Mariana (MG) celebra, em 16 de julho, o Dia de Minas -  (crédito:  LELIO PEDROSA MENDES/Divulgação)

Mariana (MG) celebra, em 16 de julho, o Dia de Minas

crédito: LELIO PEDROSA MENDES/Divulgação

Memórias, biodiversidade e vastidão cultural dominam estas terras à beira de grandes rios, povoadas por diferentes etnias, amparadas em patrimônios que retratam séculos de ocupação. Em momento de homenagens e reflexão, o estado celebra nesta terça-feira (16/7) uma data especial para reverenciar sua história, com a festa cívica que mantém a tradicional transferência simbólica da capital, Belo Horizonte, para Mariana, na Região Central. O Dia de Minas, na primeira vila (1711), cidade (1745) e diocese (1748), com a presença do governador Romeu Zema (Novo), terá ainda shows, sendo uma excelente oportunidade para se conhecer melhor a origem das Gerais e entender seus contrastes.

 

Na riqueza das diferenças regionais, podem até ser encontradas respostas para algumas questões identitárias: o que é ser mineiro? E o que é ser geraizeiro? A palavra geraizeiro pode pegar muitos leitores de surpresa, afinal, quem nasce em Minas é mineiro. Mas há diferenças, como assinalou, em entrevista ao programa "Conversa com Bial", da Rede Globo, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia Antunes Rocha, natural de Montes Claros e criada em Espinosa, ambos na Região Norte do estado: “Não sou mineira, sou geraizeira. Gerais é o descampado, o grande sertão. Minas é das sombras, das minas”.

 

 

Igualmente geraizeiro, Braulino Caetano dos Santos, de 78 anos, nascido na zona rural de Montes Claros, perto de Bocaiúva, no Norte de Minas, se declara um filho do cerrado, o bioma “com mais de 400 plantas nativas” que fornecem sustento para o ser humano – “uma verdadeira farmácia natural”, observa – e para o gado. Além do sotaque característico, da culinária e do modo de viver diferente de outras regiões mineiras, o pequeno sitiante Braulino conta que, mesmo em tempo seco, com os rios sem água, nada falta, sendo possível encontrar alimento para a sobrevivência.

 

Na foto, Braulino Caetano dos Santos, 78 anos, sitiante

Na foto, Braulino Caetano dos Santos, 78 anos, sitiante

Valdir Dias/Centro de Agricultura alternativa do norte de Minas/Divulgação

 

“O cerrado é uma planície com grande potencial hídrico, o que favoreceu, ao longo do tempo, o extrativismo, a criação de gado e outras atividades. É triste ver, hoje, a destruição ambiental para dar lugar ao plantio de soja e de outras culturas, por isso lutamos pela preservação.”

 

Destacando a importância das veredas, consideradas “oásis” no meio da paisagem, Braulino considera “impressionante” como a natureza se transforma, especialmente na primavera. “As árvores secas ganham vida, rebrotam, trazem a esperança”, afirma o norte-mineiro, que se integra a grupos de geraizeiros determinados a manter a cultura local em encontros além da divisa do estado e das fronteiras do país.

 

 

IDENTIDADES ÉTNICAS NA ESTRADA DO SERTÃO

 

Nas estradas do Norte Minas, há muitos caminhos novos e antigos, sempre unidos pela cultura. Conterrâneo de Cármen Lúcia e Braulino, o antropólogo e professor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), João Batista de Almeida Costa se considera norte-mineiro, e não mineiro, muito menos geraizeiro. “Minas Gerais é uma paixão, mas nossa região é mais apaixonante ainda. Somos, portanto, norte-mineiros”, observa o professor. Particularmente, ele se declara “caatingueiro”, em função do bioma (caatinga), que começa em sua cidade.

