A mineira Carolina Arruda Leite, de 27 anos, que está arrecadando dinheiro para realizar eutanásia na Suíça, conta que a filha, de 10 anos, entende sua escolha. De acordo com a mulher, ela conversa muito sobre o assunto com a menina. Embora a pequena Isabela sofra com a decisão, diz entender a situação, assim como outros familiares.
Carolina é médica veterinária e atualmente mora em Bambuí, na Região Central de Minas Gerais. Ela tem neuralgia do trigêmeo bilateral, uma doença que afeta o nervo trigêmeo, responsável pela sensibilidade da face. Segundo especialistas, a doença causa uma das piores dores do mundo. Devido à baixa qualidade de vida, a jovem decidiu realizar uma eutanásia, interrupção da vida de um paciente acometido de grave doença. Como no Brasil a prática é proibida, ela arrecada dinheiro para fazer o procedimento na Suíça.
A dor e a limitação causadas pela doença são tema de conversa com a família, que já disse que se uma pessoa opta por morrer é porque a dor deve ser muito forte. Para ela, é difícil tomar a decisão, ainda mais por saber que a filha vai sofrer com a perda, mas a doença também impacta emocionalmente a vida de Isabela. Em entrevista ao Estado de Minas, a jovem desabafa a respeito da decisão tomada e o impacto sobre a família.
“A decisão vai afetá-la, assim como a toda família, mas lidar com a dor da perda é momentânea. Acho que depois ficarão só as lembranças”, conta.
A jovem lembra que perdeu muitos momentos com a filha desde o nascimento da pequena. Segundo a veterinária, a dor atrapalha em muitos quesitos com a menina. Isso porque, desde 1 ano de idade, Isabela teve de morar com a avó em São Lourenço, no Sul de Minas, já que Carolina não tinha estabilidade na saúde para cuidar da criança.
“Perco muitos momentos com ela, dos momentos que eu poderia ter de mãe e filha, perco vários. Eu perdi vários. Perdi os dez anos da vida dela porque ela foi morar com a minha avó com 1 ano de idade, porque não aguentava mais cuidar dela. Quando vou para o hospital, não sei quantos dias vou ficar lá, se são semanas. Então não podia deixar uma criança com essa instabilidade de vida”, desabafa.
A situação é intensificada com a rotina de vida que segue. A mulher visita a filha todo mês, mas sente que não é a mesma coisa. Os momentos em família que deveriam ser divertidos foram comprometidos pela doença de Carolina.
“Não consigo brincar com ela. Eu queria muito viajar com ela, mas não consigo. Perdi a festa junina da escola dela porque eu estava com muita dor. Os maiores gatilhos para a dor são vento e frio, e a festa junina seria em um local aberto no período da noite, então tive que abrir mão por esse motivo. Já estava com dor e me submeter a esses gatilhos ia me causar mais dor ainda”, relata.
Para ela, a decisão não é fácil, mas é a melhor a se fazer. Além da filha, Carolina conta que já conversou com as pessoas que convivem com ela sobre a decisão, como a mãe, a avó e o marido. De acordo com a jovem, familiares já sabem da vontade dela há muito tempo e, apesar de entenderem a decisão, não concordam.
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“As pessoas lidam de uma forma bem compreensível. Minha família fala que entende, que compreende minha situação e minha vontade, mas obviamente eles não aceitam. Não querem que eu faça, mas entendem”, diz.
Repercussão
A veterinária contou à reportagem do Estado de Minas que já teve esperança em melhorar e poder viver sem dor, mas depois de várias tentativas, entendeu que a situação não vai mudar. A dor que a mineira sente é comparada por ela com choques elétricos equivalentes ao triplo da carga de uma rede de 220 volts, que atravessam seu rosto constantemente, sem aviso ou trégua.
“Tive esperança várias vezes, em cima de vários procedimentos, tanto cirúrgicos quanto farmacológicos que tentei, e essa experiência só fez piorar. Só fez com que eu ficasse mais ansiosa e cada vez mais decepcionada depois que a tentativa não dava certo. Para mim, já passou essa fase de achar que tem solução, porque sei que não tem mais”, diz.
Com a repercussão do caso, a jovem recebeu alguns comentários em suas publicações recebendo indicações de tratamentos alternativos e até a indicação de médicos especialistas para que ela repensasse a decisão de realizar a eutanásia. Embora os comentários não façam com que Carolina mude de ideia, ela acredita que as pessoas são bem intencionadas sugerindo outras opções.
“Acho que as pessoas estão tentando ajudar, então não vejo como um desserviço nem interpreto de uma forma ruim. Eu acredito que as pessoas estão tentando ajudar e que estão tentando buscar esperança para mim. As pessoas vendo de fora realmente criam esperança em cima de tratamentos e médicos diferentes, mas não tenho mais essa esperança”, conta.
Vaquinha
A jovem está organizando uma vaquinha online desde segunda-feira (1/7) para custear sua ida até a Suíça a fim de realizar eutanásia, já que o procedimento é proibido no Brasil. De acordo com Carolina, a vaquinha ficará aberta até a arrecadação total do valor de R$ 150 mil, que deve arcar os custos de viagem para o país e passaporte, médicos na Suíça e médicos no Brasil para indicação do procedimento e formulação dos laudos médicos, eutanásia, cremação e possíveis advogados.
Até as 12h dessa terça-feira (3/7), Carolina Arruda Leite, de 27 anos, tinha arrecadado quase R$ 5 mil. Em um dia, a vaquinha teve um aumento de mais de R$ 33 mil, totalizando em R$ R$ 38.882,32 até a publicação da matéria.
Ao todo, 824 pessoas contribuíram para a arrecadação do valor desde a criação, há três dias. Desses apoiadores, cerca de 700 contribuíram nas últimas 24 horas. Carolina diz acreditar que as pessoas têm se sensibilizado por ela, pois sabe que existem várias outras pessoas acometidas por doenças que causam dor.
“Acho que meu caso está sensibilizando muita gente, por isso esse aumento do valor tão repentino. Muita gente sofre com dores ou conhece alguém que sofre bastante, acredito que as pessoas que estão ajudando sejam empáticas com a situação”, conta a jovem.
A sensibilização pelo caso tomou repercussão depois da jovem passar a compartilhar sua rotina de cuidados nas redes sociais. Ela compartilha as dificuldades, como os momentos de crise, que causam dor extrema, e as medicações que toma. Em vídeos, ela conta que já tentou buscar tratamentos, além de realizar quatro cirurgias para reverter a situação, mas sem sucesso.
Interessados em contribuir com a vaquinha podem clicar aqui ou ajudar usando a chave pix 4925543@vakinha.com.br.
CVV (Centro de Valorização da Vida)
A recomendação dos psiquiatras é que a pessoa que pensa em suicídio busque um serviço médico disponível. O Centro de Valorização da Vida (CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Voluntários atendem ligações gratuitas 24h por dia no número 188, por chat, via e-mail ou diretamente em um posto de atendimento físico.
* Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata