Vista do Parque Estadual Veredas do Peruaçu, onde todas as seis formações secaram há anos: em quilômetros de paisagem desolada, das palmeiras restaram postes sem vida -  (crédito: Solon Queiroz/Esp EM)

Vista do Parque Estadual Veredas do Peruaçu, onde todas as seis formações secaram há anos: em quilômetros de paisagem desolada, das palmeiras restaram postes sem vida

crédito: Solon Queiroz/Esp EM

 

Januária, Itacarambi, Cônego Marinho e Bonito de Minas – Em todo o cerrado mineiro, as veredas pedem socorro, uma vez que representam 406.037,8 hectares (ha), uma fração de 3,38% de todo o bioma nativo em Minas Gerais, de acordo com o instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG). Os municípios que mais desmataram veredas desde 2009, segundo o IEF-MG, foram Januária (554 ha), Prata (125,7 ha), Indianópolis (110,5 ha), Chapada Gaúcha (110 ha) e Santa Fé de Minas (96,7 ha). Um dado preocupante, pois segundo especialistas a formação é um dos ecossistemas mais difíceis de se recuperar.

 

 

Nem mesmo dentro de unidades de conservação as veredas de Guimarães Rosa e de Minas estão a salvo. Várias definharam com suas nascentes no Parque Estadual Veredas do Peruaçu, na Área de Preservação Ambiental (APA) do Rio Pandeiros (Estadual) e na APA Cavernas do Peruaçu (federal), que, juntos, compreendem uma extensão 555,58 mil hectares em tese protegidos, nos municípios de Januária, Itacarambi, Cônego Marinho e Bonito de Minas.

 

A mesma região conta ainda com a APA Cochá Gibão (296.422 hectares), somando uma extensão teoricamente preservada de 852 mil hectares na região.

 

 

 

As nascentes da APA do Rio Pandeiros garantem formação do curso d'água homônimo e do chamado Pantanal Mineiro, berçário de peixes do Rio São Francisco, onde deságua o manancial.

 

As veredas do Peruaçu são responsáveis pelo Rio Peruaçu, que atravessa o famoso complexo de sítios arqueológicos do parque nacional de mesmo nome e é o último afluente da margem esquerda do Velho Chico em Minas Gerais. Mas, hoje, o leito do Peruaçu está seco em quase toda sua extensão.

 

Como descreve a obra-prima de Guimarães Rosa, as veredas sempre foram vistas como os oásis do Norte de Minas, região historicamente castigada por estiagens prolongadas e pelo drama da seca. Mas, hoje, muitas das que não morreram exibem sintomas do intenso desmatamento do cerrado e dos extremos climáticos que assolam o planeta.

 

João Roberto Oliveira, gerente do Parque Estadual Veredas do Peruaçu, onde todas as veredas secaram há mais de oito anos, mesmo sem ação direta de desmate ou incêndi

João Roberto Oliveira, gerente do Parque Estadual Veredas do Peruaçu, onde todas as veredas secaram há mais de oito anos, mesmo sem ação direta de desmate ou incêndi

Solon Queiroz/Esp EM

O pé de buriti é a principal característica visual da vereda, historicamente um indicativo da presença de água. Porém, percorrendo o sertão das Gerais avistam-se centenas deles secos. Em outros pontos de veredas mortas, nem há mais sinais da palmeira: restaram terrenos de areia nua e outros tipos de vegetação onde já houve fartura de água.


Cursos d'água em agonia

Com uma extensão de 31 mil hectares, nos municípios de Januária, Cônego Marinho e Bonito de Minas, o Parque Estadual Veredas do Peruaçu concentra seis veredas. A maior delas é a Vereda Peruaçu, com 45 quilômetros de extensão. A unidade é administrada pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF).

 

 

Como se encontram em área protegida pelo poder público e cercada, as veredas do parque estão livres de desmatamento, incêndios, atividades agrícolas e outros tipos de intervenção. Mas, numa prova de que as nascentes e a natureza sofrem com os efeitos das mudanças climáticas, todas as veredas do Parque Estadual do Peruaçu secaram há mais de oito anos. Algumas ainda mantêm áreas úmidas. A maioria ainda exibe buritis mortos (sinal da falta da reserva hídrica). Outras desapareceram por completo.

 

“Aqui, neste ponto seco onde estamos pisando, passava o leito principal do Rio Peruaçu”

João Roberto Oliveira, gerente do Parque Estadual Veredas do Peruaçu

 

 

“Todas as veredas do parque do Peruaçu secaram sem sofrer qualquer ação de incêndio”, testemunha João Roberto Barbosa de Oliveira, gestor da unidade de conservação há 30 anos. “Ao longo desse tempo, as veredas do Parque do Peruaçu foram secando gradativamente, até chegar à situação que se encontram hoje, todas completamente secas”, relata o gestor ambiental. “Se não chover mais para segurar água nas veredas, a tendência de boa parte dos buritis que ainda estão vivos é morrer. Eles resistem somente por causa da umidade que ainda existe no solo”, completa.

 

O gerente do parque afirma que o fato de as veredas morrerem em área de preservação ambiental demonstra as consequências das mudanças climáticas. “A cada ano que passa, a temperatura aumenta e o período chuvoso diminui”, constata.

 

 

 

João Roberto destaca que o desmatamento do cerrado também contribuiu para a agonia das veredas na região de Januária e Bonito de Minas. “Nosso parque fica em uma área de altitude média de 800 metros. A região é uma grande caixa d'água e a derrubada do cerrado nas décadas de 1970 e 1980 contribuiu para a situação que enfrentamos hoje. Além disso, a perfuração de poços tubulares na região, com até 150 metros de profundidade, afeta o lençol freático”, descreve.

 

Para o servidor do IEF, além da contenção das mudanças climáticas e do aumento da temperatura, o combate à degradação ambiental passa pelo combate a incêndios florestais e outras medidas. “É preciso manter de pé a vegetação ainda existente e fazer barramentos em vários pontos para manter a água na região e, quem sabe, o lençol freático se recupere. E ter muita fé para que volte a chover com normalidade” afirma.


Cemitérios dos buritis


Com o gerente, a equipe do EM percorreu cerca de 240 quilômetros dentro do Parque Estadual Veredas do Peruaçu e da APA Cavernas do Peruaçu, onde documentou as veredas secas e buritis mortos. Também esteve em locais que eram cobertos pela água cristalina e marcados por centenas das palmeiras características, hoje completamente secos, sem nenhum sinal do solo turfoso das veredas.

 

Um desses pontos no parque estadual é um percurso da Vereda do Peruaçu, onde os pés de buritis mortos (com os caules sem folhas, que mais se parecem postes) chamam a atenção. O terreno ali permanece turfoso, mas falta o elemento principal: água. “Aqui, neste ponto seco onde estamos pisando, passava o leito principal do Rio Peruaçu”, informou João Roberto.

 

Veredas secas no Parque Veredas do Peruaçu

  • Vereda do Rio Peruaçu
    Extensão: 45 quilômetros
    Seca, com buritis mortos, mas também com árvores ainda vivas em terrenos mais úmidos, onde passava o leito do Rio Peruaçu – igualmente seco – e existiam poços. A vereda tem um trecho com água, mas fora do parque, onde recebe córregos.
  • Vereda Lagoa Formosa
    Extensão: 10 quilômetros
    Desapareceu, não tendo mais nenhum pé de buriti na extensão que ocupava. Do local, só restou o nome. A lagoa secou completamente.
  • Vereda dos Lopes
    Extensão: 7 quilômetros
    Na prática, se divide em duas veredas, que se juntam e “encontram” o leito do Rio Peruaçu. Seca em todo o percurso, sem presença de buritis.
  • Vereda Comprida
    Extensão: 6 quilômetros
    Tem buritis mortos em alguns pontos
  • Vereda Lagoa Azul
    Extensão: 1 quilômetro
    Mantém buritis em pé em terrenos úmidos, área de antigos poços.
  • Vereda da Passadinha
    Extensão: 500 metros
    Mantém alguns buritis, por conta da mata ciliar que a protege

 

Mais de 52 mil ações de fiscalização

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) sustenta que em 2023 ocorreram no estado, mais de 52 mil ações de fiscalização ambiental, aumento de 24% em relação a 2022. No cerrado, em áreas de veredas, de 2015 até 2024 (2 de junho), foram 1.353 fiscalizações e 496 autuações, diz a pasta. Os municípios com o maior número de ações em áreas em veredas em 2023 foram Uberlândia (30), Bonito de Minas (25), Gurinhatã (17), Santa Vitória (13), Campina Verde (11), Ituiutaba e Januária (8) e Chapada Gaúcha (7).

 

Acompanhe a série

Esta reportagem integra a série “Veredas mortas”, do Estado de Minas, que toma emprestado o título inicialmente pensado por Guimarães Rosa para sua obra-prima, depois batizada “Grande sertão: Veredas”. As reportagens começaram a ser publicadas no domingo (14) e a íntegra das reportagens, galerias de fotos e vídeos estão disponíveis em nosso site.