A criação de um ambulatório de autismo em Belo Horizonte, no âmbito do SUS-BH, gerou revolta entre entidades ligadas à saúde mental e aos direitos humanos da cidade. O intitulado Primeiro Núcleo de Atendimento aos Transtornos de Neurodesenvolvimento com foco em Transtorno do Espectro Autista, anunciado pela prefeitura (PBH) no último dia 4 de julho, é motivo da divulgação de uma nota de repúdio assinada pelo Fórum Mineiro de Saúde Mental, a Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental MG (ASUSSAM-MG), a Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos e a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA).
Segundo as entidades, tal anúncio se fez sem discussões prévias com os trabalhadores da Rede de Atenção Psicossocial de Belo Horizonte (RAPS-BH), desconsiderando a ausência de tal proposta em qualquer das Conferências Municipais de Saúde e de Saúde Mental e ignorando o posicionamento contrário da Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, expresso em documento encaminhado em 17 de junho para o Secretário Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Danilo Borges Matias.
"O atual secretário, observe-se, herdou tal proposta do secretário municipal que o antecedeu, posto que teve sua origem no gabinete do prefeito Fuad Noman", escrevem.
O texto evidencia motivos para a rejeição quanto ao ambulatório já compreendidos por todos que sustentam os princípios de uma reforma psiquiátrica antimanicomial:
- Ambulatórios, por si só, são dispositivos cuja lógica contraria frontalmente tais princípios, ao dar centralidade ao procedimento da consulta, de forma desarticulada com as estratégias da atenção psicossocial, além de gerar, inevitavelmente, infindáveis filas de espera.
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- Ambulatórios destinados a atender pessoas às quais, real ou supostamente, se atribui um determinado diagnóstico são ainda mais nocivos, pois, segundo sua lógica, o nome pelo qual se define uma determinada forma de sofrimento mental poderia também definir a priori quais são os problemas e necessidades das pessoas, e dar-lhes respostas adequadas.
- Não é por mero acaso que a política de saúde mental de BH, apesar de recuos, retrocessos e inúmeras dificuldades atualmente enfrentadas, é reconhecida, nacionalmente, como a mais bem sucedida política de reforma psiquiátrica brasileira. "É inconcebível que o ambulatório em questão surja como uma imposição governamental, portanto autoritariamente, e como tal, ignore o diálogo e a diferença."
Conforme os especialistas dessas instituições, atualmente o diagnóstico de transtorno de espectro autista prolifera sem critérios fidedignos, classificando um número cada vez maior de crianças e adolescentes dentro desse quadro, o que na verdade acaba sendo explorado pelo que eles chamam de uma nova forma de indústria da loucura, promovendo uma crescente exploração mercadológica de sua condição.
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"Os serviços específicos para autistas, num mesmo movimento, segregam e discriminam esta clientela, sob o pretexto de uma ilusória garantia de seus direitos, enquanto desviam recursos da política da infância e da adolescência, da atenção básica, da saúde mental, da deficiência, e de políticas universais em geral, nos sistemas de saúde e de assistência social", divulgam.
Na nota, as entidades manifestam ainda profunda indignação quanto à maneira desrespeitosa e destrutiva que a política de saúde mental de Belo Horizonte está sendo tratada pela própria gestão que deveria protegê-la e assegurá-la, conforme o texto.
"Nós, movimentos sociais legítimos e também protagonistas dessa política do cuidado em liberdade não seremos tolerantes nem permaneceremos em silêncio, quando questões eleitoreiras se sobrepõem a construções democráticas e arduamente sustentadas. Conclamamos ao poder público que recue da proposta e abra uma discussão ampla, aprofundada e participativa sobre o tema", concluem.