Homens apontados como mandantes e executores de chacina em festa infantil foram identificados pela Polícia Civil de Minas Gerais por vídeos divulgados por eles mesmos -  (crédito: Redes Sociais / Reprodução)

Homens apontados como mandantes e executores de chacina em festa infantil foram identificados pela Polícia Civil de Minas Gerais por vídeos divulgados por eles mesmos

crédito: Redes Sociais / Reprodução

A morte de duas crianças e um homem durante um ataque a uma festa infantil em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de BH, completa um mês neste domingo (23/6), com os suspeitos de serem mandantes e executores do crime em liberdade.

 

Heitor Felipe Moreira de Oliveira, de 9 anos, e Laysa Emanuele, de 11 anos, foram baleados por dois homens armados que invadiram a comemoração. O mais novo queria ser jogador de futebol e tinha começado a trilhar o sonho no Atlético Mineiro. A mais velha queria ser advogada. Além das crianças, o pai do menino também morreu e outras três pessoas ficaram feridas. 


Os atiradores foram reconhecidos pelos participantes da festa e seriam próximos das famílias das vítimas. A informação foi confirmada pela mãe de Heitor Felipe Moreira de Oliveira, de 9 anos, em redes sociais, na época do crime. Evelen Eduarda afirmou que os homens eram amigos da família. Em uma das publicações, a viúva publicou uma foto de quem seria um dos atiradores abraçado com Heitor Felipe, ainda bebê. 


“Quem matou o sonho do meu filho eram pessoas que abraçavam ele, o pai dele e o pai da minha sobrinha. Eram pessoas que falavam que podia sempre contar com eles. Eram pessoas que se passam de bom para todos, que falam que ajudam em tudo”, escreveu Evelen. 


 

Os homens apontados como mandantes e executores do ataque são Flávio Celso da Silva, vulgo “Alemão”; Leandro Roberto da Silva, o “Beirola”; Fabiano Alves Campos, o único que não tem apelido; Agnes Darnlei Santos Nascimento, o “Biscoito”, e Marcelo Alves Rodrigues, que tem duas alcunhas, “Tio Gordo” e “Bola Sete”. Entre os cinco, dois seriam mandantes e três, executores. 


A identificação foi feita a partir de vídeos aos quais a Polícia Civil de Minas Gerais teve acesso e que mostram quando os criminosos se aproximavam do local da festa fazendo comentários. Em outra gravação, “Alemão” aparece empunhando um revólver, já dentro da festa.

 

Os mandados de prisão para os cinco suspeitos foram emitidos pela justiça, com base em um relatório da corporação. Um sexto envolvido, Yago Pereira de Souza Reis, de 24 anos, está preso. Ele foi baleado no dia do crime e foi capturado.


O ataque 


A chacina aconteceu no fim da festa de aniversário de Heitor Felipe e a irmã. Izaltina Luciana Moreira, mãe e avó de duas vítimas, conta que dois homens aproveitaram que o portão do sítio estava aberto e entraram no local, já disparando as armas, “sem olhar em quem estava atirando”. De acordo com o boletim de ocorrência, o alvo do ataque era Felipe Moreira Lima, pai dos aniversariantes, que tinha envolvimento com o tráfico de drogas na região do Bairro Morro Alto, em Vespasiano, também na Grande BH. 


Felipe foi atingido pelo menos doze vezes por disparos e morreu no local. Ainda conforme o registro, ele estava em guerra com traficantes do Bairro Bela Vista, em Santa Luzia, uma vez que queriam que a vítima passasse a comercializar os entorpecentes fornecidos por eles. “Sempre avisei o Felipe que ele não tinha amigos. Uma frase que levo para a vida toda é: seu amigo de hoje é seu inimigo de amanhã. O crime é podre”, publicou a esposa de Felipe. 


Além de Felipe, Heitor e Laysa, outras três pessoas foram baleadas e encaminhadas a uma unidade de saúde, entre elas uma adolescente, de 13 anos, atingida na canela, uma jovem, de 19, ferida na nádega e uma mulher, de 41, baleada nas costas e cintura.

 

Crime premeditado


Os suspeitos de matar as crianças gravaram um vídeo apontando onde aconteceria o ataque. Conforme a Polícia Militar, o crime foi motivado por desavenças do tráfico de drogas. O alvo seria o pai do aniversariante, Felipe Moreira de Oliveira, de 26 anos - uma das vítimas. Nas imagens, feitas dentro de um carro, quatro homens passam pela rua onde acontecia a comemoração e debatem se ali seria o local onde o alvo estaria. Ao se aproximar do sítio, o motorista do veículo aponta para a decoração do local: “Cheio de serpentina lá.” Em seguida, o carona, que está fazendo as imagens, afirma que aquele era o lugar da festa: “Fechou, cheio de menino.” 


 

Horas depois do ataque, o homem de 23 anos, reconhecido pelas testemunhas, deu entrada em uma Unidade de Pronto Atendimento, em Contagem, com ferimentos de disparos de arma de fogo no joelho, tórax e quadril. A polícia acredita que o suspeito foi atingido pelo próprio comparsa durante a luta corporal com as mulheres que tentaram impedir o ataque.


O suspeito foi transferido para o Hospital Municipal de Contagem, onde segue internado sob escolta policial. O segundo homem, de 26 anos, apontado como autor dos disparos, até o fechamento desta edição, ainda não havia sido localizado. 


Por meio de nota, a Polícia Civil informou que o suspeito detido foi autuado em flagrante por triplo homicídio qualificado, e recolhido ao sistema prisional onde encontra-se à disposição da justiça. Além disso, a corporação pediu a decretação da prisão temporária do homem, pelo prazo de 30 dias, podendo ser prorrogada. “A investigação encontra-se em andamento a fim de identificar e localizar demais suspeitos.” 


Sonhos interrompidos


Em suas redes sociais, Heitor Felipe compartilhava sua trajetória no esporte e afirmava que não iria desistir do sonho de ser atleta. Ao Estado de Minas, Tamyres Moreira, tia do menino, contou que, como a maioria da família, ele era cruzeirense mas vestia a camisa alvinegra para jogar “com amor e orgulho”. “Nós sempre brincávamos com ele com essa diferença dos times, de torcer para o rival do que estava jogando, mas ele sempre respondia que era ‘trabalho.” 


Além de apaixonado por futebol, Heitor também amava a família. A tia lembra com carinho que se fosse por ele, levantava às 5 horas da manhã para ir treinar e quando pedia a benção dos familiares sempre dava um beijo na mão da pessoa. 


“Ele não tinha preguiça, o negócio dele era a bola desde que se entendia por gente. Ele nunca brincou de outra coisa. Não é porque é meu sobrinho, mas ele é uma criança iluminada. Um menino educado”, recorda. 


Assim como o primo mais novo, Laysa Emanuele também tinha um sonho de carreira e queria ser advogada. Segundo a tia, Luna Milla, a menina era estudiosa e “nunca dava trabalho”. O irmão de Laysa também estava na festa, no momento do atentado ele teria corrido para um banheiro para se proteger. “Ela era uma menina boa, alegre e extrovertida. Perdeu a vida muito cedo, ninguém esperava uma tragédia dessa acontecer.”


Procura por justiça


Felipe e a família já estavam recebendo ameaças de morte há alguns meses. Conforme familiares, além do ataque na festa dos filhos em, ao menos, outras duas ocasiões tentaram atingir o homem. Em uma das vezes, a casa de uma tia da vítima foi alvo de disparos de arma de fogo, na ocasião um primo foi atingido. Na segunda tentativa, suspeitos teriam planejado uma emboscada, mas a ação foi interceptada pela Polícia Militar. 


“Ele já estava sofrendo ameaças, no entanto que a festa não teve pessoas de fora, foram só parentes e alguns amigos do Heitor. Justamente para evitar qualquer represália. Estamos sofrendo pelo meu irmão, mas estamos sofrendo mais ainda pelo meu sobrinho. Ele só tinha 9 anos. Uma pessoa que fez isso é um monstro, não tem justificativa”, lamenta Tamyres Moreira. 


A morte das crianças e o ataque à uma festa infantil comoveram não só a comunidade em que viviam mas também outras regiões. A perda dos sonhos e futuro das vítimas aumenta a revolta das famílias e o sentimento pela procura de justiça. Em um vídeo que circula nas redes sociais, a mãe de Heitor Felipe aparece desolada ao lado do corpo do filho. Com alguém no celular, a mulher, de 27 anos, fala: “Acabaram com a minha vida. Mataram o meu filho, minha sobrinha”. 


“Meu irmão era uma pessoa que sempre se preocupou e cuidou da família, porque ele era o mais velho de quatro filhos. Os problemas todos ele pegava para resolver. Ontem eu fiquei o dia inteiro com ele, curtindo a festa. Independente de qualquer coisa errada, ele era meu irmão, ela era pai, um filho”, conta a irmã de Felipe. 


O crime também instigou um possível conflito entre facções criminosas.  De acordo com uma testemunha do Bairro Morro Alto, que preferiu não se identificar, os conflitos na região ocorrem há meses. À reportagem, ela narrou o clima de tensão e falou sobre o policiamento constante da área. "Tá rolando uma guerra há meses. Eles estavam dando tiro ao menos três vezes por dia. Agora com essa morte, as facções querem fazer vingança pelo filho dele que morreu. Aqui está um clima tenso. A noite não tem ninguém na rua e a polícia passa toda hora", conta.


Ao Estado de Minas, Tamyres Moreira, tia do Heitor, disse que a família não tem relação com os boatos de vingança. "Sobre essa questão de vingança, a família não tem nada a ver. São boatos de internet, nós não sabemos. O que nós queremos é justiça, a gente busca por justiça. Isso é um crime que revoltou tanto a população, a família está destruída, quanto os policiais. Eu perdi meu irmão, meu sobrinho, perdemos outra criança. Perdeu pai, perdeu filho. Foi uma destruição para gente, independente de qualquer coisa.”