 

Foto do João Batista de Almeida Costa

Foto do João Batista de Almeida Costa

Arquivo pessoal

 

João Batista explica que homens e mulheres de sete identidades étnicas ocupam áreas de três biomas predominantes na região: cerrado, caatinga e mata seca (antiga floresta tropical úmida). Assim, há caatingueiros, veredeiros (referentes às veredas), vazanteiros (vazantes do Rio São Francisco), barranqueiros, ribeirinhos, apanhadores de flores e os geraizeiros (que vivem no Norte, Noroeste e Triângulo Mineiro e nos estados da Bahia, Tocantins, Goiás e Piauí).

 

Pertencer a uma dessas sete identidades étnicas significa, segundo o antropólogo, pensar o mundo de uma forma particular, ter um modo de vida diferente. Na sua avaliação, colocar mineiros e norte-mineiros em lados opostos não significa segregação ou polarização, mas respeito a uma questão histórica, vinda lá dos tempos coloniais.

 

 

“O princípio da organização da produção no Norte de Minas está nas fazendas, na criação de gado, na agricultura, na pesca. Enquanto muitos mineiros falam ‘as Gerais”, em relação ao estado, nós, aqui, falamos, ‘os Gerais’, numa referência aos campos gerais”, afirma João Batista, lembrando que, ao longo dos tempos, faltou respeito ao Norte de Minas, fazendo soar o separatismo. “Temos registro de 36 pedidos de separação, sendo três no período imperial, com Dom Pedro II (1825-1891), e seis no períodorepublicano.”

 

Na sua monumental obra “Grande Sertão: Veredas”, João Guimarães Rosa (1908-1967), natural de Cordisburgo, na Região Central do estado, cita gerais no masculino, no singular e no plural: “O ‘gerais’ corre em volta. Esses ‘gerais’ são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães...O sertão está em toda parte.”

 

GRUPOS SOB PROTEÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL

 

Também nascida em Montes Claros, onde leciona na Unimontes, a antropóloga Cláudia Luz de Oliveira explica que geraizeiro é uma “denominação costumeira” usada por grupos sociais do Norte do estado. “Somos todos nascidos em Minas Gerais, chamados mineiros, mas há contrastes entre os que viveram e vivem na região das minas de ouro e nos sertões. Os geraizeiros se veem de forma diferente, assim como são vistos de forma diferente por pessoas de outras localidades, inclusive por aqui mesmo”, diz a professora.

 

Vale ressaltar que os geraizeiros, a exemplo dos catingueiros, vazanteiros e outros grupos sociais, têm seus direitos protegidos por legislação nacional e internacional. “Os direitos dessas comunidades são reconhecidos na Constituição Federal (1988), por meio da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto nº 6.040, de 2007. E existe o Conselho Nacional de Comunidades e Povos Tradicionais.”

 

Para proteção desses povos e comunidades há, no Brasil, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. Já em esfera mais ampla, esses grupos sociais têm a seu favor a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que contempla ainda os povos indígenas. O objetivo é “afirmar a obrigação dos governos em reconhecer e proteger os valores e práticas sociais, culturais, religiosas e espirituais próprias desses povos”, conforme o texto da convenção.

 

NOME FORJADO NO BRILHO DAS RIQUEZAS MINERAIS

Conhecer a toponímia (origem do nome) de Minas Gerais ilumina a compreensão sobre sua história. Em pesquisa para o Centro de Referência em Cartografia Histórica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as professoras Márcia Maria Duarte dos Santos e Maria Cândida Trindade Costa de Seabra registraram o seguinte: “Minas Gerais corresponde à região onde se encontraram abundante ouro e, depois, outros metais, o que justifica a motivação do nome.”

 

“Esse topônimo (Minas Gerais) era empregado quando se desejava aludir à região das minas de forma generalizada; porém, antes da sua consolidação, o território era conhecido, também, pelos nomes: ‘Assistente nas minas’, ‘Morador nas minas’, ‘Caminho para as minas’, ‘Minas dos Cataguás’ ou ‘Minas dos Cataguases’, ou simplesmente ‘as minas’. Oficializada em 1732, uma vez que passou a ser usada nas cartas régias, a designação ‘Minas Gerais’ tornou-se corrente.”

 

As pesquisadoras registraram ainda que, diante das descobertas minerais, muitos mapas da área, para que essa fosse reconhecida ou situada no território colonial português, foram produzidos, embora poucos tenham se conservado. "Evidencia-se, portanto, a obra do padre Jacobo Cocleo, provavelmente de 1694/1710, que se caracteriza como o documento cartográfico mais antigo a registrar a designação de Minas Gerais, seguido pelo mapa anônimo das ‘Minas do Ouro’. Destacam-se outros conhecidos também na atualidade, realizados após a criação da Capitania de Minas Gerais (1720).

 

 

FESTA CÍVICA EVOCA OS PRIMÓRDIOS DE MARIANA

 

Natural de Mariana, o pesquisador da história local, Lélio Pedrosa Mendes, se orgulha de ser de Minas e de ter “nascido na cidade emoldurada pelas montanhas”. Para ele, Minas, embora com as diferenças culturais regionais, é uma só, estando exatamente nessa unidade sua maior grandeza. “Minas nasceu aqui e foi se expandido em todas as direções”, diz Lélio, destacando um dos filhos mais ilustres de Mariana, o pintor Manuel da Costa Ataíde (1762-1830).

 

Por que comemorar o Dia de Minas em 16 de julho? Lélio responde: “Mariana foi descoberta em 16 de Julho de 1696, pelos bandeirantes paulistas Miguel Garcia e Salvador Furtado de Mendonça, juntamente com o capelão da Bandeira, Padre Gonçalves Lopes.Vindos de Taubaté, São Paulo, os bandeirantes, à procura de ouro e pedras preciosas, eles encontraram as primeiras pepitas de ouro no curso d’água o qual batizaram Ribeirão do Carmo, pois era o dia da Nossa Senhora do Carmo.”

 

“Assim, o padre Gonçalves Lopes celebrou, aqui, a primeira missa em um pequeno penhasco, dando origem à descoberta da imensa riqueza de ouro, em nossas entranhas, que se transformou neste imenso estado das Minas Gerais.”

 

O pesquisador conta que, após 16 de Julho de 1696, o território se transformou em Arraial de Nossa Senhora do Carmo, sendo elevado, em 1711, à categoria de vila, então a primeira de Minas. “Já em 1745, o rei de Portugal, dom João V, a transformou em cidade com o nome de Marianna, em homenagem a sua esposa, dona Maria Ana D'Austria.”

 

A Constituição Mineira determina que 16 de julho é o Dia de Minas. Nessa data, em 1977, durante sessão solene comemorativa do 281º aniversário de Mariana, o professor Roque José Camêllo propôs a instituição, como data cívica estadual, do Dia do Estado de Minas Gerais. O projeto recebeu o apoio de acadêmicos, autoridades municipais e da comunidade marianense.



No mesmo dia, em 1979, foi pedido apoio ao então governador Francelino Pereira para o projeto que declarava o 16 de julho como o Dia do Estado de Minas Gerais. A lei estadual instituiu a data comemorativa. Em 1980, foi sancionada a Lei Municipal 561, que instituiu a Medalha do Dia do Estado de Minas Gerais. A Constituição do Estado, promulgada em 1989, formalizou a data como Dia de Minas, assim como 8 de dezembro o Dia dos Gerais.

 

PROGRAMAÇÃO

Dia de Minas – Terça-feira, 16 de julho, em Mariana, na Região Central

8h – Missa solene na Igreja Nossa Senhora do Carmo, celebrada pelo arcebispo de Mariana, dom Airton José dos Santos

10h – Início da cerimônia do Dia do Estado de Minas Gerais, com entrega da medalha do Dia de Minas

15h – Amistoso de futsal – Cruzeiro x Seleção de Mariana, na Arena Mariana

21h – Show do Raça Negra, na Praça Tancredo Neves, no Centro da cidade