CALVÁRIO - Com guias e pedidos em uma das mãos, Regina da Silva Ferreira diz que não sabe mais o que fazer para ser chamada e corrigir uma fratura no pulso, sofrida em 2022 -  (crédito:  Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Com guias e pedidos em uma das mãos, Regina da Silva Ferreira diz que não sabe mais o que fazer para ser chamada e corrigir uma fratura no pulso, sofrida em 2022

crédito: Edésio Ferreira/EM/D.A Press

Uma espera cercada de incertezas e que obriga pacientes a conviverem com dor, afastamento do trabalho e mudança em suas rotinas. Essa é a realidade de quem aguarda por uma cirurgia eletiva na rede pública em Minas Gerais. De acordo com o Plano Estadual de Redução de Filas (Perf), do Ministério da Saúde, a fila no estado tem 473.939 solicitações pendentes.


As cirurgias eletivas – aquelas que podem ser programadas por, em tese, não terem urgência – mais realizadas no estado são para retirada de hérnia e vesícula, laqueadura, vasectomia, retirada do útero e tratamentos para varizes, segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG). A pasta informa ainda que a responsabilidade pela gestão das filas de acesso, priorização e agendamentos de procedimentos, além de exames e cirurgias eletivas, é das secretarias municipais de saúde.

 

 


Na capital mineira, são cerca de 28 mil pessoas cadastradas na Central de Internação à espera de procedimentos eletivos. De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), as especialidades com maior demanda são: otorrinolaringologia, urologia, cirurgia plástica e ortopedia. O Executivo municipal ressalta que todos os pacientes cadastrados estão ranqueados por critérios de prioridade e os casos mais graves são priorizados.

 

Agricultor Jurandir Henrique da Silva

FORÇA INTERIOR - O agricultor Jurandir Henrique da Silva, morador de Pedralva, no Sul de Minas, tenta manter a alegria enquanto aguarda por uma intervenção cardiovascular

ARQUIVO PESSOAL

 

SEM PODER TRABALHAR

 

 

Em Contagem, na Grande BH, atualmente há 8.440 pacientes aguardando por uma cirurgia eletiva. A prefeitura informa ainda que o tempo de espera é de a partir de 90 dias. As especialidades mais demandadas são: urologia, reparadora, otorrino, ortopédica, oftalmológica, neurológica, ginecológica, geral, endocrinológica, cardiovascular, de mama e buco maxilar.


A doméstica Regina da Silva Ferreira, de 55 anos, é uma dessas pessoas. Moradora do Bairro Maracanã, ela espera há quase dois anos por uma cirurgia ortopédica no pulso. “Estou com uma guia de pedido de 7 de novembro de 2022. Tive uma fratura no pulso em outubro de 2022. Fiz a consulta com um médico depois de uma semana porque a dor continuou”, explica. “Ele me deu um remédio, achava que era uma inflamação ou esforço por movimento repetitivo. Pediu um raio-X, ressonância e ultrassom. Descobrimos que precisava de cirurgia.”


Segundo a doméstica, o plano de saúde do marido não cobria a cirurgia. Por isso, teve que entrar na fila do Sistema Único de Saúde (SUS). “E estou até hoje esperando”, desabafa.


O problema faz com que ela não consiga mais trabalhar. “Não posso esfregar uma panela, cortar uma verdura, torcer roupa. Estou afastada até hoje. Não tenho outra função. Meu serviço é braçal, não tem como”, destaca.

 

 

A paciente também não recebeu nenhuma previsão de data para o procedimento. “Estou correndo atrás. A médica do posto disse que ia conversar com a supervisora. Consegui um telefone e a moça me mandou ligar na segunda semana de julho.”


A demora e o afastamento das atividades deixam a doméstica frustrada. “É horrível, causa estresse. A médica queria me receitar até calmante. Estou esperando a boa vontade desse povo, não sei quando vai sair”, argumenta.

 

Auxiliar de limpeza Jéssica Mendes

ATÉ QUANDO? - há três anos afastada do trabalho em Uberlândia, no Triângulo, a auxiliar de limpeza Jéssica Mendes aguarda por uma cirurgia de menisco no joelho direito

Vinícius Lemos/EM/D.A PRESS


DEPRESSÃO E MEDO


Outro que teve de deixar o trabalho é o agricultor Jurandir Henrique da Silva, de 51. Morador da zona rural de Pedralva, no Sul de Minas, ele espera há mais de um mês por uma cirurgia cardiovascular. O agricultor vai precisar trocar uma válvula do coração, que não está funcionando corretamente. “O médico disse que eu deveria ter feito a troca há 10 anos. Mas eu não sabia”, explica.


Jurandir conta que resolveu procurar atendimento depois de começar a sentir cansaço. Após passar por alguns exames, o problema foi diagnosticado e ele precisou interromper as funções no campo. “Não tem como. Dá muita canseira, falta de ar. Acelera muito o coração”, relata.
O afastamento das atividades ocasionou uma depressão. A esposa dele também trabalha na roça e agora é quem cuida do sustento da família. A expectativa é de que a cirurgia seja feita este mês, mas ainda sem dia definido.
O agricultor confessa ter medo de que a espera piore seu quadro clínico. “A válvula não está bombeando direito. Então, se der uma ‘zebra’ aqui, não dá tempo de chegar nem em Pedralva”, afirma. Ele aguarda pela cirurgia no Hospital de Clínicas de Itajubá, referência nessa região do estado.


URGÊNCIA DE TRÊS ANOS

 


Em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, são 300 mil pacientes aguardando procedimentos eletivos, entre cirurgias e exames. O levantamento, com base no primeiro trimestre de 2024, foi feito pelo Ministério Público Federal (MPF), que acompanha de perto a situação. As cirurgias de hérnia, de retirada de vesícula e de ortopedia em geral são as de maior demanda, segundo dados da Procuradoria da República e informações divulgadas pelo município. Entre os exames, os mais procurados são ultrassonografia e raio-X.


Há três anos afastada do trabalho, a auxiliar de limpeza Jéssica Mendes aguarda por uma cirurgia de menisco no joelho direito. Ela sente dores e diz que tem mil pessoas à sua frente para o procedimento no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU). A posição na fila, porém, não é oficial. “Sinto muita dor, não tenho condição de continuar em trabalho de limpeza. E pior, tem três anos que espero para fazer a cirurgia e não tem previsão para me chamarem”, declara.


Segundo a auxiliar de limpeza, o problema no joelho é consequência de esforço repetitivo em serviços de faxina, como subir e descer escadas, além de suportar muito peso. “Meu caso é considerado urgente. Tem prioridade vermelha e, mesmo assim, não tenho data para fazer (a cirurgia).” Enquanto isso, ela está afastada das atividades pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e tem dificuldade de se locomover.

 

Em Montes Claros, no Norte de Minas, a fila de espera para as cirurgias eletivas, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), conta com 5.059 pessoas. As especialidades mais procuradas são ginecologia, vascular, otorrino, oftalmologia, ortopedia, urologia, plástica, pediátrica, neurologia (coluna), vasectomia, cabeça e pescoço, bariátrica e endovascular.


A saúde pública da cidade-polo do estado é sobrecarregada com a chegada de pacientes dos demais municípios da região. A grande maioria dos pequenos municípios têm somente unidades básicas de saúde e encaminham os pacientes para procedimentos de média e alta complexidade para municípios maiores, como Montes Claros.

 

 

A dona de casa Virgínia Pereira Idalino, de 39 anos, é uma das pacientes na fila de espera. A mãe de três filhos aguarda há mais de três meses por uma cirurgia nos rins – implante de cateter duplo J. Além enfrentar demora no atendimento, dor, sangramento e infecções, Virgínia vive outro tormento: ao procurar a Secretaria Municipal de Saúde foi informada de que Montes Claros não realiza o procedimento pelo SUS. De acordo com a pasta, não há médico credenciado para fazer esse tipo de intervenção.


“Na cidade, existem vários médicos que fazem a cirurgia particular. É uma vergonha não ter um serviço credenciado pelo SUS”, reclama. Segundo ela, o procedimento na rede particular custa, no mínimo, R$ 14 mil. “Se a gente tivesse esse dinheiro, eu já teria feito a cirurgia”, afirma. A mulher sofre com problemas renais crônicos desde 2016.


Por causa da doença nos rins (nefrolitíase), a dona de casa já passou por quatro cirurgias. Duas delas foram feitas em Uberlândia, já que não conseguiu atendimento pelo SUS em Montes Claros.


Com a alegação da secretaria de que não existe o serviço credenciado para fazer a cirurgia que ela precisa no município, Virgínia teria que ser encaminhada para outra cidade por meio do Tratamento Fora do Domicílio (TFD).


A família da dona de casa fez uma reclamação junto à Ouvidoria, argumentando que foi informada que seria encaminhada para fazer a o procedimento cirúrgico em Belo Horizonte. Porém, na capital o procedimento também não estaria sendo feito. Ainda na reclamação, a paciente solicitou que a secretaria viabilize a cirurgia o mais rápido possível, levando em consideração a gravidade do seu quadro clínico. Porém, não teve resposta.

 

 


Procurada pelo Estado de Minas, a pasta informou, por meio de nota, que o procedimento não é oferecido por nenhum dos prestadores de serviços contratados. “Por isso, foi feita a tentativa de resolução em Belo Horizonte, porém houve negativa de atendimento por parte daquele município. A Secretaria Municipal de Saúde de Montes Claros está em processo de negociação para buscar a solução da demanda em caráter eletivo. Entretanto, ressalta-se que diante do agravamento do quadro de saúde, a usuária deverá buscar o atendimento de urgência e emergência dos hospitais Santa Casa, Aroldo Tourinho, Dilsom Godinho ou Mário Ribeiro, para receber o tratamento adequado.”

 

Virgínia Pereira Idalino

ESFORÇO - Virgínia Pereira Idalino, de 39 anos, está na fila de espera por um procedimento nos rins e peregrina com os exames em busca da marcação

Luiz Ribeiro/EM/D.A PRESS


PROGRAMAS E REPASSES


Para tentar reduzir o tempo de espera dos pacientes, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) informa que criou, em 2021, o programa Opera Mais, Minas Gerais. Desde então, segundo a pasta, mais de R$ 670 milhões foram investidos, sendo R$ 120 milhões de janeiro a maio deste ano. A previsão da SES-MG é que, até o fim de 2024, sejam repassados mais R$ 252 milhões aos municípios, num total de R$ 372 milhões, valor equivalente ao que foi repassado em 2023.

 

Ao longo do ano passado, 822.955 cirurgias eletivas foram feitas em Minas, sendo 273.270 procedimentos hospitalares, viabilizados pelo programa, e 549.685 cirurgias eletivas ambulatoriais. No primeiro trimestre de 2024, foram 192.358 procedimentos cirúrgicos, o que representa um acréscimo de 4,1% em relação aos três primeiros meses de 2023, que somaram 184.738 intervenções cirúrgicas.


A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informa que “tem empreendido esforços para aumentar a execução mensal das cirurgias eletivas e, consequentemente, reduzir a fila de espera.”


De acordo com o Executivo municipal, em 26 de abril foi publicada uma nova portaria, que reajusta o incentivo financeiro pago aos hospitais. O objetivo é estimular os prestadores a ampliar a realização das cirurgias. Com isso, a expectativa da PBH é de que mais de 40 mil procedimentos sejam feitos neste ano.


A Secretaria Municipal de Saúde de Contagem, na Grande BH, afirma que o município “vem empenhando esforços na ampliação da oferta de procedimentos cirúrgicos eletivos, por meio da adesão aos programas Opera Mais, Minas Gerais e Redução de filas, do governo federal. A pasta ressalta ainda que a fila é reflexo da pandemia de COVID-19, quando os procedimentos eletivos ficaram suspensos por aproximadamente um ano e meio.

 

473.939

quantidade de solicitações pendentes no estado


R$ 372

milhões investimento neste ano no Opera Mais, Minas Gerais

822.955

número de cirurgias eletivas feitas no estado em 2023