Carolina Arruda Leite já alcançou mais de 20% do valor da vaquinha online para realizar eutanásia na Suíça -  (crédito: Freepik, arquivo pessoal - Montagem/EM.DAPRESS)

Carolina Arruda Leite já alcançou mais de 20% do valor da vaquinha online para realizar eutanásia na Suíça

crédito: Freepik, arquivo pessoal - Montagem/EM.DAPRESS

O caso da mineira Carolina Arruda, de 27 anos, levantou diversas questões sobre moral e dignidade. Com neuralgia do trigêmeo bilateral, doença que afeta o nervo trigêmeo, responsável pela sensibilidade da face, ela tomou a decisão de criar uma vaquinha para bancar os custos de um suicídio assistido na Suíça – único país que aceita estrangeiros para o procedimento –, já que tanto ele quanto a eutanásia são proibidos e considerados crimes no Brasil.

 

“Eu tive esperança várias vezes, em cima de vários procedimentos, tanto cirúrgicos quanto farmacológicos que eu tentei e essa experiência só fez piorar. Só fez com que eu ficasse mais ansiosa e cada vez mais decepcionada depois que a tentativa não dava certo. Pra mim, já passou essa fase de achar que tem solução, porque eu sei que não tem mais”, contou a jovem ao Estado de Minas.

 

 

Com a repercussão do caso, ela chegou até a receber indicações de tratamentos alternativos e de médicos especialistas para que ela repensasse a decisão de realizar a eutanásia, mas ela é firme sobre a decisão.

 

“Eu acho que as pessoas estão tentando ajudar, então eu não vejo como um desserviço nem interpreto de uma forma ruim. Eu acredito que as pessoas estão tentando ajudar e que estão tentando buscar esperança para mim. As pessoas vendo de fora realmente criam esperança em cima de tratamentos e médicos diferentes, mas eu não tenho mais essa esperança”, afirmou.

 

Moral religiosa

Para pesquisadora sobre temas de fim de vida e advogada especialista em Direito Médico, Luciana Dadalto, a relutância do público em geral de aceitar a ideia de eutanásia e suicídio assistido parte de uma moral religiosa.

 

“É uma ideia de que a vida pertence a Deus e que somente Deus pode tirar a vida de alguém; que as pessoas não podem escolher colocar um fim na própria vida quando estão gravemente doentes. E isso vem de uma moralidade judaico-cristã”, explica ela.

 

 

No caso de Carolina, não seria diferente. “É só ver os comentários nas reportagens sobre ela que já saíram. Tem um monte de gente falando que isso é falta de Deus, que ela precisa procurar a Igreja etc. Na verdade, é uma dificuldade que a sociedade tem de lidar com a autonomia do outro. A gente quer interferir na autonomia e julgar o sofrimento de outra pessoa”, afirma.

 

Dignidade humana

Em sua vaquinha, Carolina afirma que “Depois de esgotar todas as opções médicas disponíveis e enfrentar uma dor insuportável diariamente, tomei a difícil decisão de buscar a eutanásia como uma forma de encerrar meu sofrimento de maneira digna”.

 

Dadalto explica que a dignidade é um conceito pessoal e, por isso, pode variar de pessoa para pessoa. “Quando a gente entende isso, podemos concluir que a Carolina tem o direito de dizer que uma morte digna, para ela, é abreviar a sua vida para não continuar a sofrer”, afirma.

 

A advogada, que já acompanhou um procedimento de suicídio assistido na mesma instituição em que Carolina pretende realizar, conta que escutou o coordenador da Dignitas questionar sobre o tema.

 

 

“Vocês chamam isso de morte digna, mas não consigo achar digno uma pessoa viajar para um outro país, deitar numa cama que não é dela e falar um idioma que não é o dela para morrer. Eu não consigo achar que isso seja efetivamente o melhor conceito de morte digna que a gente pode construir”, disse ele.

 

“Então, tem a ver com uma concepção cultural, social do que é a dignidade, do que fazemos e quais as opções que a gente ganha enquanto sociedade para pessoas que tem uma dor que a Medicina não consegue controlar”, acrescenta Dadalto.

 

Para ela, é necessário questionar se, dentro do princípio de dignidade da pessoa humana que a Constituição Federal traz, não haveria o direito de ter uma morte medicamente assistida.

 

Eutanásia x suicídio assistido

Dadalto explica que tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido são práticas proibidas e criminalizadas no Brasil.

 

“A diferença é que, na eutanásia, quem pratica o ato que causa a morte é uma terceira pessoa, normalmente um médico, que geralmente injeta uma substância letal no paciente. No suicídio assistido, quem pratica o ato que causa a morte é a própria pessoa, autoadministrando um dose letal que foi prescrita por um médico”, atesta.

 

Apesar de comumente chamada de eutanásia, a prática que se realiza na Dignitas é o suicídio assistido, já que a eutanásia em si ainda é proibida na Suíça.

 

 

“No caso da Carolina, o que ela está fazendo é uma vaquinha para ir para a Suíça porque é o único país do mundo que aceita estrangeiros para o procedimento. A gente chama isso de turismo para a morte”, diz.

 

De acordo com a pesquisadora, todo o processo para conseguir realizar o procedimento na Suíça deve ser feito pela própria pessoa, já que a ajuda – seja ela de amigos, familiares ou profissionais – pode ser considerada instigação ao suicídio, também considerada crime no Brasil.

 

“Como é uma prática ilícita no Brasil, ela não pode ter auxílio de ninguém. Sozinha, ela deve pegar os relatórios médicos e submeter para a Dignitas, mas a instigação ao suicídio é um crime no Brasil”, explica.

 

 

“Inclusive, como advogada especializada em Direito Médico, eu sou constantemente procurada por pessoas que desejam informações sobre o procedimento, mas eu não posso dar essas informações porque estamos falando de um crime no Brasil”, complementa ela.

 

Sem romantização

Luciana Dadalto também afirma que, apesar de significar dignidade para Carolina, o suicídio assistido ainda assim não deve ser romantizado.

 

“No Brasil, a gente tem uma ideia muito romantizada do suicídio assistido na Suíça por conta de alguns filmes hollywoodianos que mostram como se fosse uma coisa assim, mas eu que já acompanhei um desses procedimentos como pesquisadora, posso dizer que não tem nada de simples ou de romântico nisso. É muita burocracia, muitos papeis”, diz.

 

“A Carolina, arrecadando o dinheiro, já vai ter mandado um monte de documento comprovando a doença e que ela tem condições de decidir e, depois, vai passar por consultas médicas para averiguar a capacidade decisória dela. Se tudo der certo, ela vai receber o que chamamos de luz verde, significando que ela vai poder agendar a realização do procedimento, mas é um processo demorado, e tem toda a questão de estar longe de casa, num lugar estranho, em seus últimos momentos de vida”, completa.

 

CVV (Centro de Valorização da Vida)

 

A recomendação dos psiquiatras é que a pessoa que pensa em suicídio busque um serviço médico disponível. O Centro de Valorização da Vida (CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Voluntários atendem ligações gratuitas 24h por dia no número 188, por chat, via e-mail ou diretamente em um posto de atendimento físico.