Adilson Silva, de 45 anos, é morador de Serra da Saudade, no Centro-Oeste de Minas, a menor cidade do país em número de habitantes (831, no total) segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre destino, acaso e a alta probabilidade de conhecer todos os serranos-saudalenses, ele encontrou a esposa Edmara pela primeira vez ainda na barriga da mãe, ao ser atropelado pelo sogro quando era criança.
Há cerca de quatro décadas, durante uma festividade religiosa, crianças aguardavam para receber o pão com molho e o suco oferecidos pelos festeiros do Coração de Maria. Adilson, aos 4 anos, pegou o lanche e correu pela rua que dava acesso à única saída da cidade, sem enxergar o Jeep que chegava pelo sentido contrário.
“Meu sogro trabalhava em uma fazenda e estava voltando para a cidade com a família. Para sair e entrar, só tem acesso em uma rua que fica ‘de frente para o sol’, é um perigo danado. Peguei o pão e fui atravessar a rua, sem enxergar nada, foi aí que o carro bateu em mim, eu caí, e o pessoal começou a gritar”, narra Adilson.
Apesar do impacto, o pequeno Adilson não teve nenhum ferimento grave. “Acharam que eu tinha machucado muito por causa da boca suja de suco, pensaram que era sangue. Um amigo do meu pai me levou para Dores do Indaiá para o hospital, mas não tive nada, foi mais pela pancada mesmo”, conta.
No carro, estavam Raimundo e Lourdes Bernardo, além da filha Edmara, ainda na barriga da mãe. Lourdes percebeu a confusão e avisou Raimundo que poderiam ter atropelado algum cachorro. O casal retornou ao local e reconheceu o menino, filho de amigos da família.
Raimundo foi preso no local pelo atropelamento da criança. “Ele saiu correndo no meio da rua, e eu só senti a pancada. Um soldado que não gostava de mim me levou para o quartel, mas não cheguei a ficar preso uma noite. O pessoal da cidade, o pai e a mãe dele, foram até lá pedir para me soltar”, narra Raimundo, que relembra a história dando gargalhadas junto do genro.
Essa foi a primeira vez que Adilson e Edmara, ainda no ventre da mãe, se encontraram. Com o passar dos anos, eles se conheceram na única escola da cidade. Colegas de turma, se apaixonaram na sétima série e deram o primeiro beijo. Ela, porém, era uma aluna aplicada e foi avançando nos estudos; já Adilson reprovou algumas vezes e ficou “para trás”.
Ao concluir os estudos, Edmara foi para Dores do Indaiá para trabalhar em uma padaria. Na mesma época, Edmilson, que já havia perdido o pai, se mudou com a mãe para a mesma cidade para morar com o padrasto. O casal se reencontrou e se uniu pela nostalgia e sensação de pertencimento a Serra da Saudade.
Quando Edmara fez 17 anos, outra surpresa fez com que Raimundo e Adilson também se reencontrassem. A jovem contou à família que estava grávida da primeira filha, Larissa, hoje com 25 anos. O pai pediu para que os jovens se casassem e fossem morar juntos. E assim estão até hoje.
“Meu sogro é como um pai para mim”, conta Adilson, emocionado. Já Raimundo, não poupa palavras para agradecer ao destino, ao acaso ou à alta probabilidade de todo mundo se conhecer na Serra da Saudade. “Foi bom demais. Deus fez tudo certo, tudo se encaixou”, declara.
Tudo acaba em bolo
Neste ano, Serra da Saudade registrou três óbitos e um nascimento, somando 831 habitantes. Um fato curioso é que poucas pessoas são serrano-saudalenses, já que o município não tem maternidade. A maior parte dos moradores nasceu em Dores do Indaiá, a cerca de 40 quilômetros da cidade. De acordo com a prefeitura, uma única família representa 5% dos habitantes.
Fundada em 1963, depois de conseguir a emancipação de Dores do Indaiá, Serra da Saudade não registra um homicídio há 57 anos. O último assassinato no município ocorreu em 1967, quatro anos após virar cidade. Segundo a Secretaria de Estado e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp-MG), o último crime violento registrado no município de Serra da Saudade foi em abril de 2021.
Apesar de ser a menor do país em população, sua área total é maior que a área de Belo Horizonte, com 335km². No entanto, apenas 0,24km² corresponde à área urbana, delineada por apenas dois bairros: Centro e São Geraldo.
A população conta com as conversas do dia a dia e a proximidade com os vizinhos, que se reconhecem por apelidos, para espantar o tédio. Para o lazer, o bar próximo à praça é a principal opção. Segundo moradores, a fofoca também faz parte do dia a dia, porém, todo dia 1° de março é dia de deixar para trás as desavenças e celebrar o aniversário da cidade, com um bolo de cerca de dois metros dividido em mais de 800 pedaços. Como uma boa grande família, no fim, toda discussão acaba em festa na Serra da Saudade.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho