Um relatório produzido pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente (Cia-BH) acende o alerta para o aumento no número de menores de idade atendidos pelo Poder Judiciário em Belo Horizonte por praticar atos infracionais. Em 2023, o total de adolescentes encaminhados à Vara da Infância e da Juventude de BH subiu 8% em comparação ao ano anterior, passando de 1.848 para 2.005.

 

 

Por sua vez, os atendimentos individuais – quando um menor é encaminhado pela Polícia Civil para a Vara Infracional – , que incluem menores reincidentes, aumentaram 11%. O relatório completo foi divulgado na manhã desta quinta-feira (27/6).


 

A quantidade de adolescentes infratores atendidos na capital mineira vinha de uma queda constante, em torno de 8% ao ano, entre 2015 e 2019. Em 2020, primeiro ano da pandemia de COVID-19, a queda foi vertiginosa, de 33%. A diminuição seguiu até atingir os menores índices da série histórica em 2022. A pandemia exigiu que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) alterasse as rotinas de atendimento e adiasse audiências - cenário que influenciou na diminuição dos índices.


"Depois que a pandemia passou, aumentaram os números. E a tendência é aumentar a cada dia, apesar dos projetos que temos para reduzir esses casos", relata a juíza titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude e coordenadora do Cia-BH, Riza Aparecida Nery. Um dos motivos para a queda durante a pandemia são as infrações cometidas dentro de escolas, que reduziram consideravelmente com o fechamento das instituições de ensino como forma de conter o contágio.

 




Aumento de estupros 


O documento também mostra um crescimento nos casos de estupros de vulnerável praticados por menores de idade em BH, que aumentaram 222% entre 2022 e 2023, passando de 9 para 29 ocorrências. No mesmo período, os registros de importunação sexual passaram de 7 ocorrências para 12 no ano seguinte - aumento de 71%. Os casos de estupro se mantiveram no mesmo patamar, com 3 ocorrências em cada ano.


Segundo a juíza, essa tendência se deve ao incentivo maior para que as vítimas denunciem as agressões. "[Os estupros] podem ser contra maiores ou contra menores de idade. No caso de vulnerável, nós temos os doentes mentais, que não tem noção do que acontece e não tem capacidade de consentir com o ato", explica a coordenadora do Cia-BH.

 

O poder do tráfico


O tráfico de drogas é o principal ato infracional cometido por adolescentes, responsável por 35% dos registros na capital mineira. De acordo com o documento, parte considerável dessas ocorrências são praticadas por menores de idade que entram para o tráfico para sustentar o vício em drogas. Ao ter a carga apreendida pela Polícia Militar, o menor infrator contrai dívida com os traficantes - e o desfecho pode ser trágico.


"O adolescente envolvido no tráfico de drogas tem grande possibilidade de ser assassinado. Nós ficamos muito tristes porque você faz audiência com o adolescente hoje, passa três dias e vem notícias de que ele foi morto", conta a magistrada.

 

Perfil dos infratores


Além do detalhamento dos atos infracionais, o relatório traz uma dimensão dos perfis dos menores infratores. O documento aponta, a partir de um levantamento feito por amostragem, que "os autores de atos infracionais são, de forma exponencial, do sexo masculino, com idade entre 15 anos e 17 anos".


Quase a totalidade dos adolescentes infratores estudam em escola pública (99,83%). A maioria (70%) possui renda familiar de até 3,5 salários mínimos.  No recorte de cor, 66% são pardos, 16% são pretos e 15% são brancos - outras etnias e pessoas que não responderam somam 3%. 


Os atos infracionais praticados por pessoas do sexo masculino representam 84% dos casos - 16% são praticados por pessoas do sexo feminino.



Como recuperá-los


Os menores de idade são considerados inimputáveis pelo Código Penal e, portanto, devem ter punições diferentes dos adultos. A responsabilização dos menores infratores é feita pelo sistema socioeducativo, que inclui, além de punições e eventuais internações, medidas para evitar a reincidência.


A Vara da Infância e da Juventude de BH possui uma parceria com o Centro de Formação Profissional Divina Providência (Cedipro) onde são oferecidos cursos profissionalizantes para os infratores e seus familiares. Em 2023, foram matriculados 140 adolescentes e 23 parentes por essa parceria.


Para a juíza Riza Nery, o sucesso desta iniciativa passa por um trabalho de acolhimento com a família dos adolescentes. "[A evolução] depende da vontade do menor e do apoio da família. Quando eles têm estrutura familiar, 80% saem recuperados. Lá dentro eles estudam, têm cursos profissionalizantes, e já saem também com emprego, porque nós temos outros projetos que acolhem esses egressos do socioeducativo para o trabalho", defende a magistrada.

 

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