O Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais (MPT-MG) moveu uma ação civil pública contra a Prefeitura de Prata, no Triângulo Mineiro, que estabelece uma multa de R$ 1 milhão como indenização pelo acidente de trabalho que levou à morte do funcionário João Paulo Belarmino em agosto de 2023.
Segundo o documento, o servidor dirigia uma pá carregadeira que estava sem freio há mais de dois anos e sem o equipamento adequado, quando o veículo tombou na zona rural do município. O profissional não possuía habilitação ou treinamento adequado para operar a máquina.
O documento afirma que a vítima teria trabalhado o fim de semana todo antes de sua morte, por determinação da chefia, sendo orientado a não realizar o registro de ponto biométrico para fugir da fiscalização do Ministério Público do Trabalho. João Paulo e outros trabalhadores contratados pela prefeitura trabalhavam com maquinários pesados na zona rural aos sábados e domingos, sendo pagos pelos proprietários das terras ao qual realizam o serviço.
O MPT aponta que era de conhecimento do prefeito Marcel Vieira “Xexéu” (PP) e do secretário de administração Alessandro Camargos a falta de condições e equipamentos para a segurança dos funcionários, e que a chefia imediata da vítima tentou interferir na perícia da Polícia Civil e coagir servidores a mentir da situação do maquinário.
O irmão de João Paulo, Natanaércio Belarmino, conta que a família luta para se “reorganizar” após a perda. “Eu morava em Uberlândia, tive que voltar para Prata para cuidar dos meus pais que estão sofrendo muito. A minha cunhada, esposa do João, está segurando as pontas para cuidar do filho deles de oito anos. A renda da família era de R$ 6 mil, agora é de no máximo R$ 2 mil”, relata.
O filho da vítima possui transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, o TDAH, e precisa estudar em uma escola particular que possa suprir as necessidades de aprendizagem da criança. Natanaércio conta que o irmão tinha matriculado o sobrinho poucos meses antes de morrer e que, agora, ele e o pai lutam para cumprir com a vontade de João Paulo em garantir o estudo do filho.
“Eu ajudo a minha cunhada com dinheiro e resolvo quase tudo para eles. Estou em dois empregos para conseguir pagar a escola dele”, desabafa.
Para o irmão da vítima, o pagamento da multa para a família significa uma possibilidade de manter a qualidade de vida que era oferecida por João Paulo. “Esse é um dinheiro muito maldito para a família dele, mas vai ajudar a pagar a escola e dar qualidade de vida para o meu sobrinho”, pontua.
A família confirmou que João Paulo trabalhava nos fins de semana para garantir uma renda extra.
Procurado pelo Estado de Minas, o prefeito de Prata negou que sabia das condições inseguras de trabalho oferecidas aos servidores. Marcel ainda declarou que não concorda com o valor da multa e considera o valor “abusivo”. O chefe do executivo informou que haverá uma reunião na Câmara Municipal para avaliar o pagamento da multa.
“Eu estive no local do acidente e procurei a família, resolvi os trâmites na funerária e me mantenho disposto a entrar em acordo sobre o pagamento da indenização. Se isso for judicializado pode demorar muito para sair”, afirma Marcel.
A procuradora do município, Lauriane Vieira, declarou que não houve a citação oficial sobre a ação civil pública. “Reiteramos nosso compromisso com a transparência e a segurança dos trabalhadores e esclarecemos que, tão logo sejamos oficialmente notificados, tomaremos todas as medidas necessárias para esclarecer os fatos e cumprir com todas as determinações legais”, pontua.
Ameaças
O MPT-MG realizou uma inspeção na situação dos maquinários e veículos do município e da capacitação dos trabalhadores envolvidos na operação das máquinas e equipamentos em maio deste ano e constatou diversas irregularidades.
“Foram observadas várias máquinas sem itens de segurança e em precárias condições, expondo os trabalhadores e terceiros a risco de acidentes. Inclusive, um dos operadores de máquinas entrevistado estava operando retroescavadeira sem sinal sonoro de ré e sem retrovisor, tendo declarado que a máquina “não está com o freio bom, que precisa ficar bombeando para funcionar”, afirma o documento.
“O Município não realiza as devidas manutenções e não possui plano de manutenção das máquinas/equipamentos para fins de verificação das condições de segurança e reparo dos sistemas e peças”, conclui o órgão.
O coordenador de segurança do trabalho do município denunciou que começou a ser perseguido depois de realizar inspeções no maquinário. Segundo o órgão, o funcionário identificou um trabalhador trabalhando em altura com motosserra e sem qualquer equipamento de proteção e orientou a interdição da obra.
O prefeito teria afirmado que abriria um procedimento administrativo contra o profissional, que está em estágio probatório. Outros funcionários relataram à reportagem que estão sofrendo assédio moral, mas temem expor os casos por medo de uma retaliação do executivo.
Outras quatro ações civis públicas já haviam sido ajuizadas pelo MPT-MG contra o município em 2019 e foram celebrados acordos que exigem acompanhamento ministerial quanto ao cumprimento de suas cláusulas obrigacionais, que tratam de normas de saúde e segurança do trabalho.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice