Área devastada pelo fogo dentro do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, uma área teoricamente preservada  -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Área devastada pelo fogo dentro do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, uma área teoricamente preservada

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

 

No nada. Eis onde foram parar quase todas as veredas que encantaram Guimarães Rosa quando ele percorreu o interior de Minas Gerais, no início dos anos 1950, para observar a terra, a flora, a fauna e a gente que o inspirou para escrever uma das obras-primas da literatura brasileira.

 

Foi o que constataram os repórteres Alexandre Guzanshe, Luiz Ribeiro e Mateus Parreiras, do Estado de Minas, após percorrer quase 5 mil quilômetros e 55 cidades do sertão mineiro, da Bahia e Goiás. Setenta anos depois da primeira menção ao romance na imprensa, nossa equipe de reportagem mostra como estão os lugares que, pelas características de brejo, com água de nascentes e sombra garantida pela vegetação, eram os refúgios de Riobaldo, Diadorim e outros personagens inesquecíveis de “Veredas mortas”, o primeiro título de “Grande sertão: veredas”.

 

 

 

O cenário atual é desolador. Por causa do impacto da combinação do avanço desordenado com as consequências dos eventos climáticos extremos, as veredas se tornaram “lugares de terra queimada” e “onde se forma calor de morte”, para citar duas passagens do livro (os títulos das reportagens reproduzem frases de Rosa). Nossos repórteres se depararam com buritis, símbolos da vegetação nativa, em situação agonizante. Muitos foram arrancados e substituídos por eucaliptos. Outras árvores da região também foram extirpadas.

 

 

Além disso, as queimadas acentuam o clima desértico e inóspito no ecossistema. “O cerrado vai embora, as veredas vão embora”, resume o ambientalista Almir Paraca. “A pureza de uma vereda, da água, do cerrado: aquela beleza que Guimarães viu e retratou com tamanha poesia na obra dele... Se ele voltasse hoje, acho que teria uma decepção imensa de saber o que que aconteceu no passar desses anos”, afirma José Osvaldo dos Santos, 72 anos, o Brasinha.

 

Morador de Cordisburgo, cidade natal de Guimarães Rosa, o comerciante é considerado na região como um filósofo do sertão. Como mostrará a reportagem especial do Estado de Minas, os danos ambientais não foram causados pelo cramulhão, o maligno, o coisa ruim, o mal-encarado, o das-trevas, para citar algumas das dezenas de alcunhas que o diabo recebe de Riobaldo ao longo do livro. O que existe, e o que não existe mais, no grande sertão de Guimarães Rosa é resultado da ação do homem humano.

 

Mire e veja. Hoje e nos próximos dias.