Alta velocidade e pé no freio; declives e aclives; abertura e recolhimento constante de pistas; e uma mistura entre carros de passeio, motocicletas e veículos de carga dividindo o mesmo espaço. Quem vive na Região Metropolitana de Belo Horizonte não precisa ter muita experiência “no trecho” para relacionar a descrição ao Anel Rodoviário. A via urbana que mais registra acidentes em Minas Gerais abre a série especial Risco sobre Rodas do Núcleo de Dados do Estado de Minas, que vai mostrar em números, relatos de personagens e análises de especialistas, os motivos que levaram a capital mineira a perder 1.372 vidas no trânsito nos últimos 10 anos, uma a cada três dias em média, considerando o balanço até abril deste ano.
No caso do Anel, a combinação entre a falta de obras e a imprudência de condutores e pedestres resulta em uma vida perdida a cada 16 dias em média desde 2014, conforme números do Observatório de Segurança Pública de Minas Gerais, segmentados pela reportagem. A rodovia tirou a vida de 230 pessoas no período, entre elas nove entre 12 e 17 anos.
Esse total de 230 mortes é quase o quádruplo da segunda via mais fatal do ranking belo-horizontino, a Avenida Cristiano Machado, que soma 63 óbitos desde 2014. Só neste ano, até abril, os 27 quilômetros de extensão do Anel foram palco de 14 vidas perdidas no trânsito – também o maior número entre todos os corredores de Minas Gerais. O dado, em proporção, é maior que o registrado pela série histórica iniciada há 10 anos, já que representa uma vida perdida no Anel Rodoviário a cada 8 dias em média. Ainda no recorte temporal mais recente, um trecho de apenas cinco quilômetros, entre os encontros com a BR-040 e a Avenida Presidente Carlos Luz, concentra sete pontos com acidentes fatais nos últimos três anos.
Um trecho de cinco quilômetros do Anel Rodoviário, entre os encontros com a BR-040 e a Avenida Presidente Carlos Luz, concentra sete pontos com acidentes fatais nos últimos três anos, como mostra o mapa abaixo:
Os números históricos mostram que a condição principal para as mortes no Anel Rodoviário passa pelo atropelamento de pessoas. Das 230 mortes registradas desde 2014, 96 (41,7%) aconteceram dessa maneira. No último dia 6, um homem de 52 anos perdeu a vida exatamente desse jeito. Ao tentar atravessar a rodovia na altura do Bairro Estrela do Oriente, na Região Oeste de BH, um caminhão o atingiu durante o período da noite. O motorista do veículo de carga contou à polícia que dirigia no sentido Vitória, na altura do Km 539, onde a vítima cruzou a via de maneira repentina. Uma equipe da concessionária Via 040 constatou a morte.
Não é só nas mortes que o Anel tem a liderança histórica em Minas Gerais. Desde 2014, o Observatório de Segurança Pública registra 677 acidentes graves no corredor rodoviário, que se tornou uma avenida de alta velocidade com a expansão da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte (leia mais nas páginas seguintes). Esse dado representa uma ocorrência com ferido grave a cada cinco dias no local.
Em números gerais de acidentes, sem considerar a gravidade, a liderança em BH também é do Anel. São 31.649 registros no período, o que representa 8,4 por dia, ou um a cada três horas. Esse consolidado considera também ocorrências em trechos da BR-381 na capital. A rodovia integra o Anel Rodoviário na cidade, mas, por efeito de registro, as autoridades, em casos isolados, localizam os fatos na Fernão Dias, em vez de referenciar o termo “Anel Rodoviário”, o que causa diferenças na base de dados.
Além do Anel Rodoviário, a série de reportagens do EM vai detalhar números, trazer relatos e problematizar os históricos de outros quatro corredores de BH, que, em ordem, registram os maiores números de acidentes gerais da cidade. Tratam-se das avenidas Cristiano Machado, do Contorno, Amazonas e Antônio Carlos. Somadas ao Anel, as cinco vias computam 115 mil ocorrências de trânsito nos últimos 10 anos, além de 444 mortes no período. O total de fatos graves nas cinco chega a 1,8 mil no mesmo intervalo de tempo.
Apesar dos números trazerem um quadro fiel ao que acontece nas ruas, avenidas e rodovias de BH, ainda são frágeis em alguns aspectos. Dos 763.571 acidentes computados na cidade, em boa parte as autoridades não especificaram informações importantes para a formulação de políticas públicas. As condições de iluminação (dia, tarde ou noite), por exemplo, só são especificadas em 15% dos registros. A qualidade da sinalização, ao mesmo tempo, só aparece em 14,3% das anotações. O tipo de pista (simples, dupla ou múltipla) só consta em 14,6% dos boletins.
Para o professor de educação e segurança no trânsito do Cefet-MG, Agmar Bento Teodoro, a ausência desses dados compromete a formulação de soluções para o problema histórico de insegurança do Anel. "Na academia, para desenvolver pesquisas, é uma briga nossa para conseguir esses dados em primeiro lugar. Depois, o desafio é que eles sejam melhor apurados. Já fizemos vários trabalhos científicos e parcerias com a BHTrans para tentar melhorar a estrutura desses números, mas não houve tanto avanço”, afirma.