Duas estátuas em homenagem à antropóloga Lélia Gonzalez e à escritora Carolina Maria de Jesus foram inauguradas neste domingo (30/6), no Parque Municipal, no Centro de BH. As mineiras passam a integrar o Circuito Literário de Belo Horizonte e são as primeiras mulheres negras a fazer parte da iniciativa. 


A cerimônia contou com a presença de parentes de Lélia e Carolina, autoridades e representantes dos movimentos negros da capital. As obras, em bronze e tamanho real, foram feitas pelo artista Léo Santana. As duas estão aos pés de uma árvore frondosa, em frente ao Teatro Francisco Nunes.  


A cerimônia começou com um cortejo das Yiaminas, integrantes do Bloco Afro Magia Negra, formado por mulheres que pertencem a Reinados e Candomblés. As esculturas passaram por uma cerimônia de purificação com pipocas e água de cheiro. O percurso também recebeu a purificação e foi feito ao som de atabaques. Houve ainda uma apresentação de hip hop de alunos da Escola Municipal Carolina Maria de Jesus, localizada no Bairro Aarão Reis, na Região Nordeste da capital. 


O encerramento foi feito com um canto de matriz africana, e todas as mulheres negras presentes foram convidadas a participar. Elas se abraçaram e cantaram juntas. 


Reconhecimento e reparação  


A coordenadora de desenvolvimento e articulação institucional da Secretaria Municipal de Cultura, Arminda Aparecida de Oliveira, afirma que a presença das estátuas é um marco na história de Belo Horizonte. 

 




“Não existe outra cidade que apresenta estátua dessas mulheres. Ela faz parte da política de promoção de igualdade racial de BH, que possui um plano municipal de promoção da igualdade racial, além do programa Rede de Identidades Culturais, voltado para promoção e reparação da igualdade racial da secretaria.”  


Para a coordenadora, a importância da homenagem está também em reconhecer e reparar as desigualdades racial e de gênero. “Que também se reproduzem em relação às mulheres, não só em Belo Horizonte, mas no Brasil como um todo. São duas mulheres negras.” 


Outro ponto destacado por Arminda é que elas agora fazem parte do Circuito Literário de Belo Horizonte. “Ele homenageia outros grandes nomes da literatura mineira. Elas vão fazer parte, reforçando a importância da literatura e de pensadoras negras dentro desse circuito.”


Representatividade e inspiração


Poucas horas após a inauguração, as estátuas chamavam atenção de quem passava pelo Parque Municipal. Muitos paravam para tirar fotos com as homenageadas, outros tentavam saber quem eram. 


O fotógrafo Wellington Carneiro, de 60 anos, disse que ficou sabendo que a inauguração ia acontecer neste fim de semana. "Mas não prestei tanta atenção que era hoje." Ele conta que foi avisado por amigos em um grupo de WhatAapp. “Saí de um evento e resolvi passar aqui agora. Queria ter pegado o cortejo", lamenta. 

 

O fotógrafo Wellington Carneiro

Marcos Vieira /EM/DA. Press


Porém, aproveitou para conhecer e tirar fotos das obras. "Estou arrepiado. Isso é muito importante para os negros, escritores e poetas negros. Só vemos estátuas de pessoas brancas. Vendo um negócio desses, dá até vontade de chorar", afirmou emocionado. "É gostoso saber que estamos conseguindo essas vitórias, e acho que vamos conseguir muitas mais."

 

O fotógrafo destaca a importância das homenageadas. "Tem gente que não conhece Carolina e Lélia. Agora podem ter curiosidade de conhecer e se inspirar. Isso é uma grandeza para a cultura negra. As pessoas vão passar a conhecê-las. Precisamos de pessoas para nos representar." 


A atriz Cris Andrade, de 36 anos, aproveitou para apresentar as homenageadas ao filho Samuel, de 3. “Vim pela educação que quero passar para ele, da importância de ele reconhecer autoras negras que fizeram diferença tanto na educação quanto na política. Meu filho é negro, então quero que ele já se veja nesse lugar de representatividade. Ver mulheres ocupando esse espaço dentro da academia, espaços de poder cultural, da palavra.”

 

A atriz Cris Andrade e o filho Samuel

Marcos Vieira /EM/DA. Press


Ela conta que o livro na mão da estátua da escritora Carolina Maria de Jesus chamou atenção do menino. “Ele queria saber o que tinha dentro do livro, pediu para ver. Querendo ou não, fica na memória da criança.”


Sobre a homenagem, a atriz acha uma iniciativa maravilhosa. “Aqui é um espaço público, ocupado por muitas pessoas negras. Ter a imagem delas aqui é muito forte para esse reconhecimento. Quando estávamos vindo para cá, ele me perguntou: ‘Quem são esses homens?’”, se referindo às demais estátuas no parque. 


Ela respondeu não fazer a menor ideia. “Mas essas eu conheço. Foi muito bom. Agora ele já sabe o nome delas”, avalia. 


As estátuas também eram o centro das atenções da cozinheira Monique Siqueira, de 37 anos, que lia a placa com os nomes das homenageadas para os filhos Pedro, de 8, e Lara, de 6. Perguntada se conhecia as duas, ela disse que não. "Por isso que eu estava lendo e vou procurar saber", afirma.

 

Monique conta que ficou curiosa para conhecer a história da escritora e da antropóloga. Os filhos são quem se interessaram primeiro pelas esculturas. "Eles gostam sempre de saber quem são as pessoas representadas nas estátuas."

 

A cozinheira Monique Siqueira e os filhos Lara e Pedro

Marcos Vieira /EM/DA. Press

 

Apesar de não conhecer a história das homenageadas, a cozinheira aprovou a iniciativa por causa da representatividade. "Por serem mulheres negras, é muito lindo. Vamos ganhando um repertório sobre isso (a luta das mulheres negras). Agora vou procurar saber sobre elas. A gente precisa, é nossa cultura. E passá-la para eles", diz, se referindo aos filhos.

 

Preservar a memória do povo negro 


A jornalista e colunista de Diversidade do Estado de Minas, Etiene Martins, conta que foi uma das idealizadoras das esculturas. Segundo ela, foi um trabalho árduo até a cerimônia de inauguração deste domingo. 


“Quando eu escolhi Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus para serem homenageadas, tinha como objetivo preservar a memória do povo negro mineiro. A memória é direito de todos, mas até ontem foi tratada como privilégio exclusivo de pessoas brancas como podemos ver nas tantas outras estátuas presentes na nossa cidade. Espero que essas sejam as primeiras de muitas, já que em Belo Horizonte, assim como no Brasil, a maior parte da população se autodeclara negra.”

 

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