Placas solares até onde a vista alcança em Arinos:

Placas solares até onde a vista alcança em Arinos:

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

“É o 'novo eucalipto' que está chegando. Estamos observando, como o desmatamento para plantio, fogo e eucaliptos foram barrados pela unidade de conservação, o desafio agora é com as usinas fotovoltaicas. Não sabemos se a reflexão dos raios solares pode intensificar o aquecimento e as mudanças climáticas na região.” A preocupação com a mais recente ameaça é manifestada pelo chefe do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, Peterson Almeida.

 

Um dos empreendimentos mais próximos, em Arinos, no Noroeste de Minas, já ocupa uma área de predomínio de cerrado, com presença de matas ciliares e de veredas, além de espaços agrários que totalizam 3.600 hectares.

 

 

A multiplicação das células fotovoltaicas em extensões cada vez mais amplas de cerrado que foi derrubado pressionam os 50 municípios mineiros do sertão descrito por Guimarães Rosa, sobretudo porque Minas Gerais é o estado com maior concentração de usinas fotovoltaicas do Brasil, com mais do que o dobro da produção da Bahia, em segundo lugar, sendo que o sertão mineiro responde por 95% da operação estadual, 97% do que se constrói no estado e 81% dos projetos.

 

 

Outro alerta sobre os efeitos ambientais desse avançõ vem do professor, pesquisador e doutor em sociologia Rômulo Soares Barbosa, que desenvolve estudos dentro do Programa de Mestrado em Sociedade, Ambiente e Território, implementado em parceria entre a Unimontes e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

 

O professor afirma que, diferentemente de outros estados, em Minas Gerais a geração solar é feita sobretudo por grandes usinas de geração concentrada. Segundo ele, entre 2019 e 2022, foram licenciados cerca de 70 gigawatts para instalação de painéis solares em 200 mil hectares, nas regiões Norte e Noroeste do estado, além de empreendimento para ocupar uma área de 20 mil hectares, destinado a gerar 5 gigawatts em Matias Cardoso, município banhado pelo Rio São Francisco, no denominado “Berço das Gerais".

 

Painéis solares em usina no cerrado mineiro, no município de Arinos

Painéis solares em usina no cerrado mineiro, no município de Arinos

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

 

Rômulo Soares Barbosa afirma que a instalação das usinas solares resulta na retirada de espécies nativas, gerando passivo ambiental. “A supressão de vegetação, implica em redução drástica da biodiversidade, com efeitos sobre as águas superficiais e águas subterrâneas; tensões e conflitos territoriais; e no médio prazo também a desertificação. Tais efeitos necessitam ser objeto de estudos para o debate público sobre a transição energética ambientalmente adequada e socialmente justa”, observa o pesquisador. Entre os municípios do Norte de Minas que recebem megausinas de energia solar, além de Matias Cardoso ele cita Pirapora, Buritizeiro, Janaúba, Capitão Enéas, Jaíba, Verdelândia e Arinos.


“Guardião das florestas e das águas”

Sobre a irrigação e o plantio de eucaliptos, a Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg) afirma que o Brasil e Minas Gerais há décadas utilizam sistemas de produção sustentável, com tecnologias de agropecuária de baixo carbono que permitem a cobertura do solo, menos passagem de máquinas, menos utilização de alguns insumos e maior circularidade de matéria e energia dentro da própria propriedade rural.

 

“No Brasil, a tecnologia tropical na agropecuária já gerou um 'efeito poupa terra' de praticamente 200 milhões de hectares, de 1977 a 2023. Isso quer dizer que em quase cinco décadas, enquanto a área ocupada dobrou, a produção quase sextuplicou. Significa menor inflação, cesta básica representando percentual menor no orçamento familiar, dignidade, geração de empregos e renda para comprar alimentos e ainda investir em saúde, educação e outras áreas que sequer podiam ser consideradas caso a produção agropecuária em escala não permitisse”, informa a federação.

 

 

A entidade sustenta que o Código Florestal brasileiro é “o mais restritivo do mundo” por exigir preservação de 20% a 80% das propriedades para reserva legal. “Minas é o estado que mais preserva, fora os três maiores estados que compõem a Amazônia Legal. O produtor mineiro é guardião das florestas, da biodiversidade e das águas, guardando em média mais de 30% da vegetação nativa dentro dos imóveis rurais declarados no Cadastro Ambiental Rural. Desses imóveis, 93% são da agricultura familiar, mostrando que é possível aliar o desenvolvimento econômico e preservação ambiental”, ressalta a Faemg.

 

Entre as tecnologias destacadas pela Faemg está a irrigação, “que, a partir do fornecimento de água de forma adequada para as culturas, pode dobrar sua produtividade, além de permitir o cultivo de mais de uma safra por ano, gerando o efeito poupa terra e transformando a vida das pessoas”.

 

 

 

Em 2023, o setor atingiu o valor de produção de R$ 228,6 bilhões, um incremento de R$ 13,2 bilhões na economia do estado. “O produtor rural mineiro é exemplo e tem contribuído significativamente nas estratégias de adaptação e mitigação dos impactos climáticos mundiais”, afirma a Faemg.


R$ 20 bilhões em arrecadação

A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) afirma que a energia solar é reconhecida internacionalmente como uma das mais sustentáveis e competitivas da atualidade. Desde 2012, o segmento representou, segundo a entidade, R$ 60,7 bilhões em novos investimentos e mais de 424 mil empregos acumulados, além de proporcionar cerca de R$ 20 bilhões em arrecadação aos cofres públicos.

 

“As grandes usinas solares tornam-se cada vez mais estratégicas para a diversificação da matriz elétrica brasileira, reduzindo a pressão sobre os recursos hídricos e o uso de termelétricas, mais caras e poluentes. Com isso, a energia solar tem promovido uma importante transformação social, econômica e ambiental nas localidades e regiões onde são instaladas. A ampla maioria desses projetos é construída em locais com menor densidade demográfica e em terrenos já antropizados e de baixa produtividade, que normalmente não seriam aproveitados para outras atividades”, afirma.

 

 

De acordo com a Absolar, a implantação de grandes usinas solares no Brasil “atende a rigorosos requisitos legais, regulatórios e ambientais, inclusive quanto ao seu licenciamento, mitigação e compensação de eventuais impactos ao entorno”. “Desde a concepção dos projetos, são realizadas interações com as comunidades dos territórios, bem como com os gestores públicos dessas regiões, incluindo as comunidades lindeiras, estabelecendo-se planos de atuação conjuntos”, conclui.

 

Acompanhe a série

Esta reportagem integra a série “Veredas mortas”, do Estado de Minas, que toma emprestado o título inicialmente pensado por Guimarães Rosa para sua obra-prima, depois batizada “Grande sertão: Veredas”. As reportagens começaram a ser publicadas no domingo (14) e a íntegra dos textos, galerias de fotos e vídeos estão disponíveis em nosso site.