Pelo menos 6 hectares de vegetação foram queimados no Parque Ursulina de Andrade Mello, no bairro castelo, palco frequente de incêndios  -  (crédito:  Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Pelo menos 6 hectares de vegetação foram queimados no Parque Ursulina de Andrade Mello, no bairro castelo, palco frequente de incêndios

crédito: Ramon Lisboa/EM/D.A Press

Clara Mariz, Wellington Barbosa* e Larissa Figueiredo*

Nos primeiros seis meses de 2024, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais registrou 9.566 ocorrências de queimadas em vegetação. Na primeira semana de julho, a corporação atendeu a 1.059 chamados, sendo que 47 foram em Belo Horizonte. No Bairro Castelo, na Região da Pampulha, 57 militares atuaram no combate e rescaldo das chamas no Parque Ursulina de Andrade Mello, na Rua Romualdo Lopes Cansado. A área verde é frequentemente palco de incêndios, como o iniciado na tarde de quinta-feira (11/7). Os números gerais revelam crescimento de 82% das queimadas no estado no primeiro semestre, em comparação ao mesmo período do ano passado. Em Belo Horizonte, 440 incêndios foram registrados de janeiro a junho desde ano, contra 400 nos seis primeiros meses de 2023. A elevação é de 10%.


A expectativa é que os números aumentem ainda mais ao longo do inverno, que começou oficialmente no Hemisfério Sul em 20 de junho e segue até 22 de setembro. Especialistas acusam diversos fatores para a possibilidade de crescimento de áreas queimadas, como a seca, que tem se agravado ainda mais com os efeitos do El Ninõ; e a ação humana, principal fator de princípio de incêndios em vegetação.

 

Vacina da UFMG chega à fase de testes em humanos

MP denuncia médicos por aborto sem consentimento em hospital de MG

Mariana: Vale faz acordo e deixa processo sobre Samarco no Reino Unido


Quem mora no Bairro Castelo já está acostumado com a fuligem e fumaça causadas pelas queimadas de vegetação. Essa não foi a primeira vez que a área verde, que mobilizou o Corpo de Bombeiros por mais de 28 horas, ganhou as manchetes. Em outubro de 2020, os militares atuaram por quatro dias para debelar chamas que consumiram 30% da área total do parque, o que equivale a 10 hectares. Na ocorrência desta semana, seis hectares foram atingidos, mas o número pode ser ainda maior.


“Temos uma estimativa inicial de seis hectares queimados, mas isso pode passar por uma revisão. Ainda estamos no trabalho de monitoramento, alçando alguns voos com drones para termos um número exato”, explicou o porta-voz dos bombeiros, tenente Henrique Barcellos.


Sônia Rodrigues mora na região há seis anos. A advogada explica que, apesar de já ter visto outras queimadas no parque, ainda não se acostumou com a situação. Para ela, a ação foi criminosa. “Foi horrível quando abrimos a janela e vimos esse fogo queimando sem parar. Todo mundo do bairro fechou a janela. Ninguém aguentava tanta fumaça e fuligem”.


A causa do incêndio ainda não foi esclarecida. Apesar de a ocorrência ter sido finalizada às 14h30 de ontem, militares estiveram no local monitorando e garantindo o resfriamento adequado da área atingida. Segundo a assessoria de imprensa da corporação, até o início da noite de ontem não houve retorno do fogo.


Ontem, ainda havia muita fuligem no ar. O cheiro de vegetação queimada podia ser sentido antes mesmo de a equipe de reportagem chegar próximo ao parque. De acordo com os bombeiros, a previsão é que a fumaça se dissipe nos próximos dias. O comerciante Ronaldo Romagnoli já presenciou a situação três vezes. "Sempre está acontecendo, acho que é criminoso. Meu apartamento é logo de frente, é muita fumaça. Espero que eles contornem tudo aí hoje para nós", afirmou.


De acordo com o tenente-coronel Ivan Neto, que atuou no combate no primeiro dia, o incêndio causou um grande prejuízo ambiental na região. Na ocasião, os militares – visando reduzir a fumaça que atingia as residências – trabalharam em duas frentes: uma do lado direito, perto da Rua Castelo Montalvão, e outra no lado esquerdo, nas proximidades da Rua Domingos Bernis. O principal objetivo do combate foi preservar a área interna do parque onde há nascentes de água e áreas destinadas à visitação e ao reflorestamento.

 


Aumento das queimadas

 

No estado, o bioma predominante é o Cerrado, considerado o segundo maior da América do Sul (o maior é a Floresta Amazônica). Entre as adversidades mais comuns enfrentadas pelas espécies de fauna e flora das regiões estão aquelas causadas pelo fogo. Em junho deste ano, o Corpo de Bombeiros registrou 3.795 ocorrências de focos de incêndio em Minas Gerais. Quando comparado ao mesmo período de 2023, houve um aumento de 81%. Na ocasião, foram 2.093 chamados. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 839 focos foram combatidos pelos militares no sexto mês deste ano, contra os 554 de junho de 2023. O crescimento foi de 51,4%. Já na capital, foram 154 queimadas este ano, e 150 no período anterior.


Professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bernardo Gontijo explica que o Cerrado já é adaptado para resistir às queimadas, mas não àquelas de grande proporção, normalmente provocadas pela ação humana. “A questão dos incêndios, em se tratando do bioma do Cerrado, é algo já bem conhecido e esperado. Principalmente no auge da estação seca, no auge da ausência de água do ecossistema. E é em função disso que o material combustível, ou seja, a vegetação seca, se torna extremamente propenso para a queima, desde que, claro, haja a existência de oxigênio e calor”, explica.


Segundo o professor, se não são bem cuidadas, as áreas verdes em perímetros urbanos estão mais vulneráveis. Os parques nacionais e estaduais que fazem limites com manchas urbanas estão cercados de mineração e loteamentos, isso é mais difícil de controlar. Gontijo explica que entre as causas naturais, as chamas podem ser provocadas, em raros casos, pela ocorrência de descargas elétricas por raios e relâmpagos na vegetação. No entanto, a probabilidade desses episódios aumenta apenas com a chegada das chuvas no fim do ano.


“Quando ocorre o fogo por fatores naturais, ele tende a evoluir pouco e aí acaba sendo algo de pequena proporção. Incêndios em grande proporção, dependendo da época do ano, você pode ter certeza que mais de 90% são fruto de ação humana. Deliberada ou não. Aquela coisa do doloso ou culposo. Culposo sempre é. Agora, quando tem o dolo, aí a coisa complica, e às vezes isso acontece. De forma trágica, mas acontece”, enfatiza Bernardo Gontijo.


O professor da UFMG lembra que os incêndios emitem dióxido de carbono e contribuem com o efeito estufa e, consequentemente, para a intensidade das ondas de calor. Ele acrescentou que, além de um gradativo aumento das temperaturas, os incêndios florestais em áreas urbanas ampliam o risco de propagação de doenças. “A área verde na cidade é o refúgio da fauna. No caso de aumento desses incêndios, esses espaços podem ser comprometidos. A presença de fauna nos centros urbanos ajuda no controle de insetos e agentes transmissores de doenças, como o mosquito Aedes aegypti, vetor da dengue, zika e chikungunya”, explicou.


Essa busca da fauna por um refúgio, no entanto, é natural, assim como as mudanças climáticas. “É do clima mudar, se não, não seria clima. Se há um processo contínuo de aquecimento, os seres vivos tendem a migrar para ambientes mais frescos e vão se adaptando à medida que os fatores ecológicos vão se alterando”, pontuou.


De acordo com a Lei de Crimes Ambientais, inserida no Código Penal brasileiro, provocar incêndio em mata ou floresta pode gerar pena de reclusão, de dois a quatro anos, e multa. O advogado criminalista Bruno Rodarte explica que há deficiências na lei. Para ele, a fiscalização pode ser melhorada e, assim, a sensação de impunidade combatida.


“A pessoa pode ser punida tanto pela prática dolosa, ou seja, aquela que ela tem a vontade de praticar o ato, quanto na figura culposa, ou seja, quando ela age de maneira imprudente, negligente ou com a falta de cuidado exigido para aquela situação. Tudo vai depender das provas que forem produzidas, a fim de demonstrar se ela agiu ou não com o dolo necessário. A história já nos mostra que não adianta eu aumentar de uma forma assustadora os tipos penais. Eu preciso sim ter um rigor técnico no momento da aplicação da lei e fazer com que aquele dispositivo saia do papel”, esclareceu o advogado.


El Niño

O aumento expressivo dos incêndios chamou a atenção de Gontijo, que aponta efeitos do fenômeno El Ninõ diretamente no cenário das queimadas. “O El Niño acontece com um intervalo de sete a oito anos e provoca várias situações no planeta inteiro. Se em uma região tende a chover muito, durante esse fenômeno vai chover de forma extrema, da mesma forma são as regiões secas e no regime tropical típico, como é Minas Gerais”, explicou.


A capital mineira ainda sente a ação do fenômeno que acabou em junho. Segundo a Defesa Civil, a cidade não registra chuvas há 85 dias. O meteorologista Ruibran dos Reis, do Instituto Climatempo, ressalta o impacto desse fenômeno: “O período chuvoso em Minas começa em outubro e termina em abril. Em função do El Ninõ, as chuvas chegaram no final de dezembro, então choveu menos e em forma de temporais. Isso significa que não houve chuvas intermitentes que inundam o solo, o solo não encharcou.”

 

*Estagiários sob supervisão da subeditora Rachel Botelho