“Você é tão linda, maravilhosa, não precisa ficar contando tudo para sua mãe, não”. Essa foi a frase da vice-diretora de uma escola estadual no Bairro Santa Tereza, na Região Leste de Belo Horizonte, direcionada a uma aluna de 8 anos que, segundo a mãe, estaria sendo alvo de bullying*.
De acordo com a mãe da menina, o caso começou em abril deste ano, quando a criança teve conflitos com uma colega de sala que a chamava de “gorda”. “Na tentativa de se defender, a supervisora não gostou e ainda ficou contra ela”, conta a mãe.
Segundo o relato dela, a supervisora disse à menina que “ela não é melhor do que todo mundo”. Na época, a mãe enfrentava um problema de saúde e, por isso, enviou um bilhete para a instituição questionando o tratamento recebido por sua filha, detalhando os casos de bullying.
Em resposta, a escola marcou uma reunião. “Mas essa reunião não aconteceu. Primeiro me disseram que eu tinha entendido o dia errado, e depois falaram que a ata (documento de registro de todas as reuniões pedagógicas) não poderia ser registrada pois estava sob análise da Secretaria de Educação do Estado”, conta. Na segunda tentativa de marcar o encontro, a mãe não pôde comparecer pois estava em recuperação pós-cirúrgica.
Durante o período de recuperação, a aluna era levada para a escola por uma amiga da mãe. “Auxiliei minha filha a ficar por perto, para não ser esquecida. Foi quando uma das professoras precisou conversar com minha amiga e mandou minha filha sair de perto porque ‘a conversa não era para ela’”, relembra. Novamente a criança chegou em casa e contou o que tinha acontecido. “Mandei outro bilhete reclamando da maneira como agiram. A vice-diretora me respondeu dizendo que minha filha distorceu a situação. Comecei a perceber um padrão de respostas descredibilizando a criança. Falas como “não foi bem assim”, “a criança está inventando” e “foi um mal-entendido” são sempre usadas. Para a escola nunca é do jeito que os alunos contam”, diz a mãe.
Um tempo depois, na segunda-feira (10/6), a escola ligou para a responsável pedindo que buscasse a filha, uma vez que ela queixava dores de cabeça. Assim que chegou à instituição, a menina não estava a esperando. Quando questionada sobre onde estava a filha, a vice-diretora disse à mãe: “Eu vou chamá-la, mas não acredita em tudo que ela fala não, porque ela distorce muito as coisas. Nem tudo que ela fala é verdade.” De acordo com a mãe, a vice afirmou que a aluna havia inventado a dor de cabeça.
No dia seguinte, outra situação se repetiu com a supervisora. A estudante se senta próxima da janela onde bate sol, e, segundo a mãe, tem uma menina que senta ao lado, e elas vivem “em guerra” por causa da cortina, uma querendo fechar para não atrapalhar a anotar, e a outra que não quer. A mãe comenta que, em vez da supervisora tentar apaziguá-las, ela disse que a criança “não era dona da sala”.
A mãe, no entanto, só soube desse fato na quinta-feira (13/6). Assim que tomou conhecimento, ligou para a escola solicitando uma reunião diretamente com a diretora. O encontro foi marcado para essa segunda (17/6). “Fui à escola e, quando encontrei a diretora, ela me disse que não registraria a reunião em Ata. E justificou com o argumento de que tínhamos proximidade e que eu não precisava encontrá-la, poderia simplesmente ter conversado na rua.” A mãe argumentou que seria antiético.
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A mãe expôs os casos mais uma vez, e a diretora informou que iria conversar com a supervisora. No final da aula, ela volta para buscar a filha, que chega contando: “Mãe, a supervisora me parou na porta do banheiro e falou que eu não tenho que falar nada com você e sim reclamar diretamente com ela.”
Por fim, nessa terça-feira (18/6), a mãe levou a menina como de costume, mas disse que só entraria na aula após conversar com a diretora. “A diretora não me recebeu de jeito nenhum. Então a vice-diretora chegou e perguntou o que estava acontecendo. Expliquei, e ela disse para minha filha que não tinha acontecido nada.”
Quando a criança entrou, a vice completou: “Você é tão linda, maravilhosa, não precisa ficar contando tudo para sua mãe não”.
“Eu estou há oito anos construindo uma relação de amizade com minha filha, para que ela me conte tudo o que acontece, para, assim, eu não ter que ver um caso de tragédia como tantos por aí”, enfatiza a responsável.
Secretaria de Educação
Procurada pelo Estado de Minas, a Secretaria de Educação informou: “Sobre a situação relatada na Escola Estadual, em Belo Horizonte, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) informa que não procede a acusação de bullying, o que ocorreu foi um desentendimento pontual, por que a estudante apresenta dificuldades em estabelecer interações sociais com os colegas.”
A respeito do acompanhamento escolar, a SEE/MG afirmou que “a direção da unidade escolar informou que já fez encaminhamentos quanto à necessidade de uma avaliação médica para que a estudante, se for o caso, seja acompanhada por profissionais especializados em atendimento. No entanto, a gestão tentou contato com a mãe, por diversas vezes, para propor uma reunião para discutir o caso, mas não obteve êxito”.
Em conclusão, a secretaria disse: “A SEE/MG esclarece, ainda, que a Superintendência Regional de Ensino Metropolitana A, responsável pela coordenação da unidade, não foi comunicada e informada pela família sobre a situação, não houve qualquer registro de formalização da queixa, nem presencial nem pelos canais de atendimento”.
E continua: “Além disso, reforçamos que a pasta tem implementado diversas ações e projetos na rede pública estadual, para a conscientização da comunidade escolar sobre a importância da prevenção e combate ao bullying, cyberbullying e outras formas de violência no ambiente escolar. Dentre elas, o Programa de Convivência Democrática, presente na rede, desde o ano de 2019, e o Projeto Socioemocional, lançado neste ano, que tem como objetivo contribuir com a melhoria do clima escolar reduzindo os casos de bullying e violência, promovendo valores como: diálogo, respeito, empatia, inclusão e amizade, para aprimorar o ambiente escolar, ambos focados na promoção da paz nas escolas”.
Questionada a respeito do acompanhamento médico, a mãe contou que a escola solicitou nesta quarta-feira (19/6) um laudo de psicólogo da criança, inclusive de outras instituições onde ela já estudou. Porém, ela afirmou que não levará o documento e decidiu transferir a criança da escola.
* As identidades da mulher e da filha e o nome da escola não foram divulgados para preservar a integridade da menina.