Em plena Segunda Guerra Mundial, Belo Horizonte ficou às escuras por duas horas. Sirenes foram disparadas e um toque de recolher obrigou a população a buscar abrigo. Aviões sobrevoaram a Avenida Afonso Pena, de onde era possível ouvir estrondos nos céus da capital. Em 1943, enquanto os Aliados avançavam sobre os países do Eixo do outro lado do Atlântico, os belo-horizontinos vivenciavam, mesmo que de mentirinha, como era estar no meio do conflito global.
A primeira e única simulação de um ataque de bombas em BH foi realizada às 21h do dia 18 de junho de 1943, pelo Serviço de Defesa Passiva Antiaérea (SDPA). Mas não foi nada que pegou os moradores da capital mineira de surpresa: o “black-out” tinha sido antecipado pela imprensa, que preparou os belo-horizontinos para a data.
O Arquivo EM desta semana resgata as memórias do dia em que Belo Horizonte se preparou para um bombardeio aéreo. As pesquisas têm como base o acervo de 96 anos de páginas impressas da Gerência de Documentação (Gedoc), em Belo Horizonte.
"O estado de beligerância em que se encontra o Brasil reclama de todos os cidadãos uma preparação efetiva para quaisquer eventualidades próprias do tempo de guerra. E de fato, quaisquer contingências ou surpresas não encontrarão o povo desapercebido", contava o Estado de Minas de 11 de junho de 1943, uma semana antes da simulação ocorrer.
Fazia um ano que o governo de Getúlio Vargas havia declarado guerra aos países do Eixo, forçado pela população depois de ataques alemães a embarcações brasileiras que vitimaram mais de 1 mil pessoas.
O clamor popular fez com que Getúlio, mesmo com as inclinações fascistas que levaram ao Estado Novo, se rendesse em um apoio do Brasil aos Aliados. Depois, em 1944, o Brasil enviaria soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar na Europa.
Bombas de artifício
As simulações de ataques aéreos também ocorreram nas outras capitais e até em Fernando de Noronha (PE). Por aqui, moradores e comerciantes foram instruídos a vedarem todas as janelas para impedir a saída de luz, motoristas tiveram que cobrir os faróis dos veículos. Às 21h, a sirene de alerta soou na Loteria de Minas Gerais e na Imprensa Oficial, sendo seguidas pelos sinos da Igreja São José.
Às 21h daquela sexta-feira, as luzes foram desligadas. Quem estava no trânsito teve que deixar os carros e procurar os halls dos edifícios, os “abrigos antiaéreos”. Enquanto isso, a Rádio Inconfidência transmitia detalhes do “ataque”.
Para deixar tudo mais perto do real, aviões da Força Aérea sobrevoaram o Centro, soltando fogos de artifício que simulavam bombas. Às 23h, os alto-falantes soaram novamente. “Tudo limpo”, informou o SDPA. O exercício estava finalizado, com êxito.
Ao EM, o diretor regional do SDPA, Ovídio de Abreu, louvou os belo-horizontinos pelo comportamento “exemplar”. “O nosso povo provou possuir-se de uma alta compreensão de seus deveres e deu uma bela afirmação de que a pátria pode contar com ele.”
Alvo improvável
Cerca de 10 mil quilômetros do epicentro da guerra, que tinha testemunhado havia pouco tempo a derrota da Alemanha Nazista em Stalingrado, BH não tinha menor chance de ser alvo de um ataque. Para o historiador Bruno Viveiros Martins, professor da Faculdade Estácio, o exercício militar em cidades brasileiras funcionava mais como uma demonstração de poder para a opinião pública.
“Naquele momento, o conflito está caminhando para o fim. Não tinha condição de durar muito mais tempo e expandir o teatro dos acontecimentos para o Atlântico Sul, muito menos para uma capital do Sul do Brasil”, explica Martins.
Ele lembra que o prefeito de BH era Juscelino Kubitschek, que também buscava protagonismo político. O mineiro seria governador (1951-55) e acabaria como presidente em 1955. “Esse exercício é muito mais uma demonstração de poder, de buscar influência na opinião pública”, afirma, apontando como principais interessados tanto JK como Getúlio e os militares – que fariam pressão, em 1945, para a saída do então presidente e o fim do Estado Novo.