


Em consonância com o PL, Michel Pipolo afirma que a “tendência” das câmeras no setor privado ganha força com a facilidade para transparência em processos e possíveis ocorrências. Para ele, o sistema atua como um “compliance” dos vigilantes, ou seja, garante que as regulamentações e padrões éticos sejam cumpridos, além de evitar práticas ilegais. O especialista em segurança privada, afirma que o programa também diminui o número de reclamações de condutas, sendo benéfico tanto para a prestadora de serviço quanto para usuários do estabelecimento em que foi implementada.


“Quando você tem imagem, todo processo fica muito mais claro. Essa diminuição das reclamações de conduta, serve para os dois lados, no que diz respeito ao agente de segurança, seja ele público ou privado, em atuar de uma forma melhor, como também o agressor, ou a pessoa que está se recorrendo a essa força de segurança também age de uma forma diferente”, defende.

 

Na foto a assistente financeira, Edilene Alves.

Na foto a assistente financeira, Edilene Alves.

Ramon Lisboa/EM/D.A


Para a assistente financeira Edilene Alves as "bodycams"  aumentam a sensação de segurança. “Não vejo problema nessas tecnologias. Fazem com que eu me sinta mais segura, porque se acontecer alguma coisa, pelo menos, alguém registrou”.


Respeito mútuo

Ainda de acordo com a avaliação de Michel Pipolo, a vigilância corporal provoca alterações na postura das pessoas. Ele explica que agentes de segurança privada têm o papel de preservar as normas e procedimentos de um estabelecimento e que, muitas vezes, isso não é respeitado.

 

O serviço, além de seguir os mesmos modelos da segurança pública, ou seja, as gravações são contínuas ou iniciadas quando há alguma ocorrência, também são protegidas pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que controla a privacidade e o uso e tratamento de dados pessoais.


“Às vezes, quando o profissional vai fazer uma abordagem, a pessoa mesmo sabendo que está errada ela age de uma forma diferente por acreditar que o vigilante faz parte de uma categoria de subemprego. Por exemplo, em um shopping de alto luxo, tem pessoas que ali circulam que infelizmente acreditam que são melhores que as outras. Quando o vigilante vai abordá-la, fazer uma intervenção, que ela sabe que está sendo gravada e coletada imagem e o áudio dela, aquela postura sim, na grande maioria das vezes, muda. Esse tipo de tecnologia resgata o tratamento com dignidade e respeito entre as pessoas”, enfatiza o membro do Sindesp-MG.


O dentista Kennedy Henrique Diniz, de 32 anos, acredita que o equipamento seria mais uma ferramenta de segurança para a população, principalmente em casos de injúria racial. O profissional da saúde relata que já foi seguido por seguranças de um shopping por causa do seu cabelo.

 

Na foto, o dentista Kennedy Henrique Diniz, de 32 anos

Na foto, o dentista Kennedy Henrique Diniz, de 32 anos

Ramon Lisboa/EM/D.A


“Acho que faz diferença mais no policiamento em si. Um shopping já tem câmera de segurança em todos os lados, então acaba tendo essas filmagens, essas novas seriam um equipamento a mais. Mas, já me seguiram dentro do shopping e se eu fosse atrás a gravação teria feito diferença, poderia ter usado as câmeras corporais para me defender”, diz o dentista.


Treinamento especializado


Ao contrário do que defendem Flávio Dino, autor do PL 285/2024, e o especialista em Segurança Privada Michel Pipolo,  o advogado criminalista Jorge Tassi acredita que as câmeras corporais não vão mudar a realidade do serviço de vigilantes enquanto os profissionais não começarem a receber treinamento especializado. Apesar de ser a favor da tecnologia, tanto no setor público quanto no privado, ele defende que outras medidas devem ser tomadas primeiro.


Tassi explica que no caso dos exemplos usados na justificativa do projeto de lei, a câmera corporal serviria apenas para gravar a violência praticada pelos vigilantes e não inibi-la. Nesse caso, o ideal seria a capacitação adequada.


“Se você tem um sistema de capacitação que seja certificado, nós minimizamos o risco de ocorrências parecidas. Aí sim, com o profissional capacitado e preparado nós podemos pensar em câmera. Primeiro temos que pensar na formação do profissional para depois pensarmos na implementação dessas tecnologias. Se não, a câmera simplesmente é uma corda no pescoço do profissional”, enfatiza o especialista